ARTIGOS ORIGINAIS
MAURO DE SOUZA LEITE PINHO - TSBCP
LUÍS CARLOS FERREIRA - FSBCP
HARRY KLEINUBING JÚNIOR - ASBCP
CARLOS FISCHER
ANTONIO JOSÉ GARCIA PEREIRA FILHO
ANNELISE CORRÊA WENGERKIEVICZ
PINHO MSL, FERREIRA LC, KLEINUBING JÚNIOR H, FISCHER C, PEREIRA FILHO
AJG, WENGERKIEVICZ AC. Câncer Colorretal: Análise do Valor Prognóstico do Número Total de Linfonodos Identificados na Peça de
Ressecção. Rev bras
Coloproct, 2004;24(2):126-130.
RESUMO : Objetivos: Identificar possível valor prognóstico referente ao número total de linfonodos em espécime de ressecção
de câncer colorretal, independentemente da existência de metástases
linfonodais.
Métodos: Foi realizada uma análise retrospectiva de uma série de 51 pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico por
adenocarcinoma colorretal, Dukes B ou C, pelo departamento de cirurgia do Hospital Municipal São José, em Joinville/SC, feita a correlação
entre o número total de linfonodos identificados na peça cirúrgica com o estadiamento e a recorrência tumoral. Todos os
exames anátomo patológicos foram realizados no mesmo laboratório.
Resultados: Houve uma predominância dos tumores estágio Dukes B com 65% sobre os 35% de tumores Dukes C. O
seguimento médio foi de 58 meses (6_102), o número de pacientes livres de doença é de 24 pacientes Dukes B (72%) e 12 Dukes C (66%).
A contagem do número total de linfonodos identificados em espécimes de ressecção revelou uma média de 13,4 linfonodos por
peça, com um valor médio de 12,2 e 15,7 linfonodos para os tumores Dukes B e C, respectivamente, (P<0.0001). Não foi
observada diferença significativa em relação à média de linfonodos encontrados em pacientes livres de doença ou portadores de
recidiva tumoral no grupo total (12.7x15;p=0.1) ou quando considerado o estágio Dukes B (11.4 X 14.1; p=0.3) ou Dukes C (15.2 X
16.6; p=0.3). Não foi também observada diferença significativa a respeito da relação entre linfonodos positivos e o número total de
linfonodos nos pacientes com tumores Dukes C livres de doença ou com recorrência
tumoral.
Conclusão: Não foi possível identificar qualquer valor prognóstico para o número total de linfonodos identificados no que
diz respeito ao estadiamento ou recorrência tumoral.
Unitermos: Câncer colorretal, Fatores prognósticos no câncer colorretal, Linfadenectomia
INTRODUÇÃO
A importância da linfadenectomia associada
à ressecção do câncer colorretal tem sido
reconhecida desde a proposta formulada por Miles em
19081, destacando a tendência à recidiva tumoral na
região de drenagem linfática do reto. Em 1930,
Dukes2 demonstrou que a presença de metástases
ganglionares representa o fator prognóstico de maior
importância em relação à recorrência e sobrevida. Desde então,
a pesquisa de linfonodos comprometidos é
considerada como o procedimento de maior relevância na
análise anátomo-patológica de espécimes operatórios
em pacientes submetidos ao tratamento do
câncer colorretal.
Como conseqüência disto, um crescente
interesse pode ser observado na literatura no sentido
de obter-se o maior número possível de linfonodos
na peça operatória, sendo este considerado como
um importante parâmetro para a avaliação da
radicalidade da ressecção cirúrgica. Apesar desta
atenção dedicada à linfadenectomia, existem poucos estudos
buscando analisar o número total de linfonodos como
parâmetro de resposta imunológica do organismo ao
processo neoplásico ou seu valor prognóstico.
Este aspecto se torna particularmente
relevante após diversos estudos recentes demonstrarem
um significativo valor prognóstico obtido a partir da
análise do grau de infiltração linfocitária
(TILLS)3.
Assim sendo, o nosso objetivo é identificar
um possível valor prognóstico do número total de
linfonodos identificados na peça operatória,
independentemente da existência ou não de metástases
linfonodais, assim como uma eventual relação com o
estadiamento tumoral.
MÉTODO
Foi realizada uma análise retrospectiva de
uma série de 51 pacientes submetidos ao tratamento
cirúrgico do câncer colorretal no departamento de cirurgia
do Hospital Municipal São José, em Joinville/SC.
Todos os procedimentos foram realizados pelo mesmo cirurgião
ou sob sua supervisão direta (MP).
A localização anatômica do tumor
encontra-se relacionada na Tabela-1 e os procedimentos na
Tabela-2.
Tabela 1 - Localização dos tumores coloretais
Reto | 21 |
Sigmóide | 14 |
Colon Esquerdo | 03 |
Colon Transverso | 05 |
Colon Direito | 08 |
Total | 51 |
Tabela 2 - Procedimentos realizados.
Retosigmoidectomia | 18 |
Sigmoidectomia | 11 |
Colectomia Direita | 09 |
Ressecção Abdominoperineal | 06 |
Transversocolectomia | 03 |
Colectomia Esquerda | 02 |
Proctocolectomia Total | 01 |
Colectomia Total | 01 |
Todos os pacientes foram submetidos a um rigoroso seguimento pós-operatório, com
duração média de 58 meses(6-102). Foram excluídos
deste estudo os tumores Dukes A e portadores de
metástases à distância.
Procedeu-se a uma revisão do número
de linfonodos encontrados em cada espécime
operatório. Todos os exames anátomo-patológicos
foram realizados em um mesmo laboratório através
de procedimento padronizado.
O número total de linfonodos encontrados
foi relacionado ao estadiamento tumoral pela classificação de Dukes e à ocorrência de recidiva
tumoral.
A relação linfonodos positivos /
linfonodos negativos foi também analisada com referência a
recidiva tumoral.
A análise estatística dos estudos
comparativos foi realizada através do teste de "t" de Student.
RESULTADOS
Observou-se nesta área uma predominância
de tumores estágio Dukes B com 33 casos
(65%), enquanto 18 tumores (35%) foram classificados como Dukes C.
Um total de 36 pacientes encontra-se sem sinais de recidiva tumoral (71%), sendo 24
pacientes Dukes B (72%) e 12 pacientes Dukes C (66%) .
O número médio de linfonodos identificados no
espécime de ressecção foi de 13.4.
Observou-se um número maior de
linfonodos totais em ressecções de tumores Dukes C, com
uma média de 15.7, enquanto que em tumores Dukes B
a média foi de 12.2 linfonodos (p<0.0001).
Não foi observada diferença significativa
em relação à média de linfonodos encontrados
em pacientes livres de doença ou portadores de
recidiva tumoral no grupo total (12.7x15.1;p=0.1)
quando considerado o estágio Dukes B (11.4 X 14.1;
p=0.3) ou Dukes C (15.2 X 16.6; p=0.3) .
Não foi observada diferença significativa
ao considerarmos a relação linfonodos positivos
/ linfonodos totais nos pacientes com tumores Dukes
C livres de doença ou com recidiva tumoral.
DISCUSSÃO
A importância da análise histopatológica
de linfadenectomia como principal elemento
prognóstico no tratamento cirúrgico do câncer colorretal tem
dado origem a um grande número de estudos realizados
com o objetivo de aumentar sua acurácia. Grande
atenção tem sido dedicada à definição de um número
mínimo de linfonodos a serem identificados no
espécime cirúrgico a fim de que o estadiamento possa
ser considerado como confiável. Lanza e
cols4, em um estudo realizado em 166 espécimes, concluíram
que o exame de um menor número de linfonodos
poderá produzir um subestadiamento, com uma
falsa elevação de tumores N0. Visando contornar
este problema, Cianchi e cols5 realizaram um estudo
a partir do qual sugerem que pacientes Dukes B com número total de linfonodos igual ou inferior a
oito apresentaram níveis de sobrevida semelhantes
aos pacientes Dukes C e piores do que pacientes
Dukes B cujo espécime revelou a presença de nove ou
mais linfonodos, sendo este então considerado
um número mínimo necessário para um
estadiamento confiável. Em um estudo semelhante, Swanson
e cols6 confirmaram o valor prognóstico do
número de linfonodos observados em espécimes T3 N0
e concluem que um mínimo de 13 linfonodos
devem ser examinados para que um tumor T3 seja considerado negativo para metástases,
enquanto Michels7 sugere que este número possa ser
reduzido para seis linfonodos. Por outro lado Cserni e
cols8 analisaram a relação entre o número de
linfonodos examinados e a sobrevida de 8 e 10 anos em
uma grande série de tumores T3N0M0 e sugeriram
que não existe um limite especifico de
linfonodos necessários, concluindo no entanto
pela necessidade de uma linfadenectomia tão
ampla quanto possível.
Outro aspecto bastante considerado tem sido o desenvolvimento de técnicas capazes de aumentar
a acurácia do estadiamento através de análises
de linfonodos. Neste sentido, destacam-se trabalhos
que utilizam técnica de imunohistoquimica,
visando detectar possíveis micrometastáses através da
utilização de diversos marcadores como citoqueratinas e
antígeno
carcinoembrionário9-11.
Outros autores buscam aprimorar o valor prognóstico da linfadenectomia através da análise
de aspectos qualitativos como o tamanho dos
linfonodos 4.12.13.14 ou seu posicionamento em relação ao
tumor15.16.
Embora a presença de infiltração
linfocitária em tumores colorretais seja reconhecida como um
fator prognóstico favorável, há várias
décadas17-21, coube a
Jass3 mais recentemente estabelecer um sistema
de graduação do padrão de infiltração conhecido pela
sigla TILS(Tumor Infiltrating Lymphocytes) através
de escores. Desde então, diversos estudos
têm demonstrado o valor prognóstico positivo
deste parâmetro em relação a recorrência tumoral
e sobrevida.
Considerando-se que a presença de linfonodos aumentados nas cadeias
linfáticas correspondentes aos tumores representam
uma reação imunológica análoga àquela observada
no próprio tecido tumoral, parece-nos lógica
a necessidade de detectarmos se o número total
de linfonodos também apresenta algum valor prognóstico. A revisão da literatura a este
respeito revelou no entanto que, embora existam
relatos referindo um maior número de
linfonodos examinados como fator prognóstico
significadamente positivo6.7.8, este beneficio é
atribuído pelos autores como conseqüência de uma
ressecção cirúrgica mais efetiva, não tendo sido considerada
a hipótese de uma melhor resposta imunológica
contra a neoplasia.
Neste estudo, observamos um aumento significativo de linfonodos contidos no espécime
Dukes C em relação aos Dukes B. Embora a explicação
para este achado pudesse ser uma maior reação a um
estágio de doença mais avançada, tal hipótese não
encontra respaldo na ausência de diferença significativa
no número total de linfonodos observados em ambos
os estágios quando comparamos pacientes livres
de doença com aqueles com recorrência comprovada
como seria esperado.
CONCLUSÃO
Embora estes achados não possam suportar
a hipótese de que a presença de um maior número
total de linfonodos esteja relacionado a um melhor prognóstico, por outro lado não confirma o
conceito de que a linfadenectomia mais extensa
esteja associada a um tratamento mais efetivo do
câncer colorretal.
Não foi possível identificar nesta
amostra qualquer valor prognóstico para o número total
de linfonodos identificados no que diz respeito ao estadiamento ou recorrência
tumoral.
Novos estudos deverão ser realizados com séries maiores a fim de determinar o papel do
número total de linfonodos no prognóstico dos
pacientes operados por câncer colorretal.
SUMMARY: Objective: To identify a possible prognostic value of the total number of lymphonodes found in a colorectal
cancer operative specimen regardless the positive lymphonodes metastasis.
Methods: Correlation between the total number of lymphonodes recovered in specimens from 51 patients operated on for
colorectal cancer staging Dukes B or C, its tumoral staging and disease
recurrence.
Results: Dukes B staging was found in 33 patients (65%) and Dukes C in 18 patients (35%). In a mean follow up of 58 months, 24
Dukes B (72%) and 12 Dukes C patients (66%) showed no recurrence. Mean number of total lymphonodes recovered from
the specimens was 13,4 for the overall series, 12,2 in Dukes B and 15,7 in Dukes C patients (p> .0001). No significant difference
was found when the mean total number of lymphonodes was compared between patients with or without tumour recurrence in
the overall group (p=0.1), Dukes B (p=0.3) or Dukes C (p=0.3) patients. No significant difference was also found in the relation
positive / total number of lymphonodes in Dukes C with or without tumour
recurrence.
Conclusion: No significant prognostic value was found for the total number of lymphonodes regarding colorectal cancer staging
or recurrence.
Key words: colorectal cancer, prognostic value on colorectal cancer, lymphadenectomy
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Endereço para correspondência:
Mauro de Souza Leite Pinho
Rua Palmares, 380
89.203-230 - Joinville (SC)
Trabalho Realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Municipal São José - Universidade da Região de Joinville-Univille Joinville/SC