ARTIGOS ORIGINAIS


TÉCNICA DE ASSINATURA DIGITAL NO CÂNCER DE RETO

Mário Antonello Rosito - TSBCP
Daniel de Carvalho Damin
Luis Fernando Moreira
Vinícius Duval da Silva
Carolina Rech
Cláudio Tarta
Paulo Contu
João Carlos Prolla


Rosito MA , Damin DC, Moreira LF, Silva VD, Rech C, Tarta C, Contu P, Prolla JC. Técnica de Assinatura Digital no Câncer de Reto. Rev bras Coloproct, 2005;25(1):38-40.

RESUMO: A análise das alterações morfométricas e densimétricas nucleares das células neoplásicas malignas tem sido investigada em diferentes tumores. A técnica conhecida como assinatura digital se baseia na obtenção de imagens de núcleos celulares que são computadorizadas e traduzidas graficamente em histogramas representativos do conjunto de características cariométricas e de cromatina da célula investigada. Estudos têm demonstrado o potencial de aplicação da assinatura digital no diagnóstico e definição de prognóstico em diferentes tipos de câncer. Neste artigo, relatamos nossa experiência no emprego da técnica em pacientes com adenocarcinoma primário de reto.

Unitermos: câncer de reto, análise de imagem, cariometria, cromatina nuclear.

Introdução
Cerca de 40% dos tumores colorretais malignos localizam-se no reto. Noventa e cinco por cento destes tumores são adenocarcinoma 1,2. Atualmente, o método de estadiamento empregado baseia-se nos critérios clínico-patológicos estáticos propostos na classificação de Dukes 3 e em suas modificações 4,5,6, ou, alternativamente, no sistema TNM 7.
    Estes sistemas de classificação, no entanto, falham muitas vezes em prever com precisão a evolução clínica de casos específicos, o que evidencia a necessidade de definição de parâmetros adicionais a serem incluídos no estadiamento do câncer de reto. Apesar da intensa investigação científica nas áreas de genética e biologia molecular, as novas descobertas ainda não se traduziram em variáveis aplicáveis à prática clínica ou em aumento da sobrevida média dos pacientes, que ainda permanece em torno de 50% em cinco anos 8.
    Há, portanto, necessidade de se buscar novos parâmetros prognósticos, preferencialmente na fase pré-operatória, que orientem a melhor opção terapêutica para cada caso. Neste sentido, a análise de imagem digital obtida de núcleos celulares tem demonstrado potencial para utilização no diagnóstico e avaliação prognóstica de tumores humanos 9,10. Basicamente, a chamada assinatura digital representa o registro de um conjunto de características cariométricas e de distribuição da cromatina nuclear, inicialmente transformado em padrões de características numéricas definidas, 11,12 que serão traduzidas graficamente em histogramas. A análise destes histogramas permite a identificação de variáveis prognosticas específicas de potencial utilização na prática clínica.
    Nossa experiência inicial com o emprego deste novo método no adenocarcinoma primário de reto, encontra-se publicada em dois artigos científicos 13, 14. Em resumo, através da análise de imagem digital analisamos blocos de parafinas de 51 espécimes de câncer de reto, classificados conforme o estadiamento de Dukes/Turnbull 4, e de 22 espécimes de retos normais (controles). A obtenção de imagens digitais foi realizada através de sistema de captura de imagem (videofotômetro) que contava de microscópio de imersão com fototubo com amplificação de resolução final de 200 e 500 X e videocâmara acoplada. As imagens eram transmitidas à placa digitalizadora e, subseqüentemente, gravadas em disco rígido e CD-room. A partir das imagens gravadas, eram selecionados núcleos das camadas basais dos casos de câncer e dos controles. Em cada um destes núcleos eram analisadas 93 características cariométricas do Sistema TICAS (Taxonomic Intra-Cellular Analytic System)11. Neste ponto, o método estatístico de Kruskal-Wallis 15 era utilizado para selecionar as 11 características nucleares mais distintivas entre os núcleos normais e os núcleos dos adenocarcinomas. O resultado final da análise digital das características verificadas era então graficamente apresentada sob a forma de histogramas representativos.
    A Figura-1 ilustra o resultado final da técnica através do histograma de assinatura nuclear digital de um caso normal em comparação aos diferentes estágios de Dukes/Turnbull do câncer de reto. Nota-se que o valor z médio está próximo do valor zero no controle normal, ao contrário do que ocorre no câncer. As características nucleares mais distintivas entre o normal e os casos de câncer foram as de número 1, 5 e 11, que correspondem respectivamente a Granularidade Nuclear, a Densidade Ótica Total e Área Nuclear.

 
Figura 1 - Assinatura digital nuclear do tecido de reto normal e do câncer de reto, nos estágios de Dukes-Turnbull.



    Dois resultados obtidos têm importância clínica potencial. O primeiro diz respeito à diferença estatisticamente significativa no padrão de assinatura digital dos casos de câncer em relação aos controles normais. Ou seja, através da assinatura digital obtida de um determinado espécime é possível dizer se se trata de um caso de câncer de reto ou não. O segundo diz respeito à sobrevida em 5 anos de acompanhamento de acordo com a assinatura digital obtida. Observou-se que, à análise multivariada dos valores da assinatura digital em relação ao estadiamento das lesões, três características nucleares representam fatores prognósticos independentes do estágio tumoral para previsão de morte por câncer de reto.
    Em conclusão, nossos estudos 13, 14 representaram a primeira investigação da técnica da análise de assinatura digital no câncer de reto. Os resultados sugerem que essa nova técnica possa ser útil na avaliação prognostica e individualização da terapia a ser empregada nos pacientes com este tipo de tumor. Novos estudos, entretanto, deverão ser realizados para a confirmação de nossos resultados e da verificação da aplicabilidade da técnica ao manejo clínico destes pacientes.

 

SUMMARY: Nuclear density and morphometry of the malignant nuclei have been investigated in different tumors through the so-called digital signature. The technique consists of acquiring and processing nuclear images into digital histograms displaying the most important nuclear features. Several studies have demonstrated a potential role of the nuclear digital signature to establish the diagnosis of certain types of cancer and to evaluate the clinical evolution of specific lesions. In the present article, we summarize our initial experience with this innovative technique in patients with primary rectal carcinoma.

Key words: rectal cancer, kariometry, image analizys, nuclear chromatin.

Referências Biliográficas
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Endereço para correspondência:
Mário Antonello Rosito
Av. Gen. Barreto Viana, 265 - Bairro Chácara das Pedras
91.330-630 - Porto Alegre (RS)
E-mail: mrosito.ez@terra.com.br 

Trabalho realizado nos Serviços de Coloproctologia e Citologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) _ Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Recebido em 14/01/2005
Aceito para publicação em 17/03/2005