RELATO DE CASO
INTUSSUSCEPÇÃO NO ADULTO
Maurilio Toscano de Lucena1, Aline Apel1, Maurício José de Matos e Silva1
1Serviço de Coloproctologia do Hospital Barão de Lucena,HBL,, Recife,PE, Brasil
LUCENA MT, APEL A, SILVA MJM. Intussuscepção no
Adulto. Rev bras Coloproct, 2005;25(2):158-161.
RESUMO: A intussuscepção intestinal, embora comum na população pediátrica, é rara em adultos, podendo levar a uma sintomatologia variável e a erros diagnósticos freqüentes. O objetivo do presente trabalho é descrever dois casos de intussuscepção colo-cólica em adultos, causados por adenocarcinoma de cólon e tumor estromal gastrintestinal (GIST). Caso 1 - paciente do sexo masculino com 73 anos de idade e sintomatologia de dor abdominal, alteração do hábito intestinal e sangramento junto às evacuações há ± 5 meses. Ao exame físico foi evidenciada tumoração em reto médio. A ultra-sonografia mostrou uma imagem "em alvo" ao nível do cólon sigmóide. Caso 2 _ paciente do sexo feminino com 53 anos de idade, apresentando distensão e dor abdominal tipo cólica há ± 2 anos, associadas a hematoquezia, perda ponderal importante e dificuldade para evacuar. Ao exame físico, observou-se tumoração móvel, palpável em quadrante inferior esquerdo do abdome, além de uma tumoração retal a ± 8 cm da margem anal. Durante a retossigmoidoscopia, notou-se a presença de uma tumoração no reto com sinais de necrose. Os pacientes foram submetidos à laparotomia exploradora com confirmação de invaginação sigmoidorretal nos dois casos. Procedeu-se à ressecção sem redução do segmento envolvido com realização de anastomose colorretal primária no 1o caso e confecção de colostomia terminal no 2o caso. Os diagnósticos histopatológicos foram de adenocarcinoma no 1o caso e de tumor estromal gastrintestinal no 2o caso. A intussuscepção intestinal em adultos é associada com uma lesão patológica definida ou cabeça de invaginação na maioria dos casos . O tratamento deve envolver a ressecção cirúrgica do segmento envolvido sem tentativas de redução.
Descritores: Intussuscepção, invaginação, intussuscepção no adulto, adenocarcinoma, GIST
Introdução
A intussuscepção intestinal, embora comum
na população pediátrica, é rara em adultos, sendo
responsável por 5% de todos os casos e por 1% das
obstruções intestinais. Ocorre quando o segmento proximal
do intestino (intussuscepto) telescopa dentro do
segmento distal (intussusceptado)1.
Ao contrário do que ocorre na idade pediátrica, a intussuscepção no adulto tem
uma etiologia bem definida em cerca de 80 a 90%
dos casos, com as neoplasias sendo a principal causa
na maioria das séries 2-8. O tratamento é portanto
diferente daquele na intussuscepção intestinal da criança
9.
Apresentamos o relato de dois casos de intussuscepção intestinal no adulto, diagnosticados
pré-operatoriamente através da ultra-sonografia
e endoscopia e submetidos a ressecção cirúrgica.
RELATO DOS CASOS
Caso 1
Um indivíduo do sexo masculino com 73
anos de idade deu entrada no setor de emergência do
HBL com sintomatologia de dor abdominal, alteração do
hábito intestinal e sangramento junto às evacuações há ±
5 meses. Ao exame físico, o paciente se apresentava
com abdome flácido, sem sinais de irritação peritoneal e
uma tumoração palpável no 1/3 médio do reto. A
ultra-sonografia abdominal mostrou uma imagem "em
alvo" correspondente à topografia do cólon sigmóide
(Figura-1). Foi indicada laparotomia exploradora que
evidenciou uma invaginação sigmoidorretal sem sinais de
necrose nem dilatação de alças a montante (Figura- 2).
Optou-se por ressecção do sigmóide sem tentativa de
redução do segmento invaginado. Reconstruímos a
continuidade intestinal através de anastomose colorretal primária
sem preparo, pois o cólon esquerdo apresentava-se vazio
de fezes e sem sinais de sofrimento vascular. A
evolução pós-operatória foi bastante satisfatória, recebendo
o paciente alta no 7o DPO. O diagnóstico
histopatológico foi de adenocarcinoma.
Figura 1 - Ultra-sonografia evidenciando imagem "em alvo", sugestiva de invaginação intestinal ao nível do cólon sigmóide. |
Figura 2 - Peça operatória de invaginação sigmoidorretal. |
Caso 2
Paciente de 53 anos de idade, sexo feminino,
foi atendida no Ambulatório de Coloproctologia do HBL
com queixas de distensão e dor abdominal tipo cólica há
dois anos, além de hematoquezia de moderada
intensidade com evolução de 20 dias, associadas a perda
ponderal importante e dificuldade para evacuar
espontaneamente. Trazia uma ultra-sonografia do abdome que
demonstrava apenas colelitíase, além de uma colonoscopia (feita
no dia anterior à consulta) que evidenciava
formação polipóide, ulcerada com cerca de 5 cm, obstruindo a
luz do órgão a ±17 cm da margem anal, não permitindo
a passagem do aparelho. Ao exame físico, o abdome
era flácido com presença de tumoração móvel, palpável
em quadrante inferior esquerdo. Ao exame proctológico
foi palpada uma tumoração retal a ± 8 cm da margem
anal, o que suscitou a possibilidade de invaginação
intestinal ao considerar-se o laudo da colonoscopia feita no
dia anterior. A retossigmoidoscopia evidenciou uma tumoração com sinais de necrose no 1/3 médio do
reto. A paciente foi então submetida a
laparotomia exploradora, tendo sido diagnosticada uma
invaginação sigmoidorretal, provocada por uma tumoração
pediculada de sigmóide, que se constituía na cabeça de
invaginação (Figura-3), além de implantes no peritôneo parietal
e grande omento. Foi realizada retossigmoidectomia
com confecção de colostomia e fechamento do coto retal.
A paciente apresentou boa evolução no
pós-operatório, recebendo alta hospitalar no 5ºDPO. O exame
histopatológico da peça operatória revelou se tratar de
um tumor estromal gastrointestinal, confirmado pela
imuno-histoquímica, através do marcador CD 117
(Figura-4), com malignidade de grau intermediário e
implantes epiplóicos e peritoneais.
Figura 3 - Tumoração polipóide no sigmóide (cabeça de invaginação) |
Figura 4 - Imunoexpressão do CD 117 - 400x |
DISCUSSÃO
A intussuscepção intestinal é rara em
adultos e apresenta na grande maioria das vezes um
fator etiológico associado. Os locais preferenciais
de ocorrência são as junções dos segmentos
livremente móveis com os segmentos retroperitoneais
(região ileocecal) ou fixos através de aderências
10. De acordo com a localização pode-se classificar a
intussuscepção intestinal em: entérica, ileocólica, ileocecal e
colocólica 11. Os dois casos aqui relatados,
apresentavam intussuscepção do tipo colocólica, o que está
em desacordo com a maioria das séries que referem
a localização no intestino delgado como a mais
freqüente. A ocorrência da intussuscepção no intestino grosso,
ao contrário do delgado, fala a favor de uma
etiologia maligna. Sanders e cols., revisando mais de 350
casos de intussuscepção colônica, encontraram em 68%
dos casos uma neoplasia maligna como causa, sendo
o adenocarcinoma responsável por
aproximadamente 62%12.
Os sintomas de intussuscepção no
adulto, diferentemente da criança, são geralmente
inespecíficos e crônicos, sugerindo obstrução intestinal na
maioria das vezes. Apesar de ter sido feito o diagnóstico
pré-operatório nos dois casos relatados, a literatura
informa que o mesmo só é possível em apenas 32%
das situações 1. Um dos pacientes foi diagnosticado
com ajuda do exame ultra-sonográfico. A ultra-sonografia
é de boa acurácia no diagnóstico da intussuscepção,
tanto em adulto quanto em crianças, demonstrando a
imagem em "alvo", que, embora não seja patognomônica,
é bastante sugestiva13.
O tratamento instituído foi a
ressecção cirúrgica, sem tentativa de redução prévia.
Embora controverso, todos os autores concordam que
a ressecção seja necessária, já que uma lesão
patológica, provavelmente maligna, está presente na maioria
dos casos8,12,14. Tal afirmativa foi corroborada nos
dois casos aqui apresentados pois, em ambos, o
diagnóstico histopatológico foi de neoplasia
maligna (adenocarcinoma e GIST).
CONCLUSÃO
Os relatos dos casos aqui apresentados confirmam que as neoplasias malignas são as
principais etiologias na intussuscepção intestinal no
adulto, notadamente quando ocorrem no cólon. O
tratamento deve ser a ressecção cirúrgica, seguindo os
preceitos da cirurgia oncológica, sem tentativa de
redução prévia.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer as
inestimáveis contribuições das Dras. Rosa Cirne de
Azevedo Foinquinos e Consuelo Antunes Barreto
Lins, patologistas do Hospital Barão de Lucena.
SUMMARY: While intussusception is relatively common in children, it is infrequently seen in adults. The symptoms and signs are non-specific and intussusception often is misdiagnosed in the adult population. The purpose of the present work is to report two cases of adult intussusception caused by adenocarcinoma and gastrointestinal stromal tumour (GIST). Case 1 - a 73-year-old male with complaints of abdominal pain, abnormal evacuations and bloody stools of five months duration. Physical examination revealed a palpable mass in the medium rectum. Abdominal sonography showed a "target" lesion in the left lower quadrant. Case 2 - a 53-year-old woman presented to the ambulatory with abdominal distension and crampy abdominal pain for two years. The patient also reported bloody stools, loss of weight and difficulty to evacuate. Her abdomen was soft with a palpable mass in the left lower quadrant, besides a rectal tumour at ± 8 cm from anal verge. The rectosigmoidoscopy showed a mass in the rectum with necrotic signs. The patients were submitted to exploratory laparotomy that confirmed the diagnosis of sigmoidorectal intussusception in both cases. No attempts were made to reduce the intussusception prior to resection. We proceeded to a colorectal anastomosis in case 1 and a terminal colostomy in case 2. Pathological examination revealed adenocarcinoma in case 1 and gastrointestinal stromal tumour (GIST) in case 2. Adult intussusception is associated with a defined pathologic lesion or lead point in the majority of cases. Treatment should involve surgical resection of the involved segment of the bowel without attempts of reduction.
Key words: Intussusception, invagination, adult intussusception, adenocarcinoma, GIST
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Endereço para correspondência:
Maurilio Toscano de Lucena
R. Esmeraldino Bandeira, 395/1102
Graças
52011-090 - Recife-PE
Fone: (081) 3242-9747 e (081) 99765232.
E-mail: mtlucena@terra.com.br
Recebido em 22/10/2004
Aceito para publicação em 20/05/2005
Trabalho Realizado no Serviço de Coloproctologia do HBL,Recife, PE.