DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS


USO DO COLPOSCÓPIO PARA AVALIAR A REGIÃO PERIANAL E O CANAL ANAL - PADRONIZAÇÃO TÉCNICA DA NOMENCLATURA E INDICAÇÕES

Sidney Roberto Nadal - TSBCP
Carmen Ruth Manzione - TSBCP


NADAL SR, MANZIONE CR. Uso do Colposcópio Para Avaliar a Região Perianal e o Canal Anal _ Padronização Técnica da Nomenclatura e Indicações. Rev bras Coloproct 2004; 24(4): 379-381.

O condiloma acuminado é a doença anal mais comum em portadores do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV).1-4 Sua incidência varia entre 15,7% e 62% nas diferentes séries publicadas,1,2,4,5 acometendo principalmente os homossexuais masculinos.2-6
    A infecção pelo Papilomavirus humano (HPV) somou 23,4% das doenças sexualmente transmissíveis (DST) comunicadas ao Ministério de Saúde, sendo atualmente a mais comum em nosso país.7 Durante os últimos anos, a faixa etária mais acometida atinge a adolescência e o segmento anorretal tem sido utilizado cada vez mais para proporcionar prazer erótico. Como conseqüência, temos notado aumento da incidência das DST nessa região.8 Por esse motivo, devemos orientar o uso constante e correto do preservativo para prevenção dessas afecções.9
    O diagnóstico do HPV se faz pela identificação do DNA viral nos tecidos. Entretanto, a forma clínica é sugerida pelos aspectos característicos ao exame físico e pelos achados histológicos. Já as lesões subclínicas somente são detectadas após a aplicação de ácido acético, associada ou não ao azul de toluidina, com auxílio de lentes de aumento. 10,11
    Temos empregado o colposcópio convencional. Inicialmente, avaliamos o períneo e a pele perianal, depois aplicamos gaze embebida em ácido acético a 5%, durante dois ou três minutos, e procuramos por áreas acetobrancas. Para diferenciar das alterações cicatriciais, pincelamos com azul de toluidina a 1%, que cora os pontos suspeitos. A seguir, introduzimos o anuscópio descartável e colocamos gaze umedecida com ácido acético a 2% no canal anal. Após três minutos, recolocamos o anuscópio, retiramos a gaze e examinamos o canal anal, utilizando o corante azul, quando necessário. Cauterizamos, sob anestesia local, as lesões encontradas. Não solicitamos exame histológico para os doentes em seguimento, pois acreditamos que o achado não modificará a conduta. Nas lesões extensas, optamos pelo tratamento com produtos tópicos. Em nossa experiência, notamos a presença de doença subclínica em um quarto dos doentes livres de lesões clínicas. Indicamos o exame após a cicatrização das verrugas perianais e na ausência de lesões clínicas. Repetimos o exame a cada seis meses até que três resultados consecutivos sejam negativos. Acreditamos que, com esse esquema, estaremos retardando o aparecimento de doença clínica. Orientamos que os doentes com verrugas genitais, e sem condilomas anais, sejam submetidos ao exame da região perianal para detecção e tratamento de lesões subclínicas. Nesses casos, a biópsia está indicada para diagnóstico de certeza. Sua aplicação para rastreamento de lesões pré-neoplásicas deveria ser restrita aos grupos de risco, entre eles os portadores de imunodepressão, devido ao custo-benefício.12,13
    Além das situações citadas, o método também pode ser utilizado no diagnóstico diferencial do prurido anal, casos em que a doença subclínica provocada pelo HPV pode ser detectada.14
    Devido ao procedimento ter sido introduzido recentemente no arsenal diagnóstico para especialidade, ainda não há nomenclatura definida. Nos diversos trabalhos publicados a respeito do método, é citado como anuscopia com exacerbação,11 anuscopia de alta resolução,12,14-17 anuscopia com colposcópio,18,19 colposcopia anal,13,20 anuscopia com ácido acético,21 além de citações em eventos científicos que incluem anuscopia ampliada, com magnificação de imagens e alargada.
    Os artigos norte-americanos mais recentes citam "high resolution anuscopy",12,15-17 ou traduzindo, anuscopia de alta resolução. Nos dicionários de inglês "high resolution" significa a possibilidade de algo ser visto mais claramente e com mais detalhes, e alta resolução, sua tradução literal, é neologismo, não devendo ser utilizado caso haja palavras adequadas na língua portuguesa. O termo "magnification" indica aumento de tamanho usando lentes, diferente do magnificar que é sinônimo de glorificar, exaltar, aumentar, engrandecer, alargar no sentido de estender, não sugerindo que a imagem possa ser observada com ampliação do tamanho, mas em maior extensão. Exacerbar tem o sentido de exasperar, encolerizar, agravar. Exacerbação é definida como irritação ou agravamento de doença.
    O uso do termo colposcopia pode parecer errado devido à aplicação exclusiva do aparelho na identificação das lesões do colo uterino, até recentemente. Entretanto, o sufixo "colpos" vem do grego "êüëðïç ", que significa a víscera, o interior.22 Portanto, colposcopia significa examinar a víscera, o interior, e o colposcópio é utilizado para esse olhar, não estando relacionado exclusivamente ao genital feminino. Desta forma, "colposcopia anal" seria mais adequado, por indicar o aparelho usado e o local examinado. Sugerimos que esse nome seja utilizado na prática diária, quando nos referirmos ao exame. Todavia, como "anuscopia de alta resolução" tem uso freqüente nos trabalhos estrangeiros, acreditamos que talvez seja incorporado à terminologia coloquial médica, mesmo não sendo o mais indicado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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22. Diaz G, Douglas CR. Etimologia grega do vocabulário científico. 1ª ed., São Paulo, Robe Editorial. 1993.

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