ATUALIZAÇÃO
Francisco Lopes-Paulo - TSBCP
Unitermos: colon, reto, glutamina, metabolismo, suplementação
A glutamina é um aminoácido não
essencial, cujo papel no metabolismo protéico e no
transporte de nitrogênio entre diversos órgãos, tem sido
muito pesquisado, principalmente quanto à possibilidade
de se tornar essencial em casos de demanda
aumentada 1. Sua ação trófica sobre a mucosa do intestino
delgado já é bastante conhecida
2,3. Trabalhos experimentais recentes têm demonstrado a ação desse
aminoácido sobre a parede colônica, com potencial
aplicabilidade clínica4.
Em 1935, Krebs5 descreveu a capacidade
de síntese e degradação da glutamina pelo rim
de mamíferos. Vinte anos depois,
Eagle6 enfatizou a importância da glutamina como nutriente em culturas
de tecidos. Esse aminoácido é encontrado
em concentrações relativamente altas em diversas
células de mamíferos, quando pode funcionar como
captador de amônia e doador de nitrogênio para a síntese
de vários compostos, tais como nucleotídeos,
mucossacarídeos e
aminoácidos7.
A glutamina é o aminoácido mais
abundante no sangue, correspondendo a um terço do
nitrogênio circulante sob a forma de aminoácidos. Sua
concentração varia de 600 a 800 mM e funciona como veículo para
o transporte de nitrogênio, que irá dar suporte à síntese
de uréia no fígado e de amônia no
rim8. Elwyn et al9 demonstraram, por diferença de concentração
artério-venosa, que uma quantidade significativa de
glutamina é absorvida pelas vísceras drenadas pelo sistema
porta. Diversos estudos têm demonstrado que a mucosa
do intestino delgado é a principal responsável por
essa absorção10-14. Outros trabalhos demonstraram o
papel fundamental desempenhado pelo fígado no metabolismo
desse aminoácido, sendo capaz de funcionar
como consumidor ou produtor de glutamina, de acordo
com as necessidades de diversos processos fisiológicos
ou patológicos15,16.
A concentração de glutamina no sangue
cai significativamente em doenças graves, levando a
um estado de depleção acentuada desse
aminoácido2,17,18. Pode ser observada uma diminuição de até 75 %
na concentração intracelular de glutamina no
músculo estriado de pacientes sépticos, sendo essa
diminuição correlacionada à
mortalidade19.
O intestino delgado do rato absorve cerca
de 25 % da glutamina circulante, sendo essa
absorção menos intensa em cães e no
homem20-22. Ela é captada pelas células epiteliais do intestino a uma
velocidade semelhante à da captação da glicose, sendo mesmo
mais importante do que esta como fonte energética
para enterócitos e
colonócitos13, embora estes
últimos utilizem preferencialmente ácidos graxos de
cadeia curta como fonte
energética23.
A captação de glutamina pelas células
epiteliais se faz a partir da luz intestinal e dos capilares,
através da membrana baso-lateral. O transporte através
da membrana a partir da luz, se faz por meio de uma
via Na+ dependente e em menor grau por uma via
Na+ independente. O transporte através da
membrana basolateral é Na+ e pH
dependente24,25. Estudos adicionais demonstraram, por estudo através de
carbono e nitrogênio marcados, que a glutamina é
igualmente metabolizada, independentemente da via pela qual é
absorvida10-14. O metabolismo intracelular da
glutamina é regulado através de duas enzimas principais:
a glutaminase, que catalisa a hidrólise da glutamina
em glutamato e a glutamino-sintetase, que catalisa a
síntese de glutamina a partir de glutamato e
amônia20. As células epiteliais da mucosa intestinal têm
alta concentração de glutaminase, compatível com as
altas taxas de captação e consumo de
glutamina26.
Funcionalmente a glutamina é utilizada
pelo intestino como uma importante fonte energética,
como fonte de nitrogênio amídico para a síntese
de nucleotídeos e no processamento de carbono
e nitrogênio oriundos de outros tecidos para
posterior utilização pelo fígado e pelos rins. Através de
vias metabólicas secundárias, a glutamina fornece
ainda carbono e nitrogênio para a síntese de alanina,
citrulina e prolina.
O fígado desempenha um papel central no metabolismo da glutamina, pois é capaz de
absorver ou liberar quantidades significativas de glutamina
de acordo com as necessidades metabólicas do
organismo. O fígado possui uma característica peculiar, segundo
a qual os hepatócitos peri-portais apresentam
alta concentração de glutaminase, enquanto os
hepatócitos peri-venosos apresentam concentração elevada
de glutamino-sintetase. Essas duas populações
celulares respondem às concentrações de glutamina e
amônia no sangue portal, captando ou liberando cada um
desses elementos de acordo com as
necessidades metabólicas do organismo. O fígado utiliza ainda
a alanina produzida pela degradação da glutamina
no intestino para a
gliconeogênese27.
Pacientes mantidos por longos períodos
em nutrição parenteral e dieta zero, costumam
desenvolver atrofia das vilosidades do intestino delgado,
com conseqüente síndrome de má
absorção28. Tem sido demonstrado que a ingestão oral de alimentos
desempenha papel fundamental na manutenção
de funções da mucosa, tais como a secreção
de imunoglobulinas, secreção de muco e
multiplicação normal dos
enterócitos2.
Estudos recentes têm obtido
resultados favoráveis em impedir essas alterações, adicionando
o dipeptídeo L-alanil _ L-glutamina às soluções
de nutrição
parenteral3,29-31, embora alguns
pesquisadores contestem esse
benefício32. Esse dipeptídeo, estável
em soluções aquosas, é hidrolisado após a infusão
venosa, liberando alanina e glutamina, tornando esta
última disponível para utilização pelas células da
mucosa intestinal33-34. Resultados favoráveis têm sido
obtidos também com a adição de L-glutamina a
dietas elementares utilizadas em pacientes incapazes
de aceitar dieta oral completa 35.
A Utilização de Glutamina pelo Cólon e Reto
As células epiteliais da mucosa
colônica utilizam como fonte energética primária, ácidos
graxos de cadeia curta, principalmente os
ácidos acético, propiônico e butírico
36-37. Esses são formados pela fermentação bacteriana anaeróbia
de fibras residuais contidas no bolo fecal. Em segmentos derivados do cólon, a ausência do
bolo fecal impede essa formação e sua
conseqüente absorção e utilização pelas células epiteliais.
Nessa situação, a glutamina, que é um substrato
energético secundário para essas células, passa a ser
primordial, podendo ser utilizada preferencialmente à
glicose como fonte energética 23.
Estudos experimentais recentes têm demonstrado que a glutamina pode ser um elemento
com atividade energética e trófica importante para o
cólon submetido a situações de estresse, como é o caso
de segmentos derivados. Esses segmentos apresentam atrofia da parede, principalmente às custas
do epitélio, tendo o emprego de glutamina evitado
essas alterações 3,38.
De modo semelhante, segmentos colônicos submetidos a radiação, apresentam uma diminuição
do seu conteúdo de colágeno, com
conseqüente diminuição da pressão de ruptura e maior risco
de deiscência, em anastomoses neles realizadas.
A suplementação de glutamina nesses animais foi
capaz de atenuar significativamente esses efeitos
da radiação39-40.
Comentários
A glutamina, apesar de sua importância
no metabolismo proteico e no transporte de nitrogênio,
é considerada um aminoácido não essencial.
Essa denominação deve-se ao fato de que o organismo
é capaz de sintetizá-lo a partir de outros
aminoácidos. No entanto, em situações de estresse, a demanda
pode superar a capacidade de síntese, tornando a
sua suplementação essencial.
Até recentemente, acreditava-se que
esse aminoácido tivesse ação significativa apenas sobre
o intestino delgado. No entanto, estudos
experimentais recentes, como os citados anteriormente, mostram
que a glutamina pode ter atuação importante sobre o
cólon em situações de demanda aumentada.
No momento, são aguardados estudos
clínicos que possam verificar a atuação dessa substância
no cólon e reto de humanos.
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