DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
Sidney Roberto Nadal - TSBCP
Carmen Ruth Manzione - TSBCP
O câncer anal corresponde a 1,5% dos
tumores do aparelho digestivo e entre 2 e 4% de todos
os neoplasmas malignos do intestino
grosso.1,2 Sua incidência vem aumentando, desde os anos
80, especialmente entre homossexuais masculinos
com infecção pelo vírus da imunodeficiência
humana (HIV),3 parecendo estar
intimamente relacionado com a infecção pelo Papilomavirus humano
(HPV).4,5
A incidência de HPV em portadores de carcinoma anal variou de 35% a 60% na
literatura consultada.4,5 No entanto, outros fatores também
estão associados, tais como trauma, inflamação local,
sexo anal receptivo, imunossupressão e
tabagismo.2 A importância da depressão imunológica e da
infecção pelo HIV se mostra quando observamos que a
doença, antes mais freqüente em mulheres acima da
sexta década da vida, (relação de 4 a
5:1)6,7começa a incidir em homens, na terceira e quarta
décadas.8
As neoplasias intraepiteliais anais de alto
grau (NIAA) são prováveis precursoras do tumor
invasivo, com clara associação com os tipos de HPV de
alto risco.9 O risco de progressão pode estar ligado
à severidade da displasia10 e, embora não
haja comprovação, o tratamento dessas lesões preveniria
a progressão para
carcinoma.9,11,12,13 NIA e câncer
anal têm sido vistos mais freqüentemente na
junção escamocolunar, na linha
pectínea,14 e ambos estão associados com a infecção pelo
HPV.15 Os fatores de risco entre os homens que praticam sexo com
homens, incluem 10 ou mais episódios de sexo anal
receptivo durante a vida e a detecção de HPV anal. A
prevalência de NIAA também é elevada entre doentes
HIV-positivos usuários de drogas injetáveis, indicando
que a infecção anal pelo HPV e as NIAs podem
ser adquiridas, mesmo pelos não praticantes do sexo
anal receptivo.15 Já as mulheres jovens adeptas dessa
prática sexual e que têm passado de neoplasia
intraepitelial cervical (NIC) ou de infecção pelo HPV
são consideradas as mais propensas.7
Quanto ao aspecto clínico, quatro tipos
diferentes de apresentação puderam ser distinguidos nos
doentes com NIA, em ordem crescente de
freqüência: bowenóide, eritroplásica, verrucosa e
leucoplásica,9 que podem ter implicações prognósticas
distintas,9 embora não citadas.
Devido ao risco do surgimento do tumor anal e a possibilidade de detecção das lesões
precursoras, programas padronizados de rastreamento para
a prevenção do câncer anal e protocolos de
tratamento para NIA, em doentes infectados pelo HIV,
deveriam ser instituídos.9 O uso dos esfregaços anais
para citologia vem sendo realizado.3,13,15,16,17
Os achados mais freqüentes nas lesões escamosas
intraepiteliais anais (NIA) são as células displásicas,
as paraceratóticas e as bi ou multinucleares,
enquanto os coilócitos são incomuns. No material colhido
de NIAB, observa-se maior incidência de
células escamosas, bi ou multinucleadas e
moderadamente displásicas, seguidas dos paraceratócitos e
coilócitos. Na NIAA, notam-se células com características
de displasia moderada a acentuada e muitas
células paraceratóticas atípicas. Entretanto, as
características da NIAB podem ser vistas na
NIAA.16 Nesse estudo, o esfregaço anal teve alta sensibilidade (98%)
para detectar NIA, mas baixa especificidade (50%)
para prever a gravidade da lesão presente na
biópsia posterior.16 Todos os homens HIV-positivos
com contagens de linfócitos T CD4+ inferiores a
500/mm³, indiferente da história de sexo anal, deveriam
ser submetidos a rastreamento com citologia
anal.15 Além desses, os praticantes de sexo anal
receptivo encaminhados para tratamento de doenças
anorretais benignas deveriam ser submetidos a colposcopia
anal e biópsias de todas as áreas consideradas
anormais, pois o tratamento isolado das lesões externas
poderia deixar de diagnosticar NIA e carcinoma
anal.14
Há quem diga que a citologia anal seja
método mais aplicável que a colposcopia para diagnóstico
e seguimento, devendo ser usada mais amplamente em doentes de
risco.18 Todavia, o aspecto citológico
nem sempre corresponde ao achado da
biópsia.13,16,19 Qualquer anormalidade à citologia indica
a possibilidade de lesões de alto grau (NIAA)
na avaliação
histológica.19 Daí a importância
da colposcopia anal para definir os locais onde as
biópsias serão feitas, o que confirmará o grau da
lesão.13,17,20 Entretanto, estudos adicionais são necessários
para determinar a eficácia desse procedimento
para prevenção do tumor em
questão.15
A concordância entre as interpretações
da citologia e da biópsia ocorreu entre 32 e 50%
dos casos.3,10 Falhas de viés intra e interobservadores
foram observadas na interpretação da
NIA,10 colocando restrições ao método e justificando os
resultados variados da literatura.10 Para candidatar técnicas
para tratar ou prevenir que as lesões precursoras
progridam, a padronização e a melhora dos métodos
são essenciais.3,12 De qualquer
forma, programas padronizados de rastreamento para a prevenção
do câncer anal e protocolos de tratamento de NIA
deveriam ser instituídos em doentes de
risco,9 e acreditamos que a citologia anal possa servir para
rastreamento, selecionando os pacientes para colposcopia anal
e biópsias, evitando a progressão para o carcinoma anal.
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