ATUALIZAÇÃO


TRATAMENTO DA FISSURA ANAL COM TOXINA BOTULÍNICA

fRANCISCO lopes-paulo- TSBCP


Lopes-Paulo F. Atualização. Tratamento da fissura anal com toxina botulínica. Rev bras Coloproct, 2004; 24(2):174-175

RESUMO: Este estudo faz uma atualização do emprego da toxina botulínica A no tratamento da fissura anal crônica. Foram revistos a sua forma de ação, as dosagens, sua forma de aplicação, resultados e complicações. Quando comparada à esfincterotomia interna lateral, a toxina botulínica apresentou resultados iniciais mais lentos, que se igualavam aos da esfincterotomia aos seis meses após o tratamento. O acompanhamento até um ano pós-tratamento mostrou resultados mais consistentes da esfincterotomia, com um menor índice de recidivas.

Unitermos: fissura anal, toxina botulínica, esfincterotomia, resultados

A toxina botulínica é uma proteína produzida pelo Clostridium botulinum, uma bactéria anaeróbica capaz de produzir uma gama de toxinas, com diferentes antigenicidades, denominadas de A a G. Uma delas, a toxina botulínica A (TBA), tem sido empregada para o tratamento de uma série de distúrbios do trato gastrointestinal, que envolvem alterações da motilidade ou do tônus da musculatura lisa1. A TBA é uma neurotoxina, com potente ação na sinapse neuromuscular, onde atua inibindo a liberação de acetilcolina pelo axônio do neurônio motor e diminuindo a reatividade da fibra muscular lisa a esse neurotransmissor, bloqueando portanto a contração muscular2.
    No final da década de 90 a TBA começou a ser estudada clinicamente para o tratamento da fissura anal crônica3. Um estudo prospectivo não aleatório foi realizado para avaliar clínica e manometricamente os resultados de três diferentes doses e dois métodos de injeção da TBA para o tratamento dessa patologia4. O primeiro grupo, com 23 pacientes, recebeu 5U de TBA a cada lado do esfíncter anal, totalizando 10U. O segundo grupo com 27 pacientes recebeu um tratamento semelhante ao grupo anterior, porém com uma dose adicional de 5U injetada sob a fissura, totalizando 15U. O terceiro grupo, composto de 19 pacientes recebeu três injeções, como no segundo grupo, porém com 7U em cada ponto de injeção, totalizando 21U. O alívio da dor foi mais evidente no segundo e terceiro grupos após um mês do tratamento (48 X 74 X 100%, respectivamente). Houve uma redução significativa na pressão média de repouso nos grupos 2 e 3 (p<0,05) e na pressão máxima de contração nos três grupos (p<0,01). A necessidade de reinjeção por falta de resposta ou recidiva precoce foi de 52, 30 e 37% nos grupos de 1 a 3 respectivamente. A necessidade de cirurgia foi semelhante nos grupos 1 e 2 (17 e 19%, respectivamente) e nitidamente menor no grupo 3 (5%). Esse estudo conclui que o sucesso do tratamento está relacionado à dose e ao número de pontos de injeção.
    Um estudo prospectivo aleatório foi realizado comparando um grupo de 61 pacientes portadores de fissura anal crônica, submetidos a injeção de 20 a 30 U (0,3 U/Kg) de toxina botulínica A (Botox®), no esfíncter interno do ânus, com um grupo de 50 pacientes submetidos a esfincterotomia interna lateral (EIL) para tratamento da mesma patologia5. A injeção de TBA foi repetida após dois meses, caso não houvesse cicatrização nesse período. No final do segundo mês de acompanhamento, 78,3 % (45/61) dos pacientes submetidos a uma única injeção de TBA apresentavam cicatrização completa da fissura. Destes, 6 recusaram tratamento adicional e 10 foram submetidos a nova injeção de TBA, o que resultou em um índice de cicatrização de 86,9 % (53/61) após 6 meses. No grupo submetido a EIL, o índice de cicatrização foi de 98% (49/50) no final do segundo mês (p < 0,0001). Como aos 6 meses, dois pacientes do grupo EIL apresentaram recidiva, o índice de cicatrização dos dois grupos não diferia estatisticamente nesse período (86,9 X 96,4% p=0,212).
    Após 12 meses o grupo TBA apresentou 7 recidivas, com índice final de sucesso de 74,4%. Esse índice permaneceu estável no grupo EIL (94%, p=0,008). O grupo EIL apresentou significativamente mais complicações que o grupo TBA, tendo havido 8 casos de incontinência no primeiro (p=0,001). O tempo de retorno dos pacientes às atividades normais no grupo TBA foi significativamente menor que no grupo EIL (p< 0,0001).
    A eficácia obtida no tratamento da fissura anal crônica idiopática, motivou outros pesquisadores a testar a eficácia da TBA em outras situações, como em fissuras anais secundárias a cirurgia de hemorróidas6. Nesse estudo, pacientes com fissura anal secundária a hemorroidectomia, foram submetidos a aplicação de 25U de TBA, apresentando remissão dos sintomas um mês após o tratamento, porém com permanêcia da fissura. Nova injeção de 25 U foi feita, com cicatrização após mais 30 dias.
    Alguns efeitos colaterais ou complicações da injeção de TBA têm sido relatados. Um estudo de 105 pacientes portadores de fissura anal crônica ou portadores de anismo, submetidos a tratamento com TBA, com doses superiores a 25U, avaliou a ocorrência e gravidade de possíveis efeitos colaterais7. Os pacientes tratados por fissura anal queixaram-se de um número considerável de complicações, porém sem maior gravidade (Tabela-1). Os pacientes tratados por anismo apresentaram um caso de intertrigo e 4 casos de dor anal intensa, que durou de 2 a 4 dias.


Tabela 1 - Complicações em pacientes submetidos a tratamento de fissura anal crônica com toxina botulínica. N = número de casos.
Complicação N
Incontinência para gases 9
Incontinência fecal leve 5
Hematoma 5
Síndrome de resfriado 3
Trombos hemorroidários externos 2
Epididimite 1
Prolapso hemorroidário 1


Comentários

O emprego da toxina botulínica A tem apresentado bons resultados no tratamento da fissura anal crônica. Aparentes discrepâncias de resultados encontrados nos primeiros trabalhos, devem-se provavelmente à dose total empregada e ao número de pontos de injeção. Atualmente os estudos que apresentam melhores resultados empregam doses em torno de 25U ou 0,3U/kg de peso. Um grande número de pacientes apresenta remissão completa dos sintomas e cicatrização completa da fissura, dois meses após o tratamento. Os insucessos ou sucessos parciais nesse período podem ser tratados com nova injeção, na mesma dosagem, aumentando ainda mais os índices de cura. As complicações não são infreqüentes, porem são geralmente leves e transitórias.
    Quando comparada à esfincterotomia interna lateral, que é o tratamento padrão da fissura anal crônica, TBA apresenta resultados mais lentos que a EIL, tendendo a se igualar aos seis meses após o tratamento. A avaliação após um ano de tratamento, mostra melhores resultados da EIL, que apresenta significativamente menos recidiva que a TBA. Uma vantagem apresentada pela TBA é o tempo de afastamento das atividades de trabalho, significativamente menor, quando comparado a EIL.

Referências bibliográficas
1. Durand A, Serment G. Botulism toxin in practice. Ann Readapt Med Phys; 2003,46(6): 386-8.
2. da Silveira EB; Rogers AI. Treatment of achalasia with botulinum A toxin. Am J Ther; 2002, 9(2): 157-61.
3. Jost WH. One hundred cases of anal fissure treated with botulin toxin: early and long-term results. Dis Colon Rectum;1997, 40(9):1029-32.
4. Mínguez M, Melo F, Espí A, García-Granero E, Mora F, Lledó S, Benages A. Therapeutic effects of different doses of botulinum toxin in chronic anal fissure. Dis Colon Rectum; 1999, 42(8):1016-21.
5. Mentes BB, Irkörücü O, Akin M, Leventoglu S, Tatlicioglu E. Comparison of botulinum toxin injection and lateral internal sphincterotomy for the treatment of chronic anal fissure. Dis Colon Rectum; 2003, 46(2):232-7.
6. Madalinski MH. Botulinum toxin for the treatment of secondary chronic anal fissure. Tech Coloproctol; 2003, 7(2):85-8.
7. Madalinski MH, Slawek J, Duzynski W, Zbytek B, Jagiello K, Adrich Z, Kryszewski A. Side effects of botulinum toxin injection for benign anal disorders. Eur J Gastroenterol Hepatol; 2002, 14(8):853-6.