GENÉTICA E BIOLOGIA MOLECULAR
MAURO DE SOUZA LEITE PINHO-TSBCP
Embora seja difícil prever os
próximos desdobramentos da evolução das pesquisas em
biologia molecular do câncer, existem evidências que
estes estejam relacionados a uma caracterização cada
vez melhor do perfil genômico tumoral, ou seja,
das proteínas nele expressas, de forma a definir qual o
seu comportamento biológico provável.
Esta melhor identificação do tumor nos
irá proporcionar uma maior definição do padrão
individual tumoral e provável prognóstico do paciente,
permitindo um mais adequado planejamento terapêutico
e seguimento do caso. Além disto, representa
uma importante etapa para o desenvolvimento de
drogas específicas para alvos moleculares.
Embora desempenhando ainda um papel de grande relevância no tratamento do câncer, as
drogas de ação antineoplásica utilizadas na
quimioterapia convencional apresentam o grave inconveniente
de serem agentes citotóxicos com baixo índice
de especificidade. Desta forma, promovem uma
destruição celular extensa comprometendo tecidos normais
e patológicos, com um grande impacto sobre o
paciente através da elevada incidência de complicações e
efeitos colaterais.
O grande avanço representado pelos
estudos de biologia molecular tumoral tem como
principal objetivo identificar os mecanismos
moleculares responsáveis pela transformação de um tecido
normal em uma neoplasia maligna. Para atingir este
objetivo, as principais proteínas envolvidas em cada
processo tem sido extensivamente estudadas assim como
seus respectivos genes. O conhecimento destes tem
levado ao desenvolvimento de diversas linhas de
pesquisas que buscam o desenvolvimento de drogas capazes
de influir de forma específica sobre o
comportamento biológico das células neoplásicas.
Dentre estas, destaca-se o uso de
anticorpos monoclonais os quais representam uma
possível alternativa a curto e médio prazo, uma vez que
seus primeiros produtos encontram-se já em fase inicial
de utilização em bases comerciais.
Anticorpos monoclonais são
imunoglobulinas altamente específicas para a ligação e atuação
sobre determinadas moléculas. Ao identificar e ligar-se
às suas proteínas-alvo, apresentam a possibilidade
de alterar a ação destas moléculas com relevante
função no processo de carcinogênese. Devido à sua
elevada especificidade, este efeito terapêutico deverá
apresentar possivelmente uma maior efetividade e reduzir
os efeitos colaterais decorrentes da ação tóxica
sobre células normais.
Apesar de ainda em sua fase inicial,
numerosos estudos clínicos tem demonstrado resultados
bastante promissores, levando a uma rápida liberação pelo
FDA, órgão americano regulador de medicamentos, para
a utilização de produtos baseada na ação de
anticorpos monoclonais para o tratamento de diversos tipos
de tumores. Dentre estas drogas já aprovadas para
uso clínico podemos citar o trastuzumab (Herceptin®) ,
o qual apresenta um crescente papel no tratamento
do câncer de mama, composto por um anticorpo
monoclonal com a função de ligar-se à porção extracelular do
receptor HER-2 para o fator de crescimento epidérmico
(EGF). Como a amplificação destes receptores está
relacionada a um pior prognóstico em tumores malignos da
mama, o objetivo deste anticorpo é inativar tais receptores
de forma a melhorar a resposta terapêutica, tanto
em tratamentos isolados com o trastuzumab ou em associação à quimioterapia convencional, conforme
já demonstrado em diversos estudos clínicos.
No que diz respeito ao câncer colorretal,
a terapia monoclonal tem buscado em especial desenvolver um produto capaz de bloquear
uma importante etapa do desenvolvimento tumoral que é
a angiogênese, processo através do qual as
células tumorais estimulam a formação dos novos
vasos sanguíneos necessários para o fornecimento
dos nutrientes essenciais para seu crescimento
acelerado em relação aos tecidos normais.
Sabe-se hoje que a angiogênese resulta
da liberação local pelo tumor de algumas proteínas
com ação estimuladora para o desenvolvimento
vascular, dentre as quais destaca-se o fator de
crescimento endotelial vascular (VEGF).
Dispomos hoje de fortes evidências de que
os níveis tissulares e séricos de VEGF apresentam
uma significativa correlação com os diferentes
aspectos clínico-patológicos tumorais, como o tamanho da
lesão, presença de invasão vascular, presença de
metástases linfonodais, diferenciação tumoral e, em especial,
com o prognóstico do paciente observado através de
taxas de sobrevida após o tratamento.
Além disto, diversos estudos tem
demonstrado que a determinação dos níveis séricos de VEGF
pode ser utilizada como um importante marcador
tumoral, apresentando uma sensibilidade diagnóstica
superior à dosagem do antígeno carcinoembriônico
(CEA), incluindo um valor prognóstico pré-operatório e
uma forte correlação com o estado tumoral
pós-operatório ou de acordo com a resposta à terapia adjuvante.
Estes achados levaram à proposição de
uma estratégia anti-neoplásica baseada na produção de
um anticorpo monoclonal anti-VEGF denominado como bevacizumab (Avastin®) capaz de inibir sua
ação angiogênica e consequentemente o crescimento
tumoral. Os encorajadores resultados obtidos nos
estudos experimentais iniciais com este anticorpo levaram
a uma rápida tramitação nos órgãos responsáveis
pelo licenciamento de novos medicamentos com o
objetivo de permitir sua produção em escala comercial.
Esta aprovação pelo FDA para
utilização clínica do bevacizumab ocorreu após um dos mais
bem sucedidos estudos em fase III já realizado para
drogas anti-neoplásicas, envolvendo 925 pacientes
portadores de câncer colorretal metastático nos quais a adição
deste anticorpo monoclonal à quimioterapia
convencional demonstrou um aumento de cinco meses de sobrevida.
Hurwitz e cols encontraram resultados semelhantes
em estudo randomizado em 813 pacientes, nos quais
a quimioterapia associada à administração
de bevacizumab revelou melhores níveis de
sobrevida (20,3 x 15,6 meses), resposta tumoral (44,8 x 34,8)
e sua duração (10,4 x 7,1), apresentando como
efeito colateral hipertensão arterial durante o tratamento
em cerca de 11% dos casos.
Em outro estudo realizado por Bergsland e
cols a adição de bevacizumab ao esquema de
quimioterapia convencional apresentou uma resposta
tumoral significativamente superior (40% x 17%),
Assim sendo, embora tais achados
necessitem estudos adicionais para definir o real papel
da administração desta droga no tratamento do
câncer colorretal, suas evidências sugerem o início de
uma nova era no tratamento desta doença na qual
os anticorpos monoclonais irão possívelmente
representar uma importante ferramenta terapêutica.
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