ATUALIZAÇÃO
RADIOTERAPIA PRÉ-OPERATÓRIA NO CÂNCER DE RETO
Francisco Lopes-Paulo1
1 Professor Titular de Coloproctologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro , Rio de Janeiro, Brazil
Resumo: Altos índices de recidiva loco-regional nos portadores de câncer do reto estimularam a busca de terapias complemantares. A partir da década de 60, a radioterapia neo-adjuvante começou a ganhar espaço no sentido de reduzir a recidiva local e aumentar a sobrevida desses pacientes. Recentemente vários trabalhos têm mostrado a importância da associação da quimioterapia e excisão total do mesorreto à radioterapia no mesmo sentido. Os resultados de estudos prospectivos amplos são aguardados para determinar o exato papel dessas associações.
Descritores: radioterapia, pré-operatória, reto, câncer, recidiva, sobrevida
INTRODUÇÃO
A cirurgia para tratamento do câncer de
reto, desde os seus primórdios, tem sido acompanhada
por altos índices de recidiva loco-regional, com
conseqüente queda na qualidade de sobrevida dos pacientes. A
dor pélvica grave, infecção e sangramento são
complicações freqüentes dessa recidiva, que também é causa direta
de óbito em um número significativo de pacientes.
Esses fatos estimularam a busca de terapias complementares, que viessem a melhorar o
resultado das cirurgias de ressecção desses tumores. A
radioterapia tem sido utilizada há décadas como método
terapêutico para o tratamento do câncer de reto. Desde o início
de seu emprego, observou-se que esse método não era
capaz de promover a cura da lesão, pois o adenocarcinoma
de reto apresenta resposta variável ao seu emprego.
Isso desestimulou o seu uso como terapêutica inicial
no tratamento do câncer de reto, ficando o método
reservado para emprego pós-operatório em casos
localmente avançados.
A partir da década de 60, o uso da
radioterapia pré-operatória (neoadjuvante) começou a ser
difundido por apresentar vantagens biológicas, capazes
de aumentar o potencial de cura das ressecções. As
células irradiadas sofrem alterações genéticas e metabólicas,
que culminam em sua morte durante o processo de
divisão celular. Células bem nutridas e oxigenadas são três
vezes mais sensíveis aos efeitos da radiação do que
células hipóxicas 1,2, o que confere uma vantagem adicional
à radioterapia pré-operatória, quando os tecidos
ainda estão íntegros e bem vascularizados.
A radioterapia pré-operatória atua sobre
o tumor, diminuindo a população de células
tumorais viáveis 3, assim como é capaz de eliminar grupos
de células tumorais presentes nos tecidos peri-retais,
nos vasos linfáticos e linfonodos satélites à lesão.
Dessa forma pode levar a diminuição do volume tumoral
e regressão do estadiamento anátomo-patológico
do tumor, tornando operáveis lesões que
inicialmente pareciam clinicamente
irressecáveis4. Seu uso pode aumentar a margem de segurança
circunferencial, esterilizando oncologicamente os tecidos
peri-retais, assim como pode atuar na margem distal,
tornando operáveis por ressecção anterior, tumores que
inicialmente seriam tratáveis por ressecção
abdominoperineal 5. Deve-se ressaltar que essa mudança
de conduta deve-se principalmente à diminuição
das dimensões do tumor, permitindo o acesso cirúrgico
a pequenas margens cirúrgicas distais, suficientes
para o restabelecimento do trânsito, e não à utilização
de áreas previamente ocupadas pelo tumor para
a realização da anastomose.
Os primeiros estudos utilizavam baixas doses de radiação, em torno de 2000 cGy, aplicados em
uma semana, sendo os pacientes operados na semana
seguinte 6. Esses estudos demonstravam melhor sobrevida
dos pacientes tratados por radioterapia pré-operatória
quando comparados aos pacientes submetidos apenas a
cirurgia (43% X 27%). Estudos subseqüentes desse
mesmo centro não conseguiram comprovar essa melhora
na sobrevida, embora demonstrassem diminuição
dos índices de recidiva local 7.
Recentes resultados de estudos
multicêntricos realizados na Suécia indicam que a radioterapia de
alta dosagem e curta duração (3500 cGy / 1
semana), seguidos pela ressecção do tumor dentro de uma
semana do término da irradiação, tem sido benéfica em
lesões de todos os estágios. Essa modalidade comprovou
não só a diminuição das taxas de recidiva local, como
o aumento do índice de sobrevida
8.
Nos países de língua inglesa, a
radioterapia neoadjuvante de alta dosagem começou a
ser empregada em larga escala, a partir da década de
70, com doses de 4500 a 5000 cGy fracionadas em
períodos de 4 a 6 semanas, sendo a ressecção realizada entre 4
e 6 semanas após o término da radioterapia
9. Essa modalidade tem sido eficaz em reduzir a massa
tumoral e promover a regressão do estágio tumoral,
sendo particularmente útil em tumores invasivos, fixos e
pouco diferenciados, tornando ressecáveis tumores
inicialmente considerados clinicamente inoperáveis,
aumentando ainda a sobrevida e reduzindo a recidiva local
10.
Um dos maiores estudos prospectivos em radioterapia pré-operatória vem sendo conduzido
pela universidade de Washington em St. Louis há mais
de 25 anos. Nele, dois protocolos de radioterapia
são utilizados de acordo com as características do
tumor, ambos com dose biológica semelhante.
No primeiro protocolo, pacientes com tumores supostamente invasivos, que não estão
firmemente aderidos a estruturas vizinhas e que são
bem diferenciados, são submetidos a radioterapia
pré-operatória, em dose de 2000 cGy, aplicados em
doses fracionadas por cinco dias e operados no início
da semana seguinte ao término da irradiação. O
segundo protocolo destina-se a tumores mais
agressivos, histologicamente pouco diferenciados ou
firmemente aderidos a estruturas adjacentes. Este consiste
na aplicação de 4500 cGy, fracionados em 25 doses,
por um período de 5 semanas, sendo a ressecção
realizada entre 6 e 7 semanas após o término da radioterapia.
Esse último protocolo permite uma
regressão acentuada dos tumores, tanto do ponto de vista
do estágio, quanto do volume tumoral. O período de seis
a sete semanas entre a radioterapia e a ressecção
permite a ação máxima da radiação, que ainda atua nessa
fase, sem no entanto permitir que as células tumorais
voltem a se replicar com velocidade. Além do mais,
permite que as alterações agudas da radiação nos tecidos
sadios regridam, diminuindo a probabilidade de
complicações a elas relacionadas. Nota-se ainda que não
houve aumento de complicações relacionadas à cicatrização
e à anastomose relacionadas à radioterapia,
ressaltando-se que, para tanto, o coto proximal da anastomose
não deve ser irradiado, devendo-se levar o sigmóide
sadio até a pelve, o que requer muitas vezes o
abaixamento do ângulo esplênico do cólon. Esse período de
espera, além das vantagens mencionadas, não é suficiente
para que ocorra fibrose secundária à radiação, permitindo
a realização da ressecção sem dificuldades adicionais.
Os resultados a longo prazo desse estudo demonstraram um significativo aumento da
sobrevida, além de diminuir acentuadamente a recidiva local.
Um fato interessante foi a similaridade na sobrevida
dos pacientes com tumores Dukes B e C, indicando
que, quando a radioterapia neoadjuvante é utilizada,
talvez a determinação do acometimento linfonodal no
pré-operatório fosse menos crítica. Porém, um relato
mais recente daquela instituição, mostrou uma
redução significativa da sobrevida do estágio C
quando comparado ao B 12.
Os resultados desse estudo estão resumidos
na Tabela-1.
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Comentários
Os estudos aqui relatados mostram resultados inequívocos quanto à eficácia da
radioterapia neoadjuvante em reduzir a recidiva local e aumentar
a sobrevida dos pacientes portadores de
adenocarcinoma dos terços médio e inferior do reto.
Devemos lembrar que a radioterapia apresenta efeitos colaterais, agudos e crônicos, em
geral relacionados com a dose total de radiação aplicada.
É útil para os serviços que empregam essa
modalidade de terapia, ter dois protocolos, um de baixa e outro
de alta dosagem, para a aplicação de acordo com
as necessidades de cada paciente.
Recentemente têm sido publicados
vários trabalhos a respeito da importância da associação
de quimioterapia e excisão total do mesorreto
à radioterapia, no sentido de diminuir a recidiva local
e aumentar a sobrevida. No entanto, aguarda-se o resultado de estudos prospectivos amplos,
multifatoriais, no sentido de determinar o papel exato de
cada uma dessas associações à radioterapia, que já
mostrou sua eficácia individual como terapia neoadjuvante
no câncer de reto.
SUMMARY: High indexes of loco-regional recurrence in patients with rectal cancer have stimulated the search of complementary therapy. Since the sixties, neo adjuvant radiotherapy has gained space in order to reduce local recurrence and to increase the survival of these patients. Recently some publications have pointed out the importance of associating chemotherapy and total excision of mesorectum to the radiotherapy in the same way. The results of large prospective researches are expected to determine the exact role of this association.
Key words: Radiotherapy, pre-operative, rectum, cancer, recurrence, survival
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Endereço para correspondência:
Francisco Lopes-Paulo
Rua Ferreira Pontes, 430 / 404 - Bl.1
20544-280 Rio de Janeiro
Recebido em 31/07/2005
Aceito para publicação em 12/08/2005