GENÉTICA E BIOLOGIA MOLECULAR


IMUNOISTOQUÍMICA: O ESTUDO DA BIOLOGIA MOLECULAR AO ALCANCE DE TODOS

Mauro DE SOUZA LEITE Pinho1

1Universidade da Região de Joinville, Santa Catarina, Brasil


PINHO Msl. Imunoistoquímica: O Estudo da Biologia Molecular ao Alcance de Todos. Rev bras Coloproct, 2005;25(2):188-191.

Resumo: Um dos dilemas atuais do cirurgião refere-se à dificuldade de compatibilizar suas atividades clínicas com a realização de atividades de pesquisa. Os recentes avanços ocorridos na área da biologia molecular apresentam-se hoje como uma importante fonte de estudos, baseados em especial na associação da análise de resultados clínicos com a observação de exames laboratoriais capazes de detectar alterações moleculares em tecidos obtidos através de procedimentos cirúrgicos. Neste sentido, destaca-se a imunoistoquímica como uma ferramenta de grande relevância por permitir a obtenção destas informações através de procedimentos relativamente de baixo custo e disponíveis na maior parte dos laboratórios de anatomia patológica. O objetivo do presente texto é apresentar uma breve revisão dos princípios básicos da imunoistoquímica, assim como sugerir uma sistematização de trabalho capaz de permitir a realização de estudos de biologia molecular associados à prática clínica.

Descritores: Pesquisa clínica, imunoistoquímica

Um dos principais dilemas do cirurgião refere-se à dificuldade de compatibilizar sua movimentada agenda de atividades clínicas e operatórias com o desejo de desenvolver atividades científicas capazes de contribuir com o desenvolvimento de sua especialidade. Tradicionalmente, estas duas atividades, ciência e prática, são exercidas em momentos distintos da carreira de um cirurgião, sendo a primeira restrita a uma parte integrante de sua formação a nível de pós-graduação latu sensu (residência médica ou especialização) ou strictu sensu (mestrado ou doutorado). Superada esta etapa de sua vida profissional, o afastamento dos laboratórios nos ambientes universitários e a inevitável falta de tempo fazem com que cada vez mais nos afastemos das estimulantes atividades de pesquisa, as quais certamente contribuem para manter aceso nosso espírito científico.
    Principal base da medicina do terceiro milênio, o desenvolvimento dos conceitos de biologia molecular vem possibilitando uma nova forma de observar as alterações patológicas ocorridas nos tecidos humanos. Anteriormente consideradas obras do acaso, sabemos hoje que uma ampla gama de doenças resultam da ação defeituosa de moléculas, proteínas em sua grande maioria, as quais tem sido progressivamente identificadas através do desenvolvimento de técnicas de exame cada vez mais precisas e disponíveis.
    Uma vez identificadas, estas moléculas passam a ser analisadas em espécimes teciduais obtidos através de estudos clínicos que visam estabelecer seu valor no diagnóstico, prognóstico e mesmo no planejamento terapêutico de cada doença. Apenas a título de exemplo, podemos vislumbrar que em um futuro não distante a presença de uma hérnia incisional em um paciente irá requerer uma análise de seus níveis teciduais de colágeno, já hoje reconhecidamente um fator prognóstico importante, com o objetivo de estabelecer o melhor planejamento terapêutico.
    Dentre as doenças mais estudadas através de uma visão biomolecular destaca-se o câncer, uma vez que o tecido tumoral apresenta um comportamento biológico bastante peculiar em cada paciente individualmente, levando a uma imprevisibilidade em sua evolução que impede a definição de um tratamento específico e prognóstico.
    Como sabemos, o estudo da biologia molecular tem evoluido em conjunto com o progresso tecnológico empregado em sofisticados laboratórios que possibilitaram, por exemplo, o sequenciamento completo do DNA humano. Por outro lado, talvez não seja muito evidente a compreensão de que grande parte dos conhecimentos a respeito das moléculas que controlam o funcionamento dos tecidos humanos não ocorreu nestas complexas estruturas de pesquisa, e sim em laboratórios de anatomia patológica semelhantes aqueles para os quais nós, cirurgiões, enviamos nossos espécimes cirúrgicos para diagnóstico e estadiamento em nossa prática clínica diária.
    Isto se deve ao desenvolvimento da técnica de imunoistoquímica, através da qual podemos observar em um corte histológico convencional a presença das proteínas presentes naquele tecido. Sendo estas proteínas os fatores determinantes do comportamento biológico tecidual, seja ele tumoral ou não, podemos então estabelecer uma correlação entre a análise imunoistoquímica e as características da doença em questão.
    O princípio básico da imunoistoquímica refere-se à nossa capacidade de desenvolver anticorpos específicos para proteínas estranhas ao organismo, às quais irão se ligar visando sua posterior destruição, representando este a base de nossa defesa imunológica. Em consequência de sua ação altamente específica para cada proteína são estes anticorpos denominados como monoclonais. A obtenção de anticorpos monoclonais contra nossas próprias proteínas resulta da inoculação destas em cobaias como ratos ou coelhos, sendo estes anticorpos posteriormente isolados do sangue destes animais (Figura-1).

 
Figura 1 - Fundamentos básicos da imunohistoquímica.



    Durante o exame de imunoistoquímica estes anticorpos monoclonais são adicionados ao tecido contido em um corte histológico fixado em lâmina, no qual irão identificar e fixar-se às moléculas da proteína em questão. Para que tais complexos anticorpo-proteína sejam visualizados são ainda adicionados corantes com a capacidade de ligar-se a estes. Como resultados teremos a demonstração à microscopia ótica da quantidade de moléculas que procuramos visualizar, assim como seu posicionamento na célula, seja este na membrana celular, citoplasma ou núcleo (Figura-2).

 
Figura 2 - Cortes histológicos de tecido tumoral (câncer colorretal) pela coloração convencional em (a) e imunohistoquímica em (b), na qual podemos observar a presença de proteína p53 (coloração acastanhada).



    Considerando-se que este é um procedimento realizado hoje rotineiramente na maior parte dos laboratórios de anatomia patológica e seu custo é relativamente baixo, torna-se então possível com alguma facilidade a integração entre a prática clínica e a pesquisa na área da biologia molecular mediante uma simples sistematização a qual deverá contemplar necessáriamente as seguintes etapas:
1. Definição da doença a ser estudada;
2. Levantamento bibliográfico a respeito das proteínas mais frequentemente envolvidas na fisiopatologia biomolecular da doença em questão.
3. Escolha da proteína a ser estudada;
4. Obtenção dos reagentes específicos para sua análise por imunoistoquímica (anticorpos monoclonais). As especificações destes podem ser fácilmente obtidas através de estudos correlatos disponíveis na literatura e a aquisição através de contatos com as empresas produtoras via internet.
5. Definição de um protocolo de avaliação dos pacientes. Este poderá ser cumprido de forma prospectiva, através da análise de tecidos frescos obtidos em ressecções cirúrgicas e biópsias, ou então retrospectivamente, sendo nestes casos utilizados tecidos disponíveis em blocos de parafina arquivados nos laboratórios de patologia;
6. Correlação entre os resultados da imunoistoquímica e os respectivos achados clínicos;
    Além de representarem uma importante ferramenta na área de pesquisas, a imunoistoquímica já é hoje utilizada de forma frequente na definição de diagnósticos e mesmo indicação de tratamentos na prática clínica. No primeiro caso, pode auxiliar na definição da origem de um determinado tecido metastático na ausência de características histológicas estruturais alteradas por uma neoplasia indiferenciada, por exemplo. Quanto à terapêutica, esta pode ser influenciada através da demonstração da concentração tecidual de receptores específicos para determinados medicamentos, como no caso dos receptores estrogênicos nos tumores de mama, ou da sensibilidade à terapia adjuvante através da avaliação da expressão da proteína p53.
    Ao integrar sua prática médica diária à pesquisa clínica através da avaliação biomolecular dos espécimes cirúrgicos obtidos, o cirurgião estará não apenas obrigando-se a um saudável exercício de atualização permanente, mas também estabelecendo uma rotina de registro e acompanhamento de seus pacientes a qual irá por certo contribuir para um melhor controle de seus resultados. Esta prática tornar-se-á por certo mais efetiva ainda ao ser incorporada ao protocolo dos serviços cirúrgicos, permitindo um nível de discussão e prática científica mais elevados, além de contribuir para o avanço de sua especialidade.

SUMMARY: Proceeding activities on surgical research is usually a difficult task for surgeons with busy clinical practice. Recent advances on molecular biology have however contributed to overcome this drawback by the correlating clinical results with the molecular profile observed in tissues obtained from respective surgical specimens. Immunohystochemistry has been an important tool in this subject due to its relative low cost and availability in most pathology laboratories. The aim of this text is to present a brief review of basic concepts about mmunohystochemistry as well as suggesting a sistematic procedure to make compatible molecular biology studies and surgical clinical practice.

Key words: Clinical research, immunohystochemistry

Endereço para correspondência:
Mauro de Souza Leite Pinho
Rua Palmares, 380 - Atiradores
89203-230 - Joinville (SC)

 Recebido em 19/05/2005
Aceito para publicação em 29/06/2005