ARTIGOS ORIGINAIS
CÉSAR GUERREIRO DE CARVALHO - TSBCP
CARLOS EDUARDO PEREIRA DO VALE - FSBCP
PAULO CÉSAR DE CASTRO JÚNIOR - ASBCP
Carvalho CG, Vale CEP, Castro Júnior PC.
Tratamento Cirurgico da Hérnia Paraestomal por
Videolaparoscopia. Rev bras Coloproct, 2004;24(4):311-316.
RESUMO: Uma complicação bastante comum e quase que inevitável, a hérnia paraestomal constitui-se num obstáculo pós-operatório que aumenta em muito os transtornos já impostos pela ostomia. Seu tratamento sempre foi relegado a um plano de importância menor e acompanhado de grandes frustrações pelo fracasso e transtorno imposto ao paciente. Apresentamos uma alternativa diferenciada e simples na abordagem do problema visando o menor inconveniente possível para a solução do problema. Utilizamos para o tratamento a colocação através da videolaparoscopia de uma tela de ePTFE intraperitoneal em nó de gravata.
Unitermos: hérnia paraestomal, videolaparoscopia
Introdução
O surgimento de uma hérnia em torno da colostomia é tão comum que esta complicação
pode ser considerada como "virtualmente
inevitável".1 Ao exame físico essa patologia pode apresentar-se
como um discreto abaulamento durante uma manobra
de Valsalva ou então apresentar-se como uma
volumosa protrusão com a colostomia no topo
desse intumescimento.
Muitos trabalhos mostram índices que
variam de 5% a 100% dessa patologia nos pacientes
portadores de estoma2,3,4,5, porém muitos desses casos são
bem tolerados e podem ser tratados com medidas conservadoras, como a utilização de cintas
de contenção abdominal ou de cintos para colostomia
que apóiem firmemente o local, obtendo-se, assim,
algum nível de satisfação. Entretanto, aproximadamente
30% dessas hérnias necessitaram de algum tipo de
correção
cirúrgica6,7,8,9,26,27 para tratamento dos
sintomas. Sangramento, dor, obstrução, volumosas
massas abdominais, aparência estética, dificuldade para
fixação das bolsas coletoras, vazamentos e irritação da
pele, são algumas das alterações que indicam cirurgia
para tratamento dessa enfermidade.
A fisiopatologia da hérnia paraestomal
parece estar fundamentada
no defeito criado na parede abdominal pela passagem da alça da
colostomia, portanto, uma correta preparação da
ostomia objetivando evitar a herniação seria a de
se confeccionar uma ferida separada para a colostomia
e de um túnel com diâmetro suficiente para uma
boa acomodação da alça exteriorizada. Esses cuidados justificam a menor incidência de hérnias
quando confeccionada a colostomia através do músculo
reto abdominal,10,11 porém não justifica a menor
incidência de hérnias peri-ileostômicas confeccionadas de
maneira idêntica às colostomias. Contudo, encontramos
uma nítida prevalência das hérnias em estomas
localizados lateralmente ao músculo reto abdominal, como
nas colostomias ilíacas.10,11 Um fator
importante envolvendo a gênese da herniação seria a inervação
e atividade muscular da parede
abdominal.12 Estomas colocados em uma parede abdominal
desnervada apresentam grandes chances de evoluírem
para formação de hérnias paraestomais, pois a
musculatura não será capaz de se contrair ao redor do estoma
durante as situações que levem a um aumento da pressão
intra-abdominal. Portanto, especial atenção deverá ser
dada no posicionamento do estoma em regiões da
parede abdominal que possam ter um comprometimento
da sua inervação, como acontece, por exemplo,
nas incisões abdominais prévias: incisão transversa,
de Kocher ou de antigas colostomias; em paraplegias
ou na esclerose múltipla. A eletromiografia poderá
auxiliar no posicionamento do estoma nesses
pacientes especiais.
Outros fatores envolvidos com o surgimento da herniação seriam as co-morbidades do
paciente, como na obesidade, sedentarismo,
desnutrição, diabetes, DPOC, ascite, uso de esteróides,
idade avançada, etc.10,11
O risco da formação de hérnia
paraestomal aumenta com o tempo, sendo que 48% das
hérnias aparecem no período de um ano após a sua
confecção enquanto que de 36 a 100% surgirão no período
de dois anos.10,11
A colostomia permanente desenvolve
hérnia (58%) mais comumente que a ileostomia
permanente (28%) ou urostomia (5 a 8%). As colostomias em
alça são menos acometidas por hérnia do que as
colostomias terminais.10,11
Podemos classificar as hérnias
paraestomais em: hérnia paraestomal verdadeira; hérnia
intra-estomal (pode ser associada com prolapso); pseudo-hérnia
com prolapso subcutâneo com orifício da fáscia
intacto; pseudo-hérnia por fraqueza da parede abdominal
sem defeito na fáscia.10,11
As alternativas cirúrgicas para o tratamento
das hérnias paraestomais se baseiam em uma mudança
no local do estoma - correndo-se o risco de que
ocorra uma nova hérnia no novo local; ou na correção da
hérnia deixando o intestino no mesmo lugar -essa opção
muitas das vezes é a preferida pelo paciente pois já se
encontra familiarizado com o manuseio do estoma
nessa localização.13
Não existe, ainda, um consenso sobre qual
seria a melhor tática cirúrgica para a correção do
problema. Thorlakson 14 recomenda o reparo da hérnia com
sutura de fio não absorvível, deixando-se no mesmo local
o intestino derivado. Goligher1 recomenda a
realocação do estoma e fechamento do defeito aponeurótico.
Nas grandes hérnias o reparo pode ser feito
utilizando-se uma tela aplicada anteriormente ao defeito
herniário passando-se a alça derivada através da
tela.15,16 Alguns autores descreveram técnicas de reparo com
tela sintética, porém para se evitar a contaminação
durante a sua colocação utiliza-se, para isso, de um
campo operatório diferente ao da
colostomia.17,18
Com o avanço das técnicas de correção
de hérnias ventrais e incisionais por
videolaparoscopia surgiram trabalhos demonstrando a eficácia do
método para correção das hérnias
paraestomais.13,19,20,21
Apresentamos a seguir uma alternativa cirúrgica para a correção de hérnia
paraestomal utilizando-se de um reparo intraperitoneal com tela
de politetrafluoretileno expandido (ePTFE) _
(GORE-TEX® Biomaterial; W. L. Gore & Associates,
Flagstaff, AZ), instalada por videolaparoscópica e
posicionada como nó de gravata.
Pacientes e métodos
Realizamos a correção cirúrgica de
volumosa hérnia paracolostômica de um paciente de 54 anos,
do sexo masculino, portador de sigmoidostomia
terminal definitiva devido a neoplasia de reto inferior,
tratado por cirurgia de amputação abdominoperineal há 7
anos (Figura-1).
Figura 1 - Hérnia paracolostômica vista por trans-ilimunação |
Paciente foi submetido à cirurgia
por videolaparoscopia e após anestesia geral
foi confeccionado pneumoperitônio por técnica aberta
com colocação dos trocarteres conforme
esquema (desenho1). Realizada revisão da cavidade,
redução do conteúdo do saco herniário e lise de
aderências, permitindo uma correta mensuração do
defeito aponeurótico da hérnia, bem como o
posicionamento da alça colônica exteriorizada pelo orifício
herniário. Em seguida foi efetuada a preparação da tela conforme
a técnica proposta (desenho 2 e 3) e mostrada na
Figura-2. Após a introdução da tela na cavidade abdominal
a mesma foi posicionada utilizando-se, para isso,
de pontos da ancoragem de Prolene® 0 -
Ethicon® fixados à parede abdominal. As duas extremidades afiladas
da tela foram então posicionada uma após a outra de
forma cruzada (nó de gravata) a fim de se estreitar o
máximo possível o orifício de passagem da alça derivada
, porém sem estrangulá-la. A folga existente entre o
novo orifício de passagem da alça do sigmóide e a tela
foi então ocluída, utilizando-se de pontos simples
unindo a borda da tela à serosa da alça exteriorizada. O
restante da fixação da tela foi feita com utilização
de grampeador tipo endogrampeador
Protac® ( Auto
Suture®) (Figura-3).
Paciente alimentou-se no mesmo dia, recebendo alta no dia seguinte.
Desenho 1 - Posicionamento dos trocarteres |
Desenho 2 - Posicionamento da tela
Desenho 3 - Ajuste da tela (nó de gravata) |
Figura 2 - Tela cortada |
Figura 3 - Tela fechando orifício herniário |
Discussão
A ocorrência de hérnia paraestomal
constitui uma anormalidade bastante freqüente e muitas
vezes acompanha-se de complicações que
indicam tratamento cirúrgico, como dor, obstrução,
ulcerações da pele, alterações estéticas e problemas com a
fixação das bolsas
coletoras.1,2,3 O reparo primário
dessas hérnias apresenta índices de recorrência de mais
que 50% dos casos4, o que fortalece a opinião
daqueles que são favoráveis ao reposicionamento da
colostomia. Essa alternativa, porém, torna-se desagradável
para alguns pacientes que já se habituaram com o
manuseio de seu estoma e para alguns pacientes portadores
de múltiplas intervenções cirúrgicas, esta é uma
opção bastante complicada, além de não ser possível
garantir que não ocorrerá a
recidiva1.
Abdu15 e Rosin &
Bonardi16 descreveram o uso de uma tela de polietileno envolvendo o cólon no
reparo da hérnia. Apesar de descreverem que seus
pacientes operados não apresentaram recorrência ou
infecção local, o manuseio de uma tela de material
sintético numa área de pele contaminada pelos efluentes
do estoma nos parece temerário quando resulta em
uma infecção que na maioria das vezes evolui com
difícil controle clínico.
Sugarbaker17 desenvolveu outra técnica
para o reparo dessas hérnias em 1985, utilizando-se de
uma incisão laparotômica para a correção do
defeito aponeurótico, evitando-se assim, a
contaminação existente nas proximidades da ostomia. A alça
derivada não precisa ser mudada de lugar e a tela é
posicionada de maneira a cobrir o orifício herniário,
desviando-se o cólon lateralmente por sob a tela. Em sua série
inicial de sete pacientes, seis deles portadores de
hérnia recorrente e um com hérnia primária,
nenhum apresentou infecção e nenhuma recorrência
foi observada nos quatro anos de acompanhamento.
Porém essa técnica exige grandes incisões o que pode
ser complicado para aqueles pacientes portadores
de múltiplas cirurgias ou que possuem
morbidades associadas, além do maior trauma cirúrgico que
uma operação desse porte impõe.
O desenvolvimento de técnicas
cirúrgicas videolaparoscópicas para o tratamento de
hérnias ventrais e incisionais possibilitou o
desenvolvimento de procedimentos laparoscópicos para a correção
das hérnias paraestomais, utilizando-se dos
mesmos princípios recém descobertos.
Porcheron et al19 descreveram o uso
da laparoscopia com a utilização de tela de ePTFE
colocada pré-peritonealmente e fixada com grampos. O
orifício da hérnia é fechado com uma dupla sutura e a tela
é posta como um reforço a esse fechamento. Nenhum
corte é feito na tela pois essa é posicionada próxima à
alça colônica. O retalho pré-peritoneal na dissecção
é utilizado para cobrir também o cólon. O paciente
recebeu alta no quarto dia de pós-operatório e encontra-se
livre de recorrência após um ano de cirurgia.
Voitk21 descreveu uma tática laparoscópica
que se assemelha ao método de
Sugarbaker17. Utiliza-se uma tela de polipropileno que recobre o
defeito herniário, colocada de forma intraperitoneal,
nenhum furo é feito na tela, recobre-se o cólon e é fixada a
ele por uma sutura inabsorvível, enquanto que o
restante da tela é fixado à parede abdominal com utilização
de grampos. Não foram relatadas complicações nos
doze meses de seguimento e o tempo de permanência
pós-operatória variou de dois a nove dias.
Bickel et al20 descrevem um caso de
hérnia paracolostômica tratada pelo método
laparoscópico utilizando-se uma tela de polipropileno preparada
para corrigir o defeito da parede cortando-se um círculo
no centro da tela e uma fenda comunicando esse
orifício com uma das bordas. A tela foi posicionada de
forma intraperitoneal e fixada com grampos, sendo que a
faixa lateral da borda da tela que se comunicava com
orifício central foi fixada à parede próxima ao cólon
com grampos e a faixa medial foi fixada à serosa
colônica. Essa tática não leva em conta os riscos de aderência
e perfuração de alças intestinais tão intimamente
ligadas à tela de polipropileno.
A abordagem laparoscópica nos permite a oportunidade do estadiamento da evolução de
pacientes portadores de neoplasia, como no caso apresentado,
e de uma revisão geral do abdome
previamente laparotomizado, permitindo que se realizem lises
de aderências, prevenindo futuras complicações e
em alguns casos tratando causa de grande desconforto.
A aplicação da tela de
localização intraperitoneal diminui a necessidade de dissecções
e suas conseqüências, como hematomas, seromas
e infecção. O emprego do material correto como o
ePTFE tem possibilitado sua utilização sem os riscos
de aderências indesejadas e de fístulas por "absorção"
da tela pela alça intestinal.
Uma dificuldade encontrada diz respeito ao formato da tela, pois além do defeito herniário
temos uma alça intestinal que deverá dividir o espaço com
a tela sem prejudicar sua função de fechamento do
orifício aponeurótico e sem levar ao estrangulamento
ou obstrução ao funcionamento da alça exteriorizada.
Para isso confeccionamos um orifício centralizado,
porém com uma fenda de base mais larga que permite
uma perfeita adaptação aos diferentes diâmetros possíveis
de serem encontrados mediante a aposição cruzada
das extremidades da faixa lateral seccionada (fenda
que comunica borda da tela com orifício central).
Fixamos primeiro o corpo da tela que irá recobrir o
defeito herniário e em seguida procedemos a "calibragem"
do orifício central que acomodará a alça intestinal
derivada com a colocação cruzada das
faixas lateral e medial da fenda na tela e, finalmente, a folga
propositadamente deixada para permitir a dilatação da alça para
a passagem das fezes é suturada à borda da tela.
Conclusão
A presença de hérnias paraestomais muitas
das vezes impõe ao paciente uma penosa situação pois
sua situação de ostomizado é acrescida da de portador
de uma hérnia muitas das vezes de difícil convívio.
As alternativas cirúrgicas
classicamente consagradas apresentam algumas vezes fatores que
as contra-indicam.
Apresentamos mais uma alternativa para o tratamento desse problema
- a hernioplastia paraestomal por VLP com tela em nó de
gravata. O método proposto é factível e deve seguir os
preceitos videolaparoscópicos que são cirurgião e
equipe dependentes e exige conhecimento do anestesista.
Esta técnica visa curar o defeito herniário
sem prejudicar sua função de fechamento do
orifício aponeurótico e sem levar ao estrangulamento
ou obstrução da colostomia, técnica esta que permite
uma perfeita correção dos diferentes diâmetros possíveis
de serem encontrados com aposição cruzada
das extremidades da tela (nó de
gravata).
Devido ao menor trauma cirúrgico do
método proposto é uma rápida recuperação com alta após 24
h de cirurgia sem risco de obstrução.
SUMMARY: A complication very usual and almost inevitable, the paraostomy hernia is a post operative obstacle that increases the upset enforced by the ostomy. The treatment is always relegated to a second plane and comes with great frustration for the failure and perturbation imposed to the patient. We introduce a different and simple alternative approach to this problem with the lesser inconvenience as possible to resolve the trouble. We utilize a prosthetic repair of the defect with ePTFE mesh, performed intraperitoneally like a tie through laparoscopy.
Key words: Paraostomy hernia, laparoscopy
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Endereço para correspondência:
César Guerreiro de Carvalho
Av. Dulcidio Cardoso, 1100 apt. 1902 - Bloco 2
Barra da Tijuca
22631-051 - Rio de Janeiro
Trabalho realizado em Clínica Privada
Recebido em 14/10/2004
Aceito para publicação 13/01/2005