DOENÇAS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS


A CITOLOGIA COMO MÉTODO PARA DETECÇÃO DE LESÕES PRECURSORAS DO CARCINOMA ANAL

Sidney Roberto Nadal - TSBCP
Carmen Ruth Manzione - TSBCP


NADAL RS, MANZIONE CR. Citologia Como Método Para Detecção de Lesões Precursoras do Carcinoma Anal. Rev bras Coloproct, 2005;25(1):72-74.

O câncer anal corresponde a 1,5% dos tumores do aparelho digestivo e entre 2 e 4% de todos os neoplasmas malignos do intestino grosso.1,2 Sua incidência vem aumentando, desde os anos 80, especialmente entre homossexuais masculinos com infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV),3 parecendo estar intimamente relacionado com a infecção pelo Papilomavirus humano (HPV).4,5
    A incidência de HPV em portadores de carcinoma anal variou de 35% a 60% na literatura consultada.4,5 No entanto, outros fatores também estão associados, tais como trauma, inflamação local, sexo anal receptivo, imunossupressão e tabagismo.2 A importância da depressão imunológica e da infecção pelo HIV se mostra quando observamos que a doença, antes mais freqüente em mulheres acima da sexta década da vida, (relação de 4 a 5:1)6,7começa a incidir em homens, na terceira e quarta décadas.8
   
As neoplasias intraepiteliais anais de alto grau (NIAA) são prováveis precursoras do tumor invasivo, com clara associação com os tipos de HPV de alto risco.9 O risco de progressão pode estar ligado à severidade da displasia10 e, embora não haja comprovação, o tratamento dessas lesões preveniria a progressão para carcinoma.9,11,12,13 NIA e câncer anal têm sido vistos mais freqüentemente na junção escamocolunar, na linha pectínea,14 e ambos estão associados com a infecção pelo HPV.15 Os fatores de risco entre os homens que praticam sexo com homens, incluem 10 ou mais episódios de sexo anal receptivo durante a vida e a detecção de HPV anal. A prevalência de NIAA também é elevada entre doentes HIV-positivos usuários de drogas injetáveis, indicando que a infecção anal pelo HPV e as NIAs podem ser adquiridas, mesmo pelos não praticantes do sexo anal receptivo.15 Já as mulheres jovens adeptas dessa prática sexual e que têm passado de neoplasia intraepitelial cervical (NIC) ou de infecção pelo HPV são consideradas as mais propensas.7
    Quanto ao aspecto clínico, quatro tipos diferentes de apresentação puderam ser distinguidos nos doentes com NIA, em ordem crescente de freqüência: bowenóide, eritroplásica, verrucosa e leucoplásica,9 que podem ter implicações prognósticas distintas,9 embora não citadas.
    Devido ao risco do surgimento do tumor anal e a possibilidade de detecção das lesões precursoras, programas padronizados de rastreamento para a prevenção do câncer anal e protocolos de tratamento para NIA, em doentes infectados pelo HIV, deveriam ser instituídos.9 O uso dos esfregaços anais para citologia vem sendo realizado.3,13,15,16,17 Os achados mais freqüentes nas lesões escamosas intraepiteliais anais (NIA) são as células displásicas, as paraceratóticas e as bi ou multinucleares, enquanto os coilócitos são incomuns. No material colhido de NIAB, observa-se maior incidência de células escamosas, bi ou multinucleadas e moderadamente displásicas, seguidas dos paraceratócitos e coilócitos. Na NIAA, notam-se células com características de displasia moderada a acentuada e muitas células paraceratóticas atípicas. Entretanto, as características da NIAB podem ser vistas na NIAA.16 Nesse estudo, o esfregaço anal teve alta sensibilidade (98%) para detectar NIA, mas baixa especificidade (50%) para prever a gravidade da lesão presente na biópsia posterior.16 Todos os homens HIV-positivos com contagens de linfócitos T CD4+ inferiores a 500/mm³, indiferente da história de sexo anal, deveriam ser submetidos a rastreamento com citologia anal.15 Além desses, os praticantes de sexo anal receptivo encaminhados para tratamento de doenças anorretais benignas deveriam ser submetidos a colposcopia anal e biópsias de todas as áreas consideradas anormais, pois o tratamento isolado das lesões externas poderia deixar de diagnosticar NIA e carcinoma anal.14
   
Há quem diga que a citologia anal seja método mais aplicável que a colposcopia para diagnóstico e seguimento, devendo ser usada mais amplamente em doentes de risco.18 Todavia, o aspecto citológico nem sempre corresponde ao achado da biópsia.13,16,19 Qualquer anormalidade à citologia indica a possibilidade de lesões de alto grau (NIAA) na avaliação histológica.19 Daí a importância da colposcopia anal para definir os locais onde as biópsias serão feitas, o que confirmará o grau da lesão.13,17,20 Entretanto, estudos adicionais são necessários para determinar a eficácia desse procedimento para prevenção do tumor em questão.15
    A concordância entre as interpretações da citologia e da biópsia ocorreu entre 32 e 50% dos casos.3,10 Falhas de viés intra e interobservadores foram observadas na interpretação da NIA,10 colocando restrições ao método e justificando os resultados variados da literatura.10 Para candidatar técnicas para tratar ou prevenir que as lesões precursoras progridam, a padronização e a melhora dos métodos são essenciais.3,12 De qualquer forma, programas padronizados de rastreamento para a prevenção do câncer anal e protocolos de tratamento de NIA deveriam ser instituídos em doentes de risco,9 e acreditamos que a citologia anal possa servir para rastreamento, selecionando os pacientes para colposcopia anal e biópsias, evitando a progressão para o carcinoma anal.

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