ATUALIZAÇÃO


RADIOTERAPIA PRÉ-OPERATÓRIA NO CÂNCER DE RETO

Francisco Lopes-Paulo1

1 Professor Titular de Coloproctologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro , Rio de Janeiro, Brazil


Lopes-Paulo F. Radioterapia Pré-Operatória no Câncer de Reto. Rev bras Coloproct, 2005;25(2):165-167.

Resumo: Altos índices de recidiva loco-regional nos portadores de câncer do reto estimularam a busca de terapias complemantares. A partir da década de 60, a radioterapia neo-adjuvante começou a ganhar espaço no sentido de reduzir a recidiva local e aumentar a sobrevida desses pacientes. Recentemente vários trabalhos têm mostrado a importância da associação da quimioterapia e excisão total do mesorreto à radioterapia no mesmo sentido. Os resultados de estudos prospectivos amplos são aguardados para determinar o exato papel dessas associações.

Descritores: radioterapia, pré-operatória, reto, câncer, recidiva, sobrevida

INTRODUÇÃO
A cirurgia para tratamento do câncer de reto, desde os seus primórdios, tem sido acompanhada por altos índices de recidiva loco-regional, com conseqüente queda na qualidade de sobrevida dos pacientes. A dor pélvica grave, infecção e sangramento são complicações freqüentes dessa recidiva, que também é causa direta de óbito em um número significativo de pacientes.
    Esses fatos estimularam a busca de terapias complementares, que viessem a melhorar o resultado das cirurgias de ressecção desses tumores. A radioterapia tem sido utilizada há décadas como método terapêutico para o tratamento do câncer de reto. Desde o início de seu emprego, observou-se que esse método não era capaz de promover a cura da lesão, pois o adenocarcinoma de reto apresenta resposta variável ao seu emprego. Isso desestimulou o seu uso como terapêutica inicial no tratamento do câncer de reto, ficando o método reservado para emprego pós-operatório em casos localmente avançados.
    A partir da década de 60, o uso da radioterapia pré-operatória (neoadjuvante) começou a ser difundido por apresentar vantagens biológicas, capazes de aumentar o potencial de cura das ressecções. As células irradiadas sofrem alterações genéticas e metabólicas, que culminam em sua morte durante o processo de divisão celular. Células bem nutridas e oxigenadas são três vezes mais sensíveis aos efeitos da radiação do que células hipóxicas 1,2, o que confere uma vantagem adicional à radioterapia pré-operatória, quando os tecidos ainda estão íntegros e bem vascularizados.
    A radioterapia pré-operatória atua sobre o tumor, diminuindo a população de células tumorais viáveis 3, assim como é capaz de eliminar grupos de células tumorais presentes nos tecidos peri-retais, nos vasos linfáticos e linfonodos satélites à lesão. Dessa forma pode levar a diminuição do volume tumoral e regressão do estadiamento anátomo-patológico do tumor, tornando operáveis lesões que inicialmente pareciam clinicamente irressecáveis4. Seu uso pode aumentar a margem de segurança circunferencial, esterilizando oncologicamente os tecidos peri-retais, assim como pode atuar na margem distal, tornando operáveis por ressecção anterior, tumores que inicialmente seriam tratáveis por ressecção abdominoperineal 5. Deve-se ressaltar que essa mudança de conduta deve-se principalmente à diminuição das dimensões do tumor, permitindo o acesso cirúrgico a pequenas margens cirúrgicas distais, suficientes para o restabelecimento do trânsito, e não à utilização de áreas previamente ocupadas pelo tumor para a realização da anastomose.
    Os primeiros estudos utilizavam baixas doses de radiação, em torno de 2000 cGy, aplicados em uma semana, sendo os pacientes operados na semana seguinte 6. Esses estudos demonstravam melhor sobrevida dos pacientes tratados por radioterapia pré-operatória quando comparados aos pacientes submetidos apenas a cirurgia (43% X 27%). Estudos subseqüentes desse mesmo centro não conseguiram comprovar essa melhora na sobrevida, embora demonstrassem diminuição dos índices de recidiva local 7.
    Recentes resultados de estudos multicêntricos realizados na Suécia indicam que a radioterapia de alta dosagem e curta duração (3500 cGy / 1 semana), seguidos pela ressecção do tumor dentro de uma semana do término da irradiação, tem sido benéfica em lesões de todos os estágios. Essa modalidade comprovou não só a diminuição das taxas de recidiva local, como o aumento do índice de sobrevida 8.
    Nos países de língua inglesa, a radioterapia neoadjuvante de alta dosagem começou a ser empregada em larga escala, a partir da década de 70, com doses de 4500 a 5000 cGy fracionadas em períodos de 4 a 6 semanas, sendo a ressecção realizada entre 4 e 6 semanas após o término da radioterapia 9. Essa modalidade tem sido eficaz em reduzir a massa tumoral e promover a regressão do estágio tumoral, sendo particularmente útil em tumores invasivos, fixos e pouco diferenciados, tornando ressecáveis tumores inicialmente considerados clinicamente inoperáveis, aumentando ainda a sobrevida e reduzindo a recidiva local 10.
    Um dos maiores estudos prospectivos em radioterapia pré-operatória vem sendo conduzido pela universidade de Washington em St. Louis há mais de 25 anos. Nele, dois protocolos de radioterapia são utilizados de acordo com as características do tumor, ambos com dose biológica semelhante.
    No primeiro protocolo, pacientes com tumores supostamente invasivos, que não estão firmemente aderidos a estruturas vizinhas e que são bem diferenciados, são submetidos a radioterapia pré-operatória, em dose de 2000 cGy, aplicados em doses fracionadas por cinco dias e operados no início da semana seguinte ao término da irradiação. O segundo protocolo destina-se a tumores mais agressivos, histologicamente pouco diferenciados ou firmemente aderidos a estruturas adjacentes. Este consiste na aplicação de 4500 cGy, fracionados em 25 doses, por um período de 5 semanas, sendo a ressecção realizada entre 6 e 7 semanas após o término da radioterapia.
    Esse último protocolo permite uma regressão acentuada dos tumores, tanto do ponto de vista do estágio, quanto do volume tumoral. O período de seis a sete semanas entre a radioterapia e a ressecção permite a ação máxima da radiação, que ainda atua nessa fase, sem no entanto permitir que as células tumorais voltem a se replicar com velocidade. Além do mais, permite que as alterações agudas da radiação nos tecidos sadios regridam, diminuindo a probabilidade de complicações a elas relacionadas. Nota-se ainda que não houve aumento de complicações relacionadas à cicatrização e à anastomose relacionadas à radioterapia, ressaltando-se que, para tanto, o coto proximal da anastomose não deve ser irradiado, devendo-se levar o sigmóide sadio até a pelve, o que requer muitas vezes o abaixamento do ângulo esplênico do cólon. Esse período de espera, além das vantagens mencionadas, não é suficiente para que ocorra fibrose secundária à radiação, permitindo a realização da ressecção sem dificuldades adicionais.
    Os resultados a longo prazo desse estudo demonstraram um significativo aumento da sobrevida, além de diminuir acentuadamente a recidiva local. Um fato interessante foi a similaridade na sobrevida dos pacientes com tumores Dukes B e C, indicando que, quando a radioterapia neoadjuvante é utilizada, talvez a determinação do acometimento linfonodal no pré-operatório fosse menos crítica. Porém, um relato mais recente daquela instituição, mostrou uma redução significativa da sobrevida do estágio C quando comparado ao B 12.
    Os resultados desse estudo estão resumidos na Tabela-1.

 


 

Comentários
Os estudos aqui relatados mostram resultados inequívocos quanto à eficácia da radioterapia neoadjuvante em reduzir a recidiva local e aumentar a sobrevida dos pacientes portadores de adenocarcinoma dos terços médio e inferior do reto.
    Devemos lembrar que a radioterapia apresenta efeitos colaterais, agudos e crônicos, em geral relacionados com a dose total de radiação aplicada. É útil para os serviços que empregam essa modalidade de terapia, ter dois protocolos, um de baixa e outro de alta dosagem, para a aplicação de acordo com as necessidades de cada paciente.
    Recentemente têm sido publicados vários trabalhos a respeito da importância da associação de quimioterapia e excisão total do mesorreto à radioterapia, no sentido de diminuir a recidiva local e aumentar a sobrevida. No entanto, aguarda-se o resultado de estudos prospectivos amplos, multifatoriais, no sentido de determinar o papel exato de cada uma dessas associações à radioterapia, que já mostrou sua eficácia individual como terapia neoadjuvante no câncer de reto.

SUMMARY: High indexes of loco-regional recurrence in patients with rectal cancer have stimulated the search of complementary therapy. Since the sixties, neo adjuvant radiotherapy has gained space in order to reduce local recurrence and to increase the survival of these patients. Recently some publications have pointed out the importance of associating chemotherapy and total excision of mesorectum to the radiotherapy in the same way. The results of large prospective researches are expected to determine the exact role of this association.

Key words: Radiotherapy, pre-operative, rectum, cancer, recurrence, survival

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Endereço para correspondência:
Francisco Lopes-Paulo
Rua Ferreira Pontes, 430 / 404 - Bl.1
20544-280 Rio de Janeiro

Recebido em 31/07/2005
Aceito para publicação em 12/08/2005