GENÉTICA E BIOLOGIA MOLECULAR


ANTICORPOS MONOCLONAIS NO TRATAMENTO DO CÂNCER COLORRETAL: FUNDAMENTOS E ESTADO ATUAL

MAURO DE SOUZA LEITE PINHO-TSBCP


PINHO MSL. Anticorpos Monoclonais no Tratamento do Câncer Colorretal: Fundamentos e Estado Atual. Rev bras Coloproct 2004; 24(4):382-384.

Embora seja difícil prever os próximos desdobramentos da evolução das pesquisas em biologia molecular do câncer, existem evidências que estes estejam relacionados a uma caracterização cada vez melhor do perfil genômico tumoral, ou seja, das proteínas nele expressas, de forma a definir qual o seu comportamento biológico provável.
    Esta melhor identificação do tumor nos irá proporcionar uma maior definição do padrão individual tumoral e provável prognóstico do paciente, permitindo um mais adequado planejamento terapêutico e seguimento do caso. Além disto, representa uma importante etapa para o desenvolvimento de drogas específicas para alvos moleculares.
    Embora desempenhando ainda um papel de grande relevância no tratamento do câncer, as drogas de ação antineoplásica utilizadas na quimioterapia convencional apresentam o grave inconveniente de serem agentes citotóxicos com baixo índice de especificidade. Desta forma, promovem uma destruição celular extensa comprometendo tecidos normais e patológicos, com um grande impacto sobre o paciente através da elevada incidência de complicações e efeitos colaterais.
    O grande avanço representado pelos estudos de biologia molecular tumoral tem como principal objetivo identificar os mecanismos moleculares responsáveis pela transformação de um tecido normal em uma neoplasia maligna. Para atingir este objetivo, as principais proteínas envolvidas em cada processo tem sido extensivamente estudadas assim como seus respectivos genes. O conhecimento destes tem levado ao desenvolvimento de diversas linhas de pesquisas que buscam o desenvolvimento de drogas capazes de influir de forma específica sobre o comportamento biológico das células neoplásicas.
    Dentre estas, destaca-se o uso de anticorpos monoclonais os quais representam uma possível alternativa a curto e médio prazo, uma vez que seus primeiros produtos encontram-se já em fase inicial de utilização em bases comerciais.
    Anticorpos monoclonais são imunoglobulinas altamente específicas para a ligação e atuação sobre determinadas moléculas. Ao identificar e ligar-se às suas proteínas-alvo, apresentam a possibilidade de alterar a ação destas moléculas com relevante função no processo de carcinogênese. Devido à sua elevada especificidade, este efeito terapêutico deverá apresentar possivelmente uma maior efetividade e reduzir os efeitos colaterais decorrentes da ação tóxica sobre células normais.
    Apesar de ainda em sua fase inicial, numerosos estudos clínicos tem demonstrado resultados bastante promissores, levando a uma rápida liberação pelo FDA, órgão americano regulador de medicamentos, para a utilização de produtos baseada na ação de anticorpos monoclonais para o tratamento de diversos tipos de tumores. Dentre estas drogas já aprovadas para uso clínico podemos citar o trastuzumab (Herceptin®) , o qual apresenta um crescente papel no tratamento do câncer de mama, composto por um anticorpo monoclonal com a função de ligar-se à porção extracelular do receptor HER-2 para o fator de crescimento epidérmico (EGF). Como a amplificação destes receptores está relacionada a um pior prognóstico em tumores malignos da mama, o objetivo deste anticorpo é inativar tais receptores de forma a melhorar a resposta terapêutica, tanto em tratamentos isolados com o trastuzumab ou em associação à quimioterapia convencional, conforme já demonstrado em diversos estudos clínicos.
    No que diz respeito ao câncer colorretal, a terapia monoclonal tem buscado em especial desenvolver um produto capaz de bloquear uma importante etapa do desenvolvimento tumoral que é a angiogênese, processo através do qual as células tumorais estimulam a formação dos novos vasos sanguíneos necessários para o fornecimento dos nutrientes essenciais para seu crescimento acelerado em relação aos tecidos normais.
    Sabe-se hoje que a angiogênese resulta da liberação local pelo tumor de algumas proteínas com ação estimuladora para o desenvolvimento vascular, dentre as quais destaca-se o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF).
    Dispomos hoje de fortes evidências de que os níveis tissulares e séricos de VEGF apresentam uma significativa correlação com os diferentes aspectos clínico-patológicos tumorais, como o tamanho da lesão, presença de invasão vascular, presença de metástases linfonodais, diferenciação tumoral e, em especial, com o prognóstico do paciente observado através de taxas de sobrevida após o tratamento.
    Além disto, diversos estudos tem demonstrado que a determinação dos níveis séricos de VEGF pode ser utilizada como um importante marcador tumoral, apresentando uma sensibilidade diagnóstica superior à dosagem do antígeno carcinoembriônico (CEA), incluindo um valor prognóstico pré-operatório e uma forte correlação com o estado tumoral pós-operatório ou de acordo com a resposta à terapia adjuvante.
    Estes achados levaram à proposição de uma estratégia anti-neoplásica baseada na produção de um anticorpo monoclonal anti-VEGF denominado como bevacizumab (Avastin®) capaz de inibir sua ação angiogênica e consequentemente o crescimento tumoral. Os encorajadores resultados obtidos nos estudos experimentais iniciais com este anticorpo levaram a uma rápida tramitação nos órgãos responsáveis pelo licenciamento de novos medicamentos com o objetivo de permitir sua produção em escala comercial.
    Esta aprovação pelo FDA para utilização clínica do bevacizumab ocorreu após um dos mais bem sucedidos estudos em fase III já realizado para drogas anti-neoplásicas, envolvendo 925 pacientes portadores de câncer colorretal metastático nos quais a adição deste anticorpo monoclonal à quimioterapia convencional demonstrou um aumento de cinco meses de sobrevida.
    Hurwitz e cols encontraram resultados semelhantes em estudo randomizado em 813 pacientes, nos quais a quimioterapia associada à administração de bevacizumab revelou melhores níveis de sobrevida (20,3 x 15,6 meses), resposta tumoral (44,8 x 34,8) e sua duração (10,4 x 7,1), apresentando como efeito colateral hipertensão arterial durante o tratamento em cerca de 11% dos casos.
    Em outro estudo realizado por Bergsland e cols a adição de bevacizumab ao esquema de quimioterapia convencional apresentou uma resposta tumoral significativamente superior (40% x 17%),
    Assim sendo, embora tais achados necessitem estudos adicionais para definir o real papel da administração desta droga no tratamento do câncer colorretal, suas evidências sugerem o início de uma nova era no tratamento desta doença na qual os anticorpos monoclonais irão possívelmente representar uma importante ferramenta terapêutica.

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