ATUALIZAÇÃO
fRANCISCO lopes-paulo- TSBCP
RESUMO: Este estudo faz uma atualização do emprego da toxina botulínica A no tratamento da fissura anal crônica. Foram revistos a sua forma de ação, as dosagens, sua forma de aplicação, resultados e complicações. Quando comparada à esfincterotomia interna lateral, a toxina botulínica apresentou resultados iniciais mais lentos, que se igualavam aos da esfincterotomia aos seis meses após o tratamento. O acompanhamento até um ano pós-tratamento mostrou resultados mais consistentes da esfincterotomia, com um menor índice de recidivas.
Unitermos: fissura anal, toxina botulínica, esfincterotomia, resultados
A toxina botulínica é uma proteína
produzida pelo Clostridium botulinum, uma bactéria
anaeróbica capaz de produzir uma gama de toxinas, com
diferentes antigenicidades, denominadas de A a G. Uma delas,
a toxina botulínica A (TBA), tem sido empregada para
o tratamento de uma série de distúrbios do trato
gastrointestinal, que envolvem alterações da motilidade
ou do tônus da musculatura lisa1. A TBA é uma
neurotoxina, com potente ação na sinapse neuromuscular, onde
atua inibindo a liberação de acetilcolina pelo axônio
do neurônio motor e diminuindo a reatividade da
fibra muscular lisa a esse neurotransmissor,
bloqueando portanto a contração
muscular2.
No final da década de 90 a TBA começou
a ser estudada clinicamente para o tratamento da
fissura anal crônica3. Um estudo prospectivo não aleatório
foi realizado para avaliar clínica e manometricamente
os resultados de três diferentes doses e dois métodos
de injeção da TBA para o tratamento dessa
patologia4. O primeiro grupo, com 23 pacientes, recebeu 5U de
TBA a cada lado do esfíncter anal, totalizando 10U.
O segundo grupo com 27 pacientes recebeu um tratamento semelhante ao grupo anterior, porém
com uma dose adicional de 5U injetada sob a
fissura, totalizando 15U. O terceiro grupo, composto de
19 pacientes recebeu três injeções, como no
segundo grupo, porém com 7U em cada ponto de
injeção, totalizando 21U. O alívio da dor foi mais evidente
no segundo e terceiro grupos após um mês do
tratamento (48 X 74 X 100%, respectivamente). Houve
uma redução significativa na pressão média de repouso
nos grupos 2 e 3 (p<0,05) e na pressão máxima de
contração nos três grupos (p<0,01). A necessidade de
reinjeção por falta de resposta ou recidiva precoce foi de 52,
30 e 37% nos grupos de 1 a 3 respectivamente. A necessidade de cirurgia foi semelhante nos grupos 1
e 2 (17 e 19%, respectivamente) e nitidamente
menor no grupo 3 (5%). Esse estudo conclui que o sucesso
do tratamento está relacionado à dose e ao número
de pontos de injeção.
Um estudo prospectivo aleatório foi
realizado comparando um grupo de 61 pacientes portadores
de fissura anal crônica, submetidos a injeção de 20 a
30 U (0,3 U/Kg) de toxina botulínica A
(Botox®), no esfíncter interno do ânus, com um grupo de 50
pacientes submetidos a esfincterotomia interna lateral (EIL)
para tratamento da mesma patologia5. A injeção de TBA
foi repetida após dois meses, caso não
houvesse cicatrização nesse período. No final do segundo
mês de acompanhamento, 78,3 % (45/61) dos
pacientes submetidos a uma única injeção de TBA
apresentavam cicatrização completa da fissura. Destes, 6
recusaram tratamento adicional e 10 foram submetidos a
nova injeção de TBA, o que resultou em um índice
de cicatrização de 86,9 % (53/61) após 6 meses. No
grupo submetido a EIL, o índice de cicatrização foi de
98% (49/50) no final do segundo mês (p < 0,0001).
Como aos 6 meses, dois pacientes do grupo EIL
apresentaram recidiva, o índice de cicatrização dos dois grupos
não diferia estatisticamente nesse período (86,9 X
96,4% p=0,212).
Após 12 meses o grupo TBA apresentou
7 recidivas, com índice final de sucesso de 74,4%.
Esse índice permaneceu estável no grupo EIL
(94%, p=0,008). O grupo EIL apresentou
significativamente mais complicações que o grupo TBA, tendo havido
8 casos de incontinência no primeiro (p=0,001). O
tempo de retorno dos pacientes às atividades normais no
grupo TBA foi significativamente menor que no grupo
EIL (p< 0,0001).
A eficácia obtida no tratamento da fissura
anal crônica idiopática, motivou outros pesquisadores
a testar a eficácia da TBA em outras situações, como
em fissuras anais secundárias a cirurgia de
hemorróidas6. Nesse estudo, pacientes com fissura anal secundária
a hemorroidectomia, foram submetidos a aplicação
de 25U de TBA, apresentando remissão dos sintomas
um mês após o tratamento, porém com permanêcia da
fissura. Nova injeção de 25 U foi feita, com
cicatrização após mais 30 dias.
Alguns efeitos colaterais ou complicações
da injeção de TBA têm sido relatados. Um estudo de
105 pacientes portadores de fissura anal crônica
ou portadores de anismo, submetidos a tratamento
com TBA, com doses superiores a 25U, avaliou a
ocorrência e gravidade de possíveis efeitos
colaterais7. Os pacientes tratados por fissura anal queixaram-se de um
número considerável de complicações, porém sem
maior gravidade (Tabela-1). Os pacientes tratados por
anismo apresentaram um caso de intertrigo e 4 casos de
dor anal intensa, que durou de 2 a 4 dias.
Tabela 1 - Complicações em pacientes submetidos
a tratamento de fissura anal crônica com
toxina botulínica. N = número de casos.
Complicação | N |
Incontinência para gases | 9 |
Incontinência fecal leve | 5 |
Hematoma | 5 |
Síndrome de resfriado | 3 |
Trombos hemorroidários externos | 2 |
Epididimite | 1 |
Prolapso hemorroidário | 1 |
Comentários
O emprego da toxina botulínica A
tem apresentado bons resultados no tratamento da
fissura anal crônica. Aparentes discrepâncias de
resultados encontrados nos primeiros trabalhos,
devem-se provavelmente à dose total empregada e ao
número de pontos de injeção. Atualmente os estudos
que apresentam melhores resultados empregam doses
em torno de 25U ou 0,3U/kg de peso. Um grande
número de pacientes apresenta remissão completa dos
sintomas e cicatrização completa da fissura, dois meses após
o tratamento. Os insucessos ou sucessos parciais
nesse período podem ser tratados com nova injeção,
na mesma dosagem, aumentando ainda mais os
índices de cura. As complicações não são infreqüentes,
porem são geralmente leves e transitórias.
Quando comparada à esfincterotomia
interna lateral, que é o tratamento padrão da fissura
anal crônica, TBA apresenta resultados mais lentos que
a EIL, tendendo a se igualar aos seis meses após
o tratamento. A avaliação após um ano de
tratamento, mostra melhores resultados da EIL, que
apresenta significativamente menos recidiva que a TBA.
Uma vantagem apresentada pela TBA é o tempo
de afastamento das atividades de trabalho, significativamente menor, quando comparado a EIL.
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