ARTIGOS ORIGINAIS
DENISE GONÇALVES PRIOLLI - FSBCP
CARLOS AUGUSTO REAL MARTINEZ - TSBCP
NELSON FONTANA MARGARIDO
CARLOS MATEUS ROTTA - ASBCP
SIMONE MOREIRA STEPHANI NAKANO
MARIA BETÂNIA OLIVEIRA GARCIA
Priolli DG, Martinez CAR, Margarido NF, Rotta CM, Nakano SMS, Garcia
MBO. Avaliação da pressão de
explosão e da dosagem tecidual de colágeno nas anastomoses colorretais realizadas com e sem preparo de cólon. Estudo experimental em
ratos. Rev bras Coloproct, 2005;25 (1):12-23.
RESUMO: Objetivo - O objetivo do presente estudo experimental é verificar de forma prospectiva a interferência do preparo de cólon intra-operatório na quantificação de colágeno tecidual e nas medidas da pressão de explosão em ratos submetidos à anastomose colorretal. Material e Método _ Realizaram-se em ratos Wistar, pesando entre 250 a 300 g oitenta anastomoses colorretais em plano único extramucoso, a três centímetros da placa de Peyer. Os animais foram divididos em três grupos experimentais: Grupo A _ anastomoses realizadas sem preparo de cólon prévio; Grupo B _ os animais foram submetidos à restrição alimentar 24 horas antes da operação; Grupo C - restrição alimentar e de água e preparo de cólon intra-operatório com solução de polividona-iodo (PVPI) a 10%. Os animais pertencentes aos três grupos experimentais foram divididos em dois subgrupos, segundo o sacrifício ter sido realizado em 24 ou 48 horas. A quantificação de colágeno tecidual (mg/ml), foi determinada para os três grupos experimentais por meio da relação entre as concentrações de hidroxiprolina e proteínas totais teciduais obtidas pelas técnicas de Bergmam-Loxley e Lowry modificado respectivamente. A medida da pressão de explosão foi determinada por manômetro especialmente confeccionado para o experimento. Os resultados obtidos foram analisados estatisticamente sendo atribuído nível de significância de 5% (p<0,05%). Resultados: Verificou-se que os valores da pressão de explosão das anastomoses eram significativamente maiores tanto no primeiro quanto no segundo pós-operatório nos animais pertencentes ao Grupo C (com preparo de cólon) quando comparados aos demais. Verificou-se também que os valores de colágeno tecidual no primeiro e segundo pós-operatório eram significativamente maiores quando se comparavam os valores obtidos entre os animais dos Grupos C (com preparo de cólon) e A (cólon sujo). Conclusão: Nas condições do presente estudo pode-se concluir que, experimentalmente em ratos, o preparo de cólon prévio com PVPI a 10% aumenta, significativamente, a resistência e a concentração de colágeno tecidual nas anastomoses colorretais.
Unitermos: Anastomose cirúrgica; Cirurgia de colo e reto; Ratos; Cirurgia; Preparo intestinal.
Introdução
As fistulas das anastomoses representam uma das mais graves complicações pós-operatórias
da cirurgia colorretal. A boa técnica cirúrgica, tipos
de suturas e fios utilizados, dieta, estado
nutricional, interferência de doenças sistêmicas, infecção e
preparo do cólon são fatores apontados como capazes
de influenciar a adequada cicatrização das
anastomoses. 1,2,3
A influência do conteúdo fecal intestinal
na cicatrização das anastomoses cólicas ainda hoje
é assunto controvertido.4,5 Existem evidências de que
as deiscências de sutura em anastomoses colorretais,
com conseqüente formação de fístulas, ocorrem
mais freqüentemente quando o cólon encontra-se repleto
de fezes3. A presença de conteúdo fecal no interior
do cólon tem despertado polêmicas quanto a se
realizar ou não a anastomose primária imediata nos
doentes portadores de afecções do cólon esquerdo operados
em caráter de urgência6.
Estudos experimentais constataram que o preparo mecânico é importante fator na redução
do conteúdo fecal e que a utilização do preparo
intra-operatório com polivinilpirrolidona-iodo (PVPI)
na anastomose primária do cólon esquerdo
obstruído, determina cicatrização mais rápida e com
menores índices de
complicações6,7,8. Tais evidências
fizeram com que o emprego do preparo de cólon
intra-operatório, com restabelecimento imediato do
trânsito intestinal, fosse considerado como uma das
alternativas a ser considerada no tratamento emergencial
das enfermidades do cólon
esquerdo.9,10,11
A publicação de estudos experimentais ou
de revisão de casuística demonstrando
evolução favorável em doentes submetidos à ressecção do
cólon esquerdo com anastomose primária, sem a
realização de qualquer tipo de preparo do cólon,
levantaram dúvidas a respeito da real necessidade da
sua realização12,13,14. Questionamentos foram feitos
em relação à verdadeira necessidade do
preparo mecânico, julgando ser a antibioticoterapia de
largo espectro a verdadeira responsável pela
anastomose de sucesso15. Estudos experimentais
demonstraram que o preparo do colo poderia aumentar o índice
de infecção da ferida cirúrgica e que quando
existem pequenas deiscências da anastomose, a
evolução torna-se ainda mais grave, devido a
maior possibilidade de fezes permearem a anastomose
e atingirem a cavidade peritonial16. O assunto
é polêmico, pois enquanto alguns autores crêem que
o preparo de colo não interfere com o
processo cicatricial da anastomose cólica, outros sugerem
que o preparo prévio não altera o índice de
deiscências bloqueadas e que sua omissão poderia levar
ao aumento no número de
deiscências17,18.
Dos vários tipos de agentes anti-sépticos
utilizados no preparo do cólon intra-operatório, o polivinil-pirrolidona-iodo (PVPI) é largamente empregado
pelo fácil acesso quanto a disponibilidade, baixo custo,
além de ter sido comprovada sua ação bactericida e a
baixa toxicidade8,19,20.
O objetivo do presente estudo é avaliar,
de forma prospectiva, a interferência da presença de
fezes e do preparo de cólon na concentração de colágeno
e pressão de explosão nas anastomoses de cólon
esquerdo do rato.
MÉTODO
Este estudo foi realizado de acordo com a
Lei Federal 6.638 e as normas do Colégio Brasileiro
de Experimentação Animal (COBEA), instituição
filiada ao International Council for Laboratory
Animal Science.
Foram realizadas 80 anastomoses colorretais em fêmeas de ratos Wistar
(Rattus norvergicus Barkenhout), com peso variando entre 250g a 350g,
e média de idade de três meses, provenientes do
Biotério das Universidades de Mogi das Cruzes e de
Bragança Paulista. As anastomoses foram executadas em
plano único de sutura com pontos separados, a
três centímetros da placa de Peyer.
Todos os animais receberam, nos 30 dias que antecederam a divisão dos grupos experimentais,
a mesma ração, sendo oferecida a cada animal a
mesma quantidade padronizada.
Os ratos foram sacrificados às 24 e 48
horas de pós-operatório, constituindo em três
grupos distintos, para cada um dos tempos de sacrifício,
a saber:
Grupo 1 _ (Cólon sujo), quando não se realizava preparo de cólon e restrição alimentar;
Grupo 2 _ (Cólon limpo), quando se manteve restrição alimentar por 24 horas, sendo oferecida apenas água, até 12 horas antes do procedimento cirúrgico;
Grupo 3 _ (Cólon preparado) quando se manteve restrição alimentar por 24 horas, restrição hídrica por 12 horas, associado a preparo intestinal intra-operatório com polividona-iodo a 10% em solução de soro fisiológico. Nos animais pertencentes a este grupo experimental, o preparo de cólon foi realizado por via anterógrada através da cateterização do ceco com escalpe nº 25, conectado a seringa de 20 centímetros cúbicos. O colo, a partir de então, era irrigado com solução de PVPI. O efluente drenado era coletado por meio de sonda de Levine nº 10, introduzida pelo reto, que se encontrava conectada a frasco coletor apropriado, isolado do campo operatório por meio de campos cirúrgicos estéreis. A irrigação prosseguia até que o afluente não apresentasse resíduo fecal à observação macroscópica.
Cada grupo experimental foi dividido,
aleatoriamente, em dois subgrupos, de acordo com o
sacrifício ter sido realizado em 24 horas e 48 horas do
procedimento cirúrgico.
Para a realização do procedimento, os
animais foram restringidos em mesa cirúrgica apropriada
em decúbito dorsal horizontal, anestesiados com éter
etílico sob máscara aberta, sendo executada
tricotomia abdominal após anti-sepsia com polivinil
pirrolidona-iodo. Realizava-se a celiotomia por planos e depois
de exposta a cavidade abdominal, procedia-se à
localização do útero bicórneo e, sob este, a porção
retossigmoideana do colo. Localizava-se então a placa de Peyer
(Figura-1), e, a três centímetros em sentido cranial a partir
dela, após malaxar o conteúdo intestinal, efetuava-se a
secção do cólon, preservando intacta sua vascularização.
Figura 1 - Identificação da placa de Peyer (seta). |
A anastomose término-terminal foi confeccionada em plano único extra-mucoso com
fio monofilamentar 6-0 e agulha gastrintestinal de um
e meio centímetros por meio de pontos
separados invariavelmente localizados nos quatro pontos
cardinais e entre eles, iniciados sempre pela
borda mesentérica, aproximando-se os segmentos com
o cuidado de inverter a mucosa das bocas
anastomóticas. Os fios sempre foram amarrados com três nós.
Após revisão da cavidade peritoneal, a
síntese da parede abdominal foi realizada em dois planos,
com pontos separados de algodão 2-0,
interessando aponeurose e pele.
Os animais, convenientemente
identificados, foram alojados em gaiolas individuais.
No pós-operatório, permitiu-se ingestão
hídrica após 6 horas e a mesma ração
anteriormente padronizada após 24 horas do ato cirúrgico
"ad libitum".
Para o sacrifício procedeu-se, após
anestesia, à abertura da cavidade abdominal no local da
incisão anterior. Executou-se a retirada do segmento cólico
que continha a anastomose em sua região
mediana. Desfizeram-se eventuais aderências da alça
cólica, delicadamente, evitando dano aos tecidos,
após esvaziamento da alça de seu conteúdo fecal.
Depois da retirada do segmento cólico, os animais
foram sacrificados por meio de dose letal de éter etílico.
Todos os animais foram estudados de acordo com os seguintes parâmetros:
1. Medida de pressão de explosão (cmH2O). A medida da pressão de explosão foi executada, utilizando-se manômetro especialmente idealizado conforme descrição de Rotta et al. em 199621;
2. Dosagem de colágeno tecidual (mg/mg), quantificado a partir das medidas de proteína tecidual (mg/100mg tecido fresco) e de hidroxiprolina tecidual (mg/100mg tecido fresco).
Através de incisão em plano longitudinal
nas bordas mesentérica e anti-mesentérica obtinham-se
dois fragmentos teciduais, em que, a partir de um
deles escolhido de forma alternada, verificava-se a
concentração do colágeno tecidual.
O fragmento escolhido foi pesado em
balança analítica, acondicionado em papel de alumínio
e submetido a resfriamento a quatro graus
centígrados negativos, sendo enviado ao Laboratório de
Bioquímica da Universidade São Francisco, onde se
processaram as medidas da hidroxiprolina e proteínas
totais teciduais.
A relação entre hidroxiprolina e
proteína tecidual (OH-PROT/PROT) foi adotada
como referencial para a verificação da proporção de
colágeno do componente protéico do
tecido22, tendo sido a proteína total determinada pela metodologia de
Lowry et al., 195123 e a hidroxiprolina determinada
conforme metodologia de Bergman & Loxley,
197024 modificada por Angeleli et
al.,198225.
Para a análise estatística empregou-se
o programa SigmaStat for Windows versão
1.0. Adotaram-se os testes de Kruskal-Wallis e o
método de Dunn`s na comparação entre os valores da
pressão de explosão e a dosagem de colágeno tecidual nos
três grupos experimentais. Na comparação dos valores
de colágeno tecidual entre os diferentes dias de
pós-operatório utilizou-se o teste de Mann-Whitney.
Em todos os testes adotou-se nível de significância de
5% (p<0,05) para rejeição da hipótese de nulidade.
RESULTADOS H =19,4; Graus de liberdade = 2 *p< 0,001
1. Quanto à pressão de explosão (PE)
1.1 _ 1º pós-operatório
Tabela 1 - Comparação entre colo sujo, limpo e preparado (Kruskal-Wallis).
Dias de PO
Indicadores estatísticos
Cólon sujo
Cólon limpo
Cólon preparado
1º dia
n
10
20
10
cm/H2O
mediana
34,5
54,8
85,7*
Tabela 2 -
Comparação entre os grupos (Método de Dunn's)
Grupos
Diferença estatística
PE cólon preparado X PE cólon sujo
SIM
PE cólon preparado X PE cólon limpo
SIM
PE cólon limpo X PE cólon sujo
NÃO
p < 0,05
Figura 2 - Diferença nos valores da pressão de explosão entre os grupos no primeiro pós-operatório. |
1.2 _ 2º pós-operatório.
Tabela 3 -
Comparação entre colo sujo, limpo e preparado (Kruskal-Wallis). H = 14,8; Graus de liberdade = 2; * p< 0,001
Dias de PO
Indicadores estatísticos
Cólon sujo
Cólon limpo
Cólon preparado
2º dia
n
10
20
10
cm/H2O
mediana
30,5
44,3
58,5*
Tabela 4
- Comparação entre os grupos (Método de Dunn's)
Grupos
Diferença estatística
PE cólon preparado X PE cólon sujo
SIM
PE cólon preparado X PE cólon limpo
SIM
PE cólon limpo X PE cólon sujo
NÃO
p < 0,05
Figura 3 - Diferença nos valores da pressão de explosão entre os grupos no segundo pós-operatório. |
Figura 4 - Diferenças entre os diferentes dias de pós-operatório nas pressões de explosão em cm/H20 nos diferentes grupos. |
2. Quanto ao Colágeno
2.1 _ 1º pós-operatório
Tabela 5 -
Comparação entre colo sujo, limpo e preparado (Kruskal-Wallis).
Dias de PO | Indicadores estatísticos | Cólon sujo | Cólon limpo | Cólon preparado |
1dia | n | 10 | 20 | 10 |
mg/mg | mediana | 14,8 | 17,9 | 22,8* |
H =14,4; Graus de liberdade = 2; * p < 0,001 |
Figura 5 - Diferença entre a concentração de colágeno nos diferentes grupos no 1º pós-operatório. |
Tabela 6 -
Comparação entre os grupos (Método de Dunn's)
Grupos | Diferença estatística |
Colágeno cólon preparado X Colágeno cólon sujo | SIM |
Colágeno cólon preparado X Colágeno cólon limpo | NÃO |
Colágeno cólon limpo X Colágeno cólon sujo | SIM |
p < 0,05 |
2.2 _ 2º pós-operatório
Tabela 7 - Comparação entre colo sujo, limpo e preparado (t de Student).
Dias de PO | Indicadores estatísticos | Cólon sujo | Cólon limpo | Cólon preparado |
2º dia | n | 10 | 20 | 10 |
mg/mg | media | 13,2 | 15,7 | 20,8* |
* p< 0,001 |
Figura 6 - Diferença entre a concentração de colágeno nos diferentes grupos no 2º pós-operatório. |
Tabela 8 - Comparação entre os grupos (Student-Newman-Keuls).
Grupos | Diferença estatística |
Colágeno cólon preparado X Colágeno cólon sujo | SIM |
Colágeno cólon preparado X Colágeno cólon limpo | SIM |
Colágeno cólon limpo X Colágeno cólon sujo | SIM |
p< 0,05 |
Tabela 9 - Comparação entre dias diferentes de pós-operatório (Mann-Whitney).
Cólon sujo | Cólon limpo | Cólon preparado | |
n | 10 | 20 | 10 |
1ºPO (mediana) | 14,8 | 17,9 | 22,8 |
2ºPO (mediana) | 12,8 | 15,4 | 21,4 |
T | 131 | 511 | 117 |
p | 0,05 | 0,006 | 0,38 |
Figura 7 - Diferenças entre os dias de pós-operatório na concentração de colágeno (µ/ml) para os grupos. |
DISCUSSÃO
A melhor opção cirúrgica para o
tratamento, em caráter de urgência, das moléstias
obstrutivas docólon esquerdo é assunto que ainda desperta
muita controvérsia. A ressecção do segmento intestinal
doente seguida de anastomose primária ou de
colostomia proximal derivativa com fechamento do
segmento distal (cirurgia de Hartmann) são as condutas
cirúrgicas mais freqüentemente empregadas. A
ressecção intestinal seguida de anastomose primária
apresenta como vantagens: a possibilidade de resolução
da doença em um único tempo cirúrgico, redução do
tempo de internação hospitalar, melhoria da relação
custo-benefício e, principalmente, o decréscimo
dos transtornos clínicos e psicológicos decorrentes
da presença de um estoma. Revisões de
casuística demonstram que o trânsito intestinal somente
é restabelecido em 57% dos enfermos em que se
realiza uma colostomia, sendo que o tempo médio para
a reconstituição do trânsito intestinal é de oito meses,
e o que é mais grave, com índices de
complicações cirúrgicas em torno de
34%26. Cabe destacar que o restabelecimento do trânsito intestinal após a
cirurgia de Hartmann em algumas oportunidades pode se
tornar procedimento cirúrgico de difícil execução
técnica, representando considerável desafio até mesmo para
os cirurgiões experientes.
A principal dificuldade no
restabelecimento primário do trânsito intestinal em doentes
submetidos à cirurgia em caráter de urgência reside em
realizar-se uma anastomose intestinal no cólon não
preparado. Estudos experimentais, prospectivos com bons
níveis de evidência, demonstraram que as deiscências
nas anastomoses ocorrem mais freqüentemente quando
o cólon encontra-se repleto de fezes no momento
da operação, enfatizando a importância do
adequado preparo mecânico, como fator de sucesso, na
adequada cicatrização das
anastomoses4. Trabalhos experimentais em que foram mensurados a pressão
de explosão das anastomoses colorretais e o conteúdo
de colágeno tecidual, comparando grupos de animais
que receberam dieta normal e sem resíduos,
constataram que a presença do bolo fecal e bactérias poderia
ser responsável por maior número de complicações
nas anastomoses27. Uma possível explicação para os
efeitos adversos da presença de conteúdo fecal e de
bactérias na cicatrização das anastomoses baseia-se nos
efeitos citotóxicos deletérios da amônia fecal no processo
de cicatrização28. Outro fator a ser considerado é
a presença de infecção na anastomose cólica
que provocaria alterações do metabolismo local,
resultando na redução da síntese e aumento da lise do
colágeno recém formado29.
Contudo, recentemente, autores
vêm demonstrando que a realização de anastomose
primária no cólon não preparado pode ser confeccionada
com segurança, sem aumento dos índices de deiscência
da sutura30-32. Estudos experimentais chegaram
a demonstrar que o preparo de cólon poderia até
mesmo aumentar as chances de complicações das
anastomoses colorretais16.
Radcliffe & Dudley em
198333 introduziram a técnica do preparo de cólon realizado durante
a intervenção cirúrgica de urgência, na obstrução
do cólon esquerdo, com o objetivo de realizar
a anastomose primária de forma imediata, em
cólon limpo, evitando com isso a necessidade de
realização de colostomia. Desde então, a técnica do preparo
de cólon intra-operatório vem ganhando ampla
aceitação, com resultados satisfatórios e baixos índices
de morbidade e mortalidade9,10,11. Diversas
substâncias foram utilizadas, experimentalmente, na realização
do preparo intra-operatório e entre elas o PVPI tem
se revelado uma alternativa válida, pois
determina cicatrização menos
retardada7,8.
A deposição de colágeno tecidual, à
medida que os dias pós-operatórios progridem, aumenta
gradualmente, conferindo às anastomoses colorretais
mais resistência à pressão de explosão e à tensão de
ruptura. Estudos anteriores puderam confirmar que a
redução do edema local e a deposição progressiva de
colágeno estavam diretamente relacionados ao aumento
da resistência das anastomoses à pressão de
explosão34.
No presente estudo, com objetivo de
verificar a influência do preparo de cólon na deposição
de colágeno nas anastomoses, bem como mensurar
a resistência à pressão de explosão, os animais
de experimentação foram divididos em três
grupos distintos que representariam três situações
diversas: cólon sujo, cólon limpo por dieta pobre em resíduos
e cólon com preparo intra-operatório.
A Tabela-1 mostra os valores médios
obtidos da pressão de explosão no primeiro pós-operatório
nos animais pertencentes aos três grupos
experimentais. Na comparação entre os três grupos experimentais
a Tabela 2 revela que os valores da pressão de
explosão eram significantemente maiores nos animais
que receberam o preparo de cólon intra-operatório,
quando comparados com os animais dos dois outros
grupos experimentais. Mostra ainda que, embora a pressão
de explosão fosse maior nos animais com cólon
limpo quando comparados com os de cólon sujo, as
diferenças não foram estatisticamente significantes.
Estas observações sugerem que o preparo de cólon com
PVPI aumenta, significantemente, a resistência
das anastomoses colorretais em ratos, no primeiro
pós-operatório (Figura-2). Sugerem também que a
menor presença de conteúdo fecal, como nos animais
que apresentavam o cólon limpo, ajuda favoravelmente
o aumento da resistência das anastomoses, apesar de
não existir significância estatística.
A Tabela-3 mostra os valores médios
obtidos da pressão de explosão no segundo pós-operatório
nos animais pertencentes aos três grupos experimentais.
À semelhança dos resultados obtidos no primeiro
pós-operatório, a Tabela-4 revela que, se comparando
os valores médios da pressão de explosão entre três
grupos experimentais, os animais submetidos ao preparo
de cólon intra-operatório apresentam maior resistência
das anastomoses. Da mesma forma embora os animais
com cólon limpo possuíssem valores médios de pressão
de explosão maiores que os animais com o cólon sujo
essa diferença não apresentava diferença
estatisticamente significante. Tais observações sugerem que também
no segundo pós-operatório, o preparo de cólon com
PVPI aumenta, significantemente, a resistência
das anastomoses colorretais, em ratos (Figura-3).
Também sugerem, à semelhança do primeiro pós-operatório,
que a menor presença de conteúdo fecal, como nos
animais que apresentavam o cólon limpo, ajuda
favoravelmente o aumento da resistência das anastomoses, apesar
de não existir significância estatística.
O aumento da resistência à pressão de
explosão no primeiro pós-operatório pode ser mais
bem explicado quando se analisam os valores da
concentração de colágeno tecidual encontrados nos três
grupos experimentais (Tabela-5). A Tabela-6 mostra que
a diminuição do conteúdo fecal aumenta
significantemente a deposição de colágeno tecidual, tanto
nos animais submetidos ao preparo de cólon
quanto naqueles que possuíam o cólon limpo quando
se compara com os animais onde o cólon
encontrava-se sujo. Quando se comparam os valores do
colágeno tecidual dos animais com preparo de cólon com os
de cólon limpo pôde-se verificar que o preparo de
cólon com PVPI aumenta ainda mais os níveis de
colágeno tecidual no primeiro pós-operatório sem,
contudo, haver significância do ponto de vista
estatístico (Tabela-6 e Figura-5).
No segundo pós-operatório, da mesma
forma, os resultados revelam que o preparo de cólon
aumenta a deposição de colágeno tecidual quando se
analisam os resultados demonstrados na Tabela-7.
Comparando-se os três grupos experimentais pôde-se verificar
que este aumento apresenta significância
estatística (Tabela-8). Estes resultados sugerem que o preparo
de cólon passa a ter maior importância quando se
analisa a concentração de colágeno tecidual a partir do
segundo pós-operatório (Figura-6).
A menor concentração de colágeno
tecidual encontrada no segundo pós-operatório
quando comparada ao primeiro pós-operatório sugere a
maior presença de edema nesta fase do processo de
cicatrização, como já havia sido demonstrado
anteriormente34. A confirmação da interferência do edema
na concentração de colágeno tecidual e
conseqüentemente na resistência da anastomose pode ser
verificada quando se analisam os valores encontrados para
a dosagem de colágeno tecidual comparando os
dois períodos pós-operatórios (Tabela-9). A menor
concentração de colágeno tecidual no segundo
pós-operatório (Figura-7) pela presença do edema talvez
seja responsável pelos menores valores de pressão
de explosão encontrados no mesmo dia, em todos
os animais, independentes do grupo experimental a
que pertenciam (Figura-4).
A análise comparativa dos resultados
obtidos para todos os grupos experimentais entre o primeiro
e segundo pós-operatórios mostra que em todos os
grupos existem níveis absolutos maiores de colágeno
no primeiro pós-operatório quando comparado ao
segundo (Tabela-9 e Figura-7). Estes valores, contudo,
devem ser analisados com cautela em virtude do papel que
o edema tecidual, maior no segundo
pós-operatório, exerce sobre a quantidade total da proteína.
Os resultados comparativos dos valores de
colágeno tecidual entre o primeiro e segundo
pós-operatório sugerem que o preparo de cólon com PVPI reduz
o edema tecidual das anastomoses. Estas
constatações encontram-se de acordo com outros estudos
que demonstraram que a redução do conteúdo fecal,
e conseqüentemente do número de bactérias na
luz intestinal, interfere favoravelmente na deposição
de colágeno tecidual4,28,29.
Por outro lado, a presença de conteúdo
fecal, em virtude de incrementar o processo
inflamatório local, e conseqüentemente o edema,
diminuem significantemente os valores de colágeno tecidual
no segundo pós-operatório. Estes achados reforçam
o papel negativo que a presença de fezes provoca
na resistência das anastomoses. A comparação dos
valores de colágeno tecidual entre os animais pertencentes
aos Grupos 2 e 3, nos dois dias de pós-operatório,
mostram que a simples ausência de fezes não é responsável
pela maior deposição de colágeno tecidual. Talvez o
efeito bactericida do PVPI, reduzindo a população
bacteriana intraluminar, permita maior deposição de
colágeno. Estes achados já foram descritos anteriormente
e sugerem que tão importante quanto a limpeza do
cólon talvez seja a redução da população bacteriana local,
o que enfatizaria o uso de agentes bactericidas
tópicos ou sistêmicos8,35.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos nas condições
do presente estudo permitem concluir que, em ratos,
o preparo de cólon com PVPI a 10% melhora, significantemente, a resistência das
anastomoses colorretais à pressão de explosão, bem como
aumenta a deposição de colágeno tecidual, reforçando
a importância da limpeza do cólon para a
adequada cicatrização das anastomoses colorretais.
SUMMARY: Objective _ The objective of the present experimental study was to prospectively ascertain the effect of intraoperative colon preparation in relation to tissue collagen quantification and bursting pressure measurements on rats submitted to colorectal anastomosis. Material and Method _ The study was done on Wistar rats weighing between 250 and 300 g. Eighty colorectal anastomoses were performed on a single extramucous layer, three centimeters from Peyer's patch. The animals were divided into three experimental groups: Group A _ anastomoses performed without prior colon preparation; Group B _ animals submitted to food restrictions 24 hours before the operation; Group C _ food and water restrictions and intraoperative colon preparation using 10% povidone-iodine (PVP-I) solution. The three experimental groups were divided into two subgroups each, with sacrificing performed 24 or 48 hours after the operation. Quantification of tissue collagen (mg/ml) was done for the three experimental groups by means of the relationship between the concentrations of hydroxyproline and total proteins in the tissue, obtained using the Bergman-Loxley and modified Lowry techniques, respectively. The bursting pressure was measured by means of a manometer specially constructed for the experiment. The results obtained were statistically analyzed using a significance level of 5% (p < 0.05%). Results: It was found that the bursting pressures of the anastomoses were significantly greater at both the first and second postoperative assessment times for the animals in Group C (with colon preparation), in comparison with the others. It was also found that the tissue collagen values at the first and second postoperative assessment times were significantly greater in the animals of Group C (with colon preparation) than for those in Group A (dirty colon). Conclusion: Under the conditions of the present study, it can be concluded that, experimentally in rats, prior preparation of the colon using 10% PVP-I significantly increases colon resistance and tissue collagen concentration in colorectal anastomoses.
Key words: Surgical anastomosis; Colon and rectum surgery; Rats; Surgery; Intestine preparation.
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Endereço para correspondência:
Denise Gonçalves Priolli
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12.947-390 - Atibaia (SP)
Tel. (11) 4412-7730
E-mail: depriolli@terra.com.br
Trabalho realizado pelas Disciplinas de Técnica Cirúrgica e Bioquímica do Curso de Medicina da Universidade São Francisco, Bragança Paulista, São Paulo
Recebido em 31/12/2004
Aceito para publicação em 21/03/2005