ARTIGOS ORIGINAIS
Mário Antonello Rosito - TSBCP
Daniel de Carvalho Damin
Luis Fernando Moreira
Vinícius Duval da Silva
Carolina Rech
Cláudio Tarta
Paulo Contu
João Carlos Prolla
RESUMO: A análise das alterações morfométricas e densimétricas nucleares das células neoplásicas malignas tem sido investigada em diferentes tumores. A técnica conhecida como assinatura digital se baseia na obtenção de imagens de núcleos celulares que são computadorizadas e traduzidas graficamente em histogramas representativos do conjunto de características cariométricas e de cromatina da célula investigada. Estudos têm demonstrado o potencial de aplicação da assinatura digital no diagnóstico e definição de prognóstico em diferentes tipos de câncer. Neste artigo, relatamos nossa experiência no emprego da técnica em pacientes com adenocarcinoma primário de reto.
Unitermos: câncer de reto, análise de imagem, cariometria, cromatina nuclear.
Introdução
Cerca de 40% dos tumores colorretais malignos localizam-se no reto. Noventa e cinco por
cento destes tumores são adenocarcinoma
1,2. Atualmente, o método de estadiamento empregado baseia-se
nos critérios clínico-patológicos estáticos propostos
na classificação de Dukes
3 e em suas modificações
4,5,6, ou, alternativamente, no sistema TNM
7.
Estes sistemas de classificação, no
entanto, falham muitas vezes em prever com precisão a
evolução clínica de casos específicos, o que evidencia
a necessidade de definição de parâmetros adicionais
a serem incluídos no estadiamento do câncer de
reto. Apesar da intensa investigação científica nas áreas
de genética e biologia molecular, as novas
descobertas ainda não se traduziram em variáveis aplicáveis
à prática clínica ou em aumento da sobrevida média
dos pacientes, que ainda permanece em torno de 50%
em cinco anos 8.
Há, portanto, necessidade de se buscar
novos parâmetros prognósticos, preferencialmente na fase
pré-operatória, que orientem a melhor opção
terapêutica para cada caso. Neste sentido, a análise de
imagem digital obtida de núcleos celulares tem
demonstrado potencial para utilização no diagnóstico e
avaliação prognóstica de tumores humanos
9,10. Basicamente, a chamada assinatura digital representa o registro de
um conjunto de características cariométricas e de
distribuição da cromatina nuclear, inicialmente
transformado em padrões de características numéricas definidas,
11,12 que serão traduzidas graficamente em histogramas.
A análise destes histogramas permite a identificação
de variáveis prognosticas específicas de potencial
utilização na prática clínica.
Nossa experiência inicial com o emprego deste
novo método no adenocarcinoma primário de reto,
encontra-se publicada em dois artigos científicos
13, 14. Em resumo, através da análise de imagem digital analisamos
blocos de parafinas de 51 espécimes de câncer de
reto, classificados conforme o estadiamento de
Dukes/Turnbull 4, e de 22 espécimes de retos
normais (controles). A obtenção de imagens digitais foi
realizada através de sistema de captura de
imagem (videofotômetro) que contava de microscópio de
imersão com fototubo com amplificação de resolução final
de 200 e 500 X e videocâmara acoplada. As imagens
eram transmitidas à placa digitalizadora e,
subseqüentemente, gravadas em disco rígido e CD-room. A partir
das imagens gravadas, eram selecionados núcleos
das camadas basais dos casos de câncer e dos controles.
Em cada um destes núcleos eram analisadas 93
características cariométricas do Sistema TICAS (Taxonomic
Intra-Cellular Analytic System)11. Neste ponto, o
método estatístico de Kruskal-Wallis
15 era utilizado para selecionar as 11 características nucleares mais
distintivas entre os núcleos normais e os núcleos
dos adenocarcinomas. O resultado final da análise
digital das características verificadas era então
graficamente apresentada sob a forma de histogramas representativos.
A Figura-1 ilustra o resultado final da
técnica através do histograma de assinatura nuclear digital
de um caso normal em comparação aos diferentes
estágios de Dukes/Turnbull do câncer de reto. Nota-se que
o valor z médio está próximo do valor zero no
controle normal, ao contrário do que ocorre no câncer.
As características nucleares mais distintivas entre o
normal e os casos de câncer foram as de número 1, 5 e 11,
que correspondem respectivamente a Granularidade Nuclear, a Densidade Ótica Total e Área Nuclear.
Figura 1 - Assinatura digital nuclear do tecido de reto normal e do câncer de reto, nos estágios de Dukes-Turnbull. |
Dois resultados obtidos têm
importância clínica potencial. O primeiro diz respeito à
diferença estatisticamente significativa no padrão de
assinatura digital dos casos de câncer em relação aos
controles normais. Ou seja, através da assinatura digital
obtida de um determinado espécime é possível dizer se
se trata de um caso de câncer de reto ou não. O
segundo diz respeito à sobrevida em 5 anos de
acompanhamento de acordo com a assinatura digital obtida.
Observou-se que, à análise multivariada dos valores da
assinatura digital em relação ao estadiamento das lesões,
três características nucleares representam
fatores prognósticos independentes do estágio tumoral
para previsão de morte por câncer de reto.
Em conclusão, nossos estudos 13,
14 representaram a primeira investigação da técnica da análise de
assinatura digital no câncer de reto. Os resultados sugerem que
essa nova técnica possa ser útil na avaliação prognostica
e individualização da terapia a ser empregada nos
pacientes com este tipo de tumor. Novos estudos, entretanto,
deverão ser realizados para a confirmação de nossos resultados
e da verificação da aplicabilidade da técnica ao
manejo clínico destes pacientes.
SUMMARY: Nuclear density and morphometry of the malignant nuclei have been investigated in different tumors through the so-called digital signature. The technique consists of acquiring and processing nuclear images into digital histograms displaying the most important nuclear features. Several studies have demonstrated a potential role of the nuclear digital signature to establish the diagnosis of certain types of cancer and to evaluate the clinical evolution of specific lesions. In the present article, we summarize our initial experience with this innovative technique in patients with primary rectal carcinoma.
Key words: rectal cancer, kariometry, image analizys, nuclear chromatin.
Referências Biliográficas
1. Marcello PW, Schoetz DJ Jr. Surgery for colonic
carcinoma. In: Nicholls JR and Dozois RR, eds. Surgery of the colon
& rectum. New York, NY: Churchill Livingstone Inc; 1997.
p. 411_26.
2. Shepherd NA. Pathology. In: Nicholls JR and Dozois
RR, eds. Surgery of the colon & rectum. New York, NY:
Churchill Livingstone Inc; 1997. p. 349_63.
3. Dukes CE. The classification of cancer of the
rectum. J Pathol Bacteriol 1932; 35: 323_32.
4. Turnbull RB Jr, Kyle K, Watson FR, Spratt J. Cancer of
the colon: the influence of no-touch isolation technic on
survival rates. Ann Surg 1967; 166: 420_27.
5. Astler VA, Coller FA. The prognostic significance of
direct extension of carcinoma of the colon and
rectum. Ann Surg 1954; 139: 846_52.
6. Gunderson LL, Sosin H. Areas of failure found at
reoperation (second or syntomatic look) following "curative surgery"
for adenocarcinoma of the rectum: clinicopathologic correlation
and implications for adjuvant therapy. Cancer 1974; 34: 1278_92.
7. UICC - União Internacional Contra o
Câncer.TNM: classificação dos tumores malignos. Ministério da
Saúde. Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde.
Divisão Nacional de Doenças Crônico-Degenerativas 4º ed.
Brasília, Centro de Documentação do Ministério da Saúde; 1989: 47-9.
8. Gordon PH. Malignant neoplasms of the colon. In:
Gordon PH and Nivatvongs S, eds. Principles and Practice of
Surgery for the Colon, Rectum and Anus.
2nd ed. St.Louis, Missouri: Quality Medical Publishing
Inc; 1999. p. 575-717.
9. Rahman DM, Itakura H. Morphometry in histopathology.
An image analysis workstation for the pathology
laboratory. Analyt Quant Cytol Histol 1996; 18: 471_80 .
10. Burns TR, Underwood RD, Greenberg SD, Teasdale
TA, Cartwright J Jr. Cytomorphometry of large cell carcinoma
of the lung. Analyt Quant Cytol Histol 1989; 11: 48_52.
11. Wied GL, Bartels PH, Bahr GF, Oldfield DG. Taxonomic
intra-cellular analytic system (TICAS) for cell
identification. Acta Cytol 1968;12: 180-204.
12. Bartels PH, Montironi R, Hamilton PW, Thompson D,
Vaught L, Bartels HG. Nuclear chromatin texture in prostatic
lesions. I. PIN and adenocarcinoma. Anal Quant Cytol Histol
1998; 20: 389-96.
13. Rosito MA, Moreira LF, da Silva VD, Damin DC, Prolla
JC. Nuclear chromatin texture in rectal carcinoma.
Relationship to tumor stage. Anal Quant Cytol
Hystol 2003; 25: 25-30.
14. Rosito MA, Damin DC, Moreira LF, da Silva VD, Prolla
JC. Nuclear chromatin texture in rectal carcinoma.
Prognostic value. Quant Cytol Hystol 2003; 25: 215-20.
15. Kramer MS. Life table(survival) analysis. In: Kramer
MS, ed. Clinical epidemiology and biostatistics.
1st ed. Verlang, Berlin, Heidelbrg, New York: Springer; 1988. p. 236-53.
Endereço para correspondência:
Mário Antonello Rosito
Av. Gen. Barreto Viana, 265 - Bairro Chácara das Pedras
91.330-630 - Porto Alegre (RS)
E-mail: mrosito.ez@terra.com.br
Trabalho realizado nos Serviços de Coloproctologia e Citologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) _ Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Recebido em 14/01/2005
Aceito para publicação em 17/03/2005