ARTIGOS ORIGINAIS
Obstrução Intestinal - Análise Retrospectiva da Etiologia e Morbi-mortalidade no Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO)
Helio Moreira Jr.1, Helio Moreira1, Raniere Rodrigues Isaac1, Alex Curi AndrÉ Campos Fernandes1, Joane Carla Santos Mascarenhas1, José Paulo Teixeira Moreira1
1Serviço de Coloproctologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Goiás, Goiás, Brasil
RESUMO: A oclusão intestinal ainda desafia os cirurgiões nos tempos atuais, não apenas pela difícil determinação do momento ideal para intervenção cirúrgica, como também pelas dificuldades encontradas na realização do ato operatório em si. Vários autores referem aumento da sua incidência, principalmente às custas de aderências pós-operatórias. O objetivo deste estudo foi o de avaliar uma amostragem regional de pacientes atendidos em serviço de urgência com diagnóstico de obstrução intestinal, comparando os dados com os da literatura disponível. No período compreendido entre janeiro de 1999 e janeiro de 2000, foram revistos os prontuários de pacientes admitidos no Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO) com o diagnóstico de obstrução intestinal. De um total de 142 pacientes, predominaram as obstruções "baixas" (78 casos) em relação às "altas" (64 casos), o que diferiu da literatura revisada. Aderências foram a causa mais comum de obstrução - 53 casos ou 37,32%, seguida por colopatia chagásica - 46 casos ou 32,30% (fecaloma 18,3% e volvo 14,08%), neoplasias colorretais - 22 (15,49%), hérnias - 7 (4,92%) e outras causas 9,88%. Obstrução do intestino grosso foi causada mais comumente por complicações do megacólon chagásico em 58.97% das vezes, determinando em 65% dos casos o tratamento cirúrgico e em 35% o clínico, morbidade geral de 34,55% (n=27) e mortalidade de 15,38% (n=12). Obstrução de intestino delgado (n=64) foi causada por aderências pós-operatórias em 53 casos (82,8%). Destes, necessitaram de cirurgia 62,66% (n=33) e tratamento clínico 37,73% (n=20) com 30,30% (n=19) de enterectomias e 9,09% (3) de enterotomias inadvertidas. Ocorreram oito óbitos (sete casos operados e 1 caso tratado clinicamente). Concluímos que, em nosso meio, a doença aderencial é a causa mais importante de oclusão intestinal e está associada a morbi-mortalidade elevada, quando os casos são tratados em situações de urgência. Destacamos a presença das oclusões, por complicações do megacólon chagásico, como a segunda principal causa de internação e tratamento cirúrgico, o que não é referido na casuística de outros autores. Medidas profiláticas são justificadas nas duas situações.
Descritores: obstrução intestinal, etiologia, morbidade
Introdução
A obstrução intestinal continua sendo
um grande desafio para a medicina de urgência nos
tempos atuais, com um aumento gradativo e significativo
da sua incidência na população, principalmente em
países desenvolvidos; embora o mesmo fenômeno
esteja também ocorrendo em regiões consideradas
sub-desenvolvidas. A explicação para este último fato
talvez esteja na maior facilidade de acesso da população
ao atendimento médico, resultando, como
conseqüência, maior número de cirurgias abdominais, o
que determina, a médio e longo prazo, aumento do
número de casos de pacientes com obstruções devidas
a aderências intra-abdominais pós-cirúrgicas.
Sabe-se que, há alguns anos atrás, a principal causa de
obstrução intestinal eram as "hérnias encarceradas"; com o
passar dos anos, observou-se, progressivamente,
maior incidência de obstruções causadas por
neoplasias malignas, assim como as devidas à "doença aderencial".
Têm sido publicados vários trabalhos sobre
a freqüência de aderências pós-operatórias e o
impacto econômico causado por esta complicação em
países desenvolvidos1, 2, 3, 4. A alta incidência e o grande
custo financeiro associado a esta condição e relatados
nestas casuísticas, despertaram o nosso interesse para
avaliar, em uma amostragem regional, a sua incidência
em pacientes atendidos em um serviço de urgência,
cujo diagnóstico sindrômico era o de obstrução intestinal.
Estudamos, nesta população, a incidência, etiologia
e a morbi-mortalidade.
Pacientes e métodos
No período compreendido entre janeiro
de 1999 a janeiro de 2000 foram estudados, retrospectivamente, os prontuários de todos
os pacientes adultos, admitidos no Hospital de
Urgências de Goiânia (HUGO) com diagnóstico inicial
de obstrução intestinal. Os mesmos foram
distribuídos, inicialmente, em dois grupos:
1. Obstrução intestinal alta (intestino delgado)
2. Obstrução intestinal baixa (colorretal)
Após a catalogação, foram
avaliados, separadamente, somente os pacientes com
quadro clínico de oclusão ou sub-oclusão intestinal
causadas por aderências pós-operatórias.
Os casos foram conduzidos por várias
equipes de cirurgiões do aparelho digestivo daquele
hospital. A avaliação inicial, rotineiramente adotada por
aquele serviço, consistia de história clínica, exame
físico, avaliação radiológica (tórax e abdome sem
contraste), hemograma, urina e eventualmente, dependendo
de cada caso, eram realizados outros exames bioquímicos.
Salvo os casos de pacientes em que o quadro clínico inicial era de peritonite já instalada,
quando então era recomendado o tratamento
cirúrgico imediato, tentou-se, inicialmente, o tratamento
clínico dos pacientes.
Urgências abdominais isquêmicas ou inflamatórias (apendicite, pancreatite, etc) não
foram incluídas nesta casuística, mesmo que, no
primeiro atendimento, a hipótese de oclusão intestinal
fosse aventada.
O método de análise estatística utilizada foi
o teste exato de Fisher, sendo considerado como significativo quando p<0,05.
Resultados
Foi identificado um total de 142
admissões com diagnóstico de obstrução intestinal no
período estudado (janeiro/1999 a janeiro/2000). As
aderências pós-operatórias foram as causas mais comuns
de obstrução, perfazendo um total de 53 casos
(37.32%), seguida por complicações do megacolon
chagásico com 46 casos (fecaloma 26 ou 18,3% e volvo 20
ou 14,08%), neoplasias colorretais com 22 casos (15,49%), hérnias - 7 casos (4,92%) e outros
pacientes com diagnósticos menos comuns - 14 casos ou
9,88% (doença inflamatória intestinal, divertículo de
Meckel, neoplasia de intestino delgado, tumores retroperitoneais etc.)
Tabela-1.
|
Obstrução intestinal alta
Sessenta e quatro pacientes foram admitidos com o diagnóstico de obstrução intestinal alta,
sendo, na sua grande maioria, do sexo masculino (M=40
vs F=24). A média de idade destes pacientes foi de
59 anos, acometendo os dois extremos da vida adulta
(19-92 anos).
Bridas ou aderências foram as causas de obstrução intestinal da grande maioria dos
pacientes com obstrução intestinal alta - 82.8% (53
casos), seguida pela formação de hérnias encarceradas
10,93% (7 casos). Causas mais raras de obstrução
intestinal alta incluíram divertículo de Meckel 1,6% (1),
tumores de delgado 1,6% (1), tumores retroperitoneais
causando compressão extrínseca de alças de delgado 1,6% (1)
e 1 caso sem definição etiológica (1,6%),
resolvido clinicamente. Tabela-2
|
Seguindo a rotina estabelecida pelo
Serviço, inicialmente todos os pacientes eram submetidos
à conduta clínica expectante ou conservadora. Vinte
e um (32,89%) deste contingente de 64 pacientes
foram submetidos e resolvidos seus quadros somente
com tratamento clínico conservador (jejum, colocação
de sonda nasogástrica, hidratação venosa,
monitoramento da diurese e balanço hidroeletrolítico). A dieta
oral destes pacientes era iniciada quando melhorava
o quadro de distensão abdominal, apresentavam
um débito da sonda nasogástrica menor do que
150ml/24h e ocorresse a eliminação de gases e/ou fezes.
Embora com evidente melhora clínica, o paciente era
mantido internado, sob estrita observação, por pelo menos
48 horas, quando, se não houvesse sinais clínicos
ou radiológicos de recidiva ou persistência do quadro,
era providenciada a alta hospitalar.
Os outros quarenta e três pacientes
(67.18%) foram também submetidos, inicialmente, à
conduta clínica conservadora, com duração que variava de
24 a 48 horas. Como não houve resolução satisfatória
dos casos, os mesmos foram tratados cirurgicamente.
A enterectomia foi necessária em 14 destes
pacientes (32,5% dos casos cirúrgicos); três
enterotomias inadvertidas ocorreram durante a liberação de
bridas, sendo então necessária a realização de enterorrafias;
a herniorrafia foi realizada em 7 casos cujas causas
da obstrução intestinal eram encarceramento. Tabela-3.
|
Dezessete pacientes (26,5%) com quadro de obstrução intestinal alta apresentaram
intercorrências clínicas durante a sua admissão e tratamento
hospitalar, sendo que, na maioria dos casos, houve uma
associação de seu quadro oclusivo com outras condições
mórbidas. Tabela-4.
|
Treze (20,31%) dos sessenta e quatro pacientes admitidos no Hospital de Urgência de Goiânia com
o diagnóstico de obstrução intestinal alta evoluíram
para o óbito. Dois pacientes chegaram ao Serviço
em péssimo estado geral, com distúrbio
hidroeletrolítico importante e sinais clínicos de choque
séptico, evoluindo para o óbito nas primeiras 6 horas após
a admissão hospitalar, sem apresentar, portanto, a
mínima possibilidade de se submeterem ao provável
tratamento cirúrgico. Nos restantes onze pacientes o
tratamento proposto incluiu a realização de
laparotomia exploradora. Tabela-5.
|
Achados cirúrgicos nestes onze pacientes
que faleceram:
- Sete deles foram submetidos à lise de
aderências, sendo que em 3 deles havia, também, necrose
parcial de delgado (tendo sido feitas enterectomias),
dois tiveram enterotomias inadvertidas durante a lise
de aderências e os outros dois pacientes apresentavam
co-morbidades que agravaram o quadro clínico (um
com quadro de insuficiência hepática decorrente de
cirrose Child C e o outro havia sido admitido, associado
à obstrução intestinal, com um quadro de
insuficiência renal aguda).
- 2 pacientes com hérnias encarceradas, sendo que
em um deles havia necrose segmentar da alça envolvida.
- 1 paciente com carcinomatose peritoneal.
- 1 paciente com Divertículo de Meckel e necrose
de cólon direito.
O tempo médio decorrido entre a admissão e
o início da cirurgia destes 11 pacientes que foram a
óbito foi de 48 horas. Naqueles indivíduos com
obstruções intestinais altas, tratados cirurgicamente, e que
não evoluíram para o óbito, encontramos o tempo
médio de 32 horas entre a admissão e o início da
cirurgia, sendo esta diferença, entre aqueles que faleceram e
os que sobreviveram, estatisticamente significante (p>0.05).
Obstrução intestinal baixa
Um total de setenta e oito pacientes foi admitido com o diagnóstico de obstrução
intestinal baixa, sendo que 35%(n=27) destes foram
tratados exclusivamente com conduta clínica. Tabelas-5 e 6.
A maioria destes pacientes que foram tratados clinicamente apresentava, como etiologia da
provável obstrução, a presença de impactação fecal
(n=26), sendo empregado com sucesso o uso de
lavagem intestinal retrógrada (via retal) com solução
fisiológica até o seu completo esvaziamento.
|
Dois pacientes com volvo da sigmóide
foram, também, tratados clinicamente com o uso
da descompressão endoscópica com retossigmoidoscópio. Cinqüenta e um
pacientes (65%) foram tratados cirurgicamente, sendo que
a presença de lesões neoplásicas estenosantes de
cólon (n=22; 43,1%), seguida pelo volvo do cólon
sigmóide (n=18; 35,3%), as principais causas de indicação
de tratamento cirúrgico. Os procedimentos
realizados neste grupo incluíram: cirurgia de Hartmann
(n=25), colostomia em alça (n=9), colostomia a
Mickulicz (n=3), hemicolectomias (n=5),
sigmoidostomia anterior ou técnica de H.
Moreira18 (n=5), colectomia total com ileostomia (n=2), laparotomia
exploradora (n=1) e esvaziamento de fecaloma sob
anestesia (n=1).
Por vivermos em zona endêmica, a
provável etiologia chagásica foi aventada em todos os casos
de impactação fecal e volvo do cólon sigmóide,
avaliando-se o diagnóstico sorológico prévio (referido
na anamnese pelos pacientes ou responsáveis),
história clínica e epidemiológica ou pela associação com
o megaesôfago e/ou cardiopatia chagásica.
Ocorreram 27 complicações
pós-operatórias em pacientes operados devido a obstrução
intestinal baixa, algumas delas foram relacionadas a
co-morbidades já existentes, incluindo dentre elas
a insuficiência cardíaca congestiva (n=5),
arritmia cardíaca (n=2) e diabetes (n=1). Dois destes
pacientes com insuficiência cardíaca congestiva grave e
um paciente diabético se apresentavam em
franca descompensação clínica na admissão hospitalar.
As complicações pós-operatórias mais comuns foram
insuficiência cardíaca descompensada (n=5),
seguida por insuficiência renal aguda (n=4) e por
complicações pulmonares sépticas (n=4). Tabela-7.
|
Do total de 78 pacientes admitidos com diagnóstico de obstrução intestinal baixa,
doze evoluiram para óbito (9,3%), sendo que somente
a metade deles foi submetida a tratamento cirúrgico
(três com volvo do sigmóide, um com adenocarcinoma
de cólon, um com doença diverticular e um com
síndrome de Olgivie) Tabela-5. Nos seis pacientes que
evoluíram para o óbito e que receberam somente
tratamento clínico, quatro apresentavam-se com fecalomas e
nos outros dois o diagnóstico era de volvo do
cólon sigmóide. O grave estado geral destes pacientes
na admissão hospitalar impossibilitou a tentativa
de tratamento cirúrgico, visto que se tratava de
cardiopatas chagásicos graves (três sofriam insuficiência
cardíaca congestiva e outros dois arritmias
cardíacas importantes). Em duas oportunidades estes
se apresentavam também com insuficiência renal aguda
- Tabela-8.
|
Análise dos casos de obstrução intestinal por bridas
Em cinqüenta e três pacientes do total de
cento e quarenta e duas admissões hospitalares foram
feitos os diagnósticos de obstrução intestinal devida a
bridas pós-operatórias, o que corresponde a 37,32% do
total de 142 casos admitidos com diagnóstico de
obstrução intestinal e a 82,8% dos casos de obstrução
intestinal "alta". Não foi registrado nenhum caso de
obstrução intestinal "baixa" secundário a bridas. A média de
idade destes pacientes foi de 40 anos de idade, sendo que
a maioria deles era do sexo masculino (Masc=33/Fem=20).
Vinte pacientes (37,73%) tiveram
resolução clínica da obstrução, enquanto que os outros
33 (62,66%) foram submetidos a tratamento
cirúrgico, sendo que em 23 deles (69,69%) fez-se
exclusivamente a lise das aderências. Em dez oportunidades
foi necessária a realização de enterectomias
complementares à lise de aderências, correspondendo a
30,3% dos operados. Três enterotomias inadvertidas
(9,09%) foram registradas. Oito pacientes deste grupo
de "doença aderencial" foram a óbito (taxa de
mortalidade de 15,09%). Sete deles foram a óbito
pós-cirurgias (quatro com apenas bridas e 3 necroses de alça).
Um paciente foi a óbito após tratamento clínico
conservador exclusivo.
DISCUSSÃO
Como já foi afirmado, o atendimento de pacientes com quadro clínico de obstrução
intestinal desafia o cirurgião que atua em serviços de
urgência, não apenas pela difícil definição do momento ideal
para se realizar a intervenção
cirúrgica5,6,7,8, como
também pelas dificuldades encontradas na realização do
ato operatório em si.
Considerando o problema como sendo de "saúde coletiva", vários autores se dedicaram a
avaliar a questão da oclusão intestinal sob este prisma e
seu possível impacto em termos de saúde populacional.
Segundo Ellis e colaboradores9 este
impacto ocorre principalmente em conseqüência das
aderências intestinais pós-cirúrgicas. Analisando dados do
Serviço Nacional de Saúde da Escócia, de pacientes
submetidos à laparotomia em 1986, estes autores observaram
que, em 10 anos de seguimento, 32,6% destes
pacientes foram re-internados por doenças relacionadas
às aderências intestinais, sendo que 7,3%
tiveram readmissões relacionadas diretamente às
aderências. Estes atendimentos implicam em enorme
ônus financeiro para o sistema de saúde. Em avaliação
feita por Ray e colaboradores4, no ano de 1994, os
custos de assistência médica a pacientes provenientes
do sistema Medicare americano (governamental) secundários às aderências pós-operatórias,
atingiram a cifra de $3 bilhões de dólares. Em extensa revisão
da literatura publicada em 1997,
Carrión10 afirma que a obstrução do intestino delgado e grosso continua
sendo um problema muito importante de saúde, por ser
causa freqüente de intervenções cirúrgicas urgentes,
com índices de mortalidade que variam de 6-10%
em diferentes estudos.
No Brasil não há estatística oficial sobre
o assunto; para Brenner e
colaboradores11, em análise retrospectiva de 276 pacientes operados, o
padrão epidemiológico observado na casuística
nacional equivale ao registrado nos paises desenvolvidos,
onde predominam as obstruções de delgado (69%),
sendo as hérnias e as bridas as principais causas.
No presente estudo avaliou-se uma amostragem regional, na tentativa de se definir
as características etiológicas envolvidas nos
quadros obstrutivos, comparando com dados disponíveis
da literatura.
Escolheram-se os registros do Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO) como material de
pesquisa, pelo fato desta instituição ser o maior
pronto socorro público da cidade de Goiânia,
exclusivamente destinado ao "pronto atendimento" médico.
Acreditou-se com isso que a amostra coletada representasse,
com alguma fidelidade, o cenário das urgências
abdominais obstrutivas no estado de Goiás no final do século
20 (período de Jan/1999 a Jan/2000).
De um total de 142 admissões naquele
período, observou-se o predomínio das obstruções
intestinais baixas 54,92% (n=78) em relação às obstruções
altas 45,07% (n=64), diferindo com o da literatura internacional. Segundo
Ericksen12 as obstruções
de intestino grosso representam apenas 6,3% do total
das obstruções intestinais, sendo o carcinoma
responsável por 90% dos casos.
No grupo de pacientes atendidos no HUGO, com quadro clínico de obstruções "baixas", as
causas foram, principalmente, devidas a complicações
do megacólon chagásico _ 26 casos de fecaloma e 20
casos com volvo da sigmóide (18,3% e
14,08%, respectivamente, do total de obstruções).
Em áreas não endêmicas de doença de
Chagas, os casos de volvo do cólon sigmóide
representam apenas 4 a 5% do total de obstruções de
intestino grosso. Em nosso material, dos 78 casos atendidos,
20 (25,6%) eram de volvo do sigmóide, sendo 18
destes pacientes operados (com três óbitos) e 2 tratados
com descompressão endoscópica (pacientes sem
condições cirúrgicas; ambos faleceram). Entre os 26
casos também portadores de colopatia chagásica e que
se apresentavam com quadro obstrutivo por
fecaloma, foram registrados quatro óbitos, todos associados a
co-morbidades graves que debilitavam o estado geral
dos pacientes.
Esta incidência tão importante da doença
de Chagas intestinal complicada surpreendeu até
mesmo os responsáveis por este estudo que, apesar da
longa experiência acumulada no trato do problema,
não previam que esta endemia ainda figurasse, no final
do século 20, como causa tão significativa de
abdome agudo obstrutivo, além disto associada a
importante mortalidade. Observação semelhante já havia sido
feita por Petroianu e cols13; para estes autores, a
distribuição etiológica das obstruções intestinais parece variar
de acordo com o desenvolvimento das populações.
Em estudo de 374 pacientes operados por
obstrução mecânica, os volvos e os fecalomas foram as
causas mais freqüentes de obstrução, logo depois
das aderências intestinais.
O atendimento emergencial realizado nos pacientes deste nosso material, ou seja, nos
portadores de obstruções por complicações devidas ao
megacólon chagásico levou a indicação de colostomia em
todos os casos operados. Este fato ainda foi fator desencadeante de importantes
descompensações clínicas, contribuindo para a ocorrência de índices
de morbidade elevados, 34,61% (n=27). O provável
e desejável atendimento eletivo destes pacientes,
assim como a atuação profilática contra a transmissão
da doença poderá, no futuro, desafogar os serviços
de pronto atendimento, reduzindo, por conseqüência,
o número de casos de urgências "obstrutivas"
causadas por esta entidade nosológica.
Quanto às obstruções ditas "altas", dos
64 atendimentos, 53 foram conseqüentes a
aderências intestinais (81,6%), seguidos de sete casos de
hérnias encarceradas (10,93%). A revisão da
literatura, principalmente da internacional, sugere que cerca
de 70% dos casos de obstrução de delgado são devidas
a aderências14, 15. Não é exagero afirmar-se que tratar
das obstruções de delgado consiste basicamente em
tratar das obstruções por aderências pós-operatórias.
Na cidade de Goiânia, de acordo com este
nosso material, a doença aderencial foi a causa isolada
mais importante de obstrução intestinal, com cerca de
37,32% (n=53 casos) do total de 142 admissões, superando
até mesmo os casos devidos a complicações provocadas
pela doença de Chagas e reafirmando a importância
etiológica desta entidade, levando-se em consideração que
vivemos em uma zona endêmica da doença.
Podemos observar que as aderências intra-peritoneais resultaram em 33 laparotomias
(62,66%) com apenas 20 casos com resoluções
exclusivamente clínicas (37,73%). Estes números sugerem que
a "resolução cirúrgica" tende a ser, na maioria das
vezes, o "destino" dos casos atendidos em regime de
urgência. No entanto, as laparotomias não evitaram os riscos
de complicações e óbitos (dos oito óbitos, sete foram
em pacientes submetidos a cirurgias). Este fato retrata
o desafio em se precisar o momento ideal para se
operar. Freqüentemente os sintomas da obstrução
com "estrangulamento" e conseqüente sofrimento
vascular da alça são indistinguíveis daqueles com
obstrução simples5,6,7,8. Medidas propedêuticas,
com especificidade confiável, ainda não estão disponíveis.
A análise do tempo decorrido entre a
admissão e a cirurgia e a conseqüente mortalidade,
mostrou diferença estatisticamente significante nesta
casuística, com ocorrência de menor número de óbitos
em pacientes operados mais precocemente. Além
disso, dos 7 casos operados e que faleceram no
pós-operatório, 3 apresentavam necrose de
delgado. Acredita-se, por estes dados, que a cirurgia
mais precoce, apesar das dificuldades inerentes ao procedimento e a morbidade relacionada,
pode representar fator redutor dos índices de mortalidade.
Dos 33 casos de pacientes obstruídos por aderências pós-cirúrgicas e que foram tratadas
por laparotomia, 23 (69,69%) foram resolvidos apenas
com lise de aderências; foram realizadas 10
enterectomias (30,63%) com enterotomias inadvertidas em 3
casos (9,09%), o que sugere a execução de atos
operatórios muito trabalhosos.
Não houve seguimento tardio dos
pacientes, portanto, não se registraram, neste estudo, dados
sobre os índices de recidiva dos quadros obstrutivos;
há registros na literatura de taxas de recidiva,
variando de 15 a 30%7, 16,17. No clássico estudo de Becker e
cols3, afirma-se que o percentual de recidiva alcança
53%, dependendo do tipo de cirurgia, ao passo que chega
a 85% se o procedimento tiver que ser repetido, o
que prova, mais uma vez, a importância das
aderências peritoneais.
Para concluir, remetendo-se agora, novamente, a uma avaliação global dos casos de
obstrução intestinal, percebemos que as causas de
maior freqüência em nosso meio (doença aderencial,
colopatia chagásica, e também câncer de cólon e as hérnias)
são passíveis de profilaxia e tratamento precoce. Esta
atuação é francamente desejável, deve ser estimulada, e
pode evitar a evolução para o abdome agudo
obstrutivo, impedindo as grandes repercussões sistêmicas,
com evidente risco de morte para o paciente. Espera-se
que os dados referidos aqui, com especial referência dada
à etiologia e à morbimortalidade, orientem a atuação
dos gestores de saúde e sejam as justificativas
para investimentos em pesquisa nesta área.
CONCLUSÃO
Conclui-se que em Goiânia, as aderências
pós-operatórias são a causa isolada mais importante
de oclusão intestinal, associada à
morbi-mortalidade elevada quando os casos são tratados em serviço
de urgência, o que coincide com a análise de
outros autores. Conclui-se ainda que, de forma oposta
à literatura disponível, nesta casuística a
"oclusão intestinal baixa" predomina em relação à
"obstrução alta" em termos numéricos, por conseqüência
das complicações relacionadas ao megacólon
chagásico (endemia regional). Atuação profilática é
justificável pelos resultados aqui disponibilizados e deve ser
mais bem estudada nas duas situações.
SUMMARY: Bowel obstruction remains a great challenge for general surgeons, not only due to the difficulty in determining the critical moment to indicate surgery, but also to the high morbidity associated with surgical treatment of this medical condition. There are inumerous references of a higher incidence of bowel obstruction, especially those caused by post-operative adhesions. The aim of this study was to determine the profiles of patients admitted at a local referenced emergency hospital (HUGO) with the diagnosis of bowel obstruction. One hundred and forty-two patients were admitted at HUGO from January 1999 to January of 2000 with bowel obstruction. Adhesions were the most common cause of obstruction (53 cases or 37,32%), followed by Chagasic megacolon (22 patients or 15,49%), and incarcerated hernias (7 patients or 4,92%). The majority of these cases were large bowel obstructions (78 cases) compared to small bowel obstructions (64 cases). The most common cause of large bowel obstruction was due to Chagasic megacolon complications (58,97%), including sigmoid volvulus and fecaloma. 65% of these patients were surgically treated whereas 35% were clinically managed. Morbidity and mortality rates on this specific group of patients were considerably high (34, 55% and 15, 38%, respectively). Postoperative adhesions were the commonest cause of small bowel obstruction (53 out of 64 cases). The majority of these patients were surgically treated (62,66% vs. 37,73%). The risk of enterectomies, in adverted enterotomies and the mortality rate were significant when surgical treatment was necessary (57,6% and 9,1%, and 21,2% respectively). We concluded that post-operative adhesions were the most common cause of bowel obstruction. This medical condition is associated with a considerable morbimortality rate. Complications of Chagasic megacolon remain an important cause of large bowel obstruction in our region, and are also associated with high morbidity and mortality rates. Therefore, prophylactic measures are recommended for both medical conditions.
Key words: bowel obstruction, evaluation, etiology
Referências Biliográficas
1. Ellis H: The clinical significance of adhesions: focus on
intestinal obstruction. Eur J Surg Suppl. 1997; 577: 5-9.
2. Menzies D, Ellis H: Intestinal obstruction from
adhesionshow big is the problem? Ann R Coll Surg Engl. 1990; 72:
60-3.
3. Becker JM, Dayton MT, Fazio VW, Beck DE, Stryker
SJ, Wexner SD, et al.: Prevention of postoperative
abdominal adhesions by a sodium hyaluronate-based bioresorbable
membrane: a prospective, randomized, double-blind
multicenter study. J Am Coll Surg. 1996; 183: 297-306.
4. Ray NF, Denton WG, Thamer M, Henderson SC, Perry
S: Abdominal adhesiolysis: inpatient care and expenditures
in the United States in 1994. J Am Coll Surg. 1998; 186: 1-9.
5. Stewardson RH, Bombeck CT, Nyhus LM: Critical
operative management of small bowel obstruction. Ann Surg.
1978; 187: 189-93.
6. Cheadle WG, Garr EE, Richardson JD: The importance
of early diagnosis of small bowel obstruction. Am Surg.
1988; 54: 565-9.
7. Turner DM, Croom RD 3rd: Acute adhesive obstruction
of the small intestine. Am Surg. 1983; 49: 126-30.
8. Perea Cosio RA, Montiel FC, Jimenes R, Chavelas
Lluck MA: Prognosis factors for necrosis in intestinal
obstruction. Cir Gen. 1996; 18: 28-31.
9. Parker MC, Ellis H, Moran BJ, Thompson JN, Wilson
MS, Menzies D, et al.: Postoperative adhesions: ten-year
follow-up of 12,584 patients undergoing lower abdominal
surgery. Dis Colon Rectum. 2001; 44: 822-29; discussion 829-30.
10. Carrion JA: Obstruccion Intestinal (Revision
bibliográfica). Educ med contin. 1997; 54: 27.
11. Brenner S, Campos GMR, Brenner AS, Schultz ES,
Coelho JCU: Obstrução intestinal: análise de 276 casos. Rev Col
Bras Cir. 1994; 21: 1-5.
12. Ericksen AS, Krasna MJ, Mast BA, Nosher JL, Brolin
RE: Use of gastrointestinal contrast studies in obstruction of
the small and large bowel. Dis Colon Rectum. 1990; 33: 56-64.
13. Petroianu A, Sabino LO, Oliveira Neto JE, Marques
MS: Principais causas de obstrução intestinal mecânica
de tratamento cirúrgico, em crianças e adultos. Folha Méd.
1994; 109: 53-5.
14. Brolin RE: The role of gastrointestinal tube
decompression in the treatment of mechanical intestinal obstruction. Am
Surg. 1983; 49: 131-7.
15. Stewardson RH, Bombeck CT, Nyhus LM: Critical
operative management of small bowel obstruction. Ann Surg. 1978;
187: 189-93.
16. Landercasper J, Cogbill TH, Merry WH, Stolee RT, Strutt
PJ: Long-term outcome after hospitalization for small-bowel
obstruction. Arch Surg. 1993; 128: 765-70; discussion 770-1.
17. Montefusco RP, Ward RJ, Geiss AC: Recurrent adhesive
small bowel obstruction. Contemp Surg. 1985; 27: 98.
18. Moreira H: Tratamento Cirúrgico do Vólvulo da Sigmóide
no Megacolo Chagásico - Nova Técnica Cirúrgica.
Revista Goiana de Medicina. 1979; vol. 25, p.73-6.
Endereço para correspondência:
Hélio Moreira Júnior
Av. B nº 435
Setor Oeste
74110--030 - Goiânia - GO
Recebido em 20/05/2005
Aceito para publicação em 14/06/2005
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia da Faculdade Médica da Universidade Federal de Goiás.