RELATO DE CASO


OXIGENOTERAPIA HIPERBÁRICA NO TRATAMENTO DE DERMATITE PERIESTOMAL EXTENSA: RELATO DE CASO

1Ricardo Peixoto Claudino da Silva, 1Paulo César Daguano Antoniazzi, 1Rodrigo Ribeiro Aprilli, 1Carlos Renato dos Reis Lemos, 1Pedro Popoutchi, 1José Joaquim Ribeiro da Rocha, 1Omar Feres

1Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil


Silva RPC, Antoniazzi PCD, Aprilli RR, Lemos CRR, Popoutchi P, Rocha JJR, Feres O. Oxigenoterapia Hiperbárica no Tratamento de Dermatite Periestomal Extensa: Relato de Caso. Rev bras Coloproct, 2005;25(3): 249-252.

RESUMO: Os autores apresentam o caso de uma paciente idosa, submetida a colectomia segmentar em regime de urgência, que evoluiu no período pós-operatório com uma dermatite periestomal severa, infecção associada de partes moles e extensa necrose da parede abdominal. O quadro culminou com repercussões sistêmicas, inclusive sepse grave. O quadro só foi satisfatoriamente controlado após a realização da oxigenoterapia hiperbárica (OHB), instrumento terapêutico que se tem mostrado cada vez mais útil no tratamento de feridas de difícil manejo. É feita uma breve discussão das indicações e mecanismos de ação da oxigenoterapia hiperbárica.

Descritores: Ostomia, complicações, dermatite periestomal, oxigenoterapia hiperbárica.

Introdução
O coloproctologista, em sua atividade cirúrgica, depara-se freqüentemente com situações nas quais a confecção de ostomias é necessária. As ostomias, sejam elas terminais ou em alça, são alternativas seguras e, por vezes, até mesmo salvadoras, em cirurgia colorretal.
    A realização de uma ostomia é tecnicamente simples e rápida, e a cirurgia de reconstituição de trânsito intestinal pode ser realizada posteriormente, com o paciente em melhores condições clínicas. No entanto, mesmo as ostomias podem apresentar problemas pós-operatórios (1,4,10). Dentre as várias complicações decorrentes da confecção das ostomias, uma das mais freqüentes, e por vezes de difícil tratamento, é a dermatite periestomal (11).
    A oxigenoterapia hiperbárica é uma modalidade terapêutica com indicações cada vez mais amplas, oferecendo freqüentemente excelentes resultados na cicatrização de feridas problemáticas (2, 6, 14, 15).
    Tais fatos levaram os autores a relatar sua experiência com o tratamento de uma paciente portadora de uma ferida abdominal de difícil tratamento, através da oxigenoterapia hiperbárica.

CASO CLÍNICO
Identificação: MSPM, 76 anos, branca, sexo feminino, aposentada.
    Paciente apresentou quadro de diarréia infecciosa grave, de caráter progressivo e não responsiva ao tratamento clínico, que evoluiu com perfuração de cólon e abdome agudo. Foi submetida a colectomia segmentar, tendo sido ressecados parte do cólon transverso e todo o cólon descendente, e realizando-se transversostomia terminal e fístula mucosa de sigmóide. Evoluiu com dermatite periestomal progressiva e infecção associada - celulite de parede abdominal (Figura-1).

 
Figura 1 - Dermatite peri-estomal.



    A resposta ao tratamento clínico foi insatisfatória, e a paciente desenvolveu sintomas infecciosos sistêmicos e intensa piora do estado geral. Foi realizado então desbridamento cirúrgico amplo (Figuras- 2 e 3), associado a antibioticoterapia empírica de largo espectro, com ceftriaxona, oxacilina e metronidazol, mantida por 14 dias, e 15 sessões de oxigenoterapia (Figura- 4).

 
Figura 2 - Dermatite grave infectada


 
Figura 3 - Após desbridamento.


 
Figura 4 - Aspecto após 8 sessões de OHB.



    A ferida teve boa cicatrização, e estava completamente fechada, um mês após o tratamento com câmara hiperbárica, evitando a necessidade de enxertia de pele (Figura- 5).

 
Figura 5 - Aspecto final, 1 mês após término OHB.


 

DISCUSSÃO
A confecção de uma ostomia gastrointestinal é um procedimento tecnicamente simples e rápido, e freqüente na vida diária do coloproctologista. De maneira geral, tais estomas apresentam índices baixos a moderados de complicações, e as complicações graves são infreqüentes. Podem-se dividir as complicações em precoces (até o 1º mês pós-operatório) e tardias (após o 1º mês pós-operatório). Os estomas mais propensos a complicações são as ileostomias, principalmente aquelas confeccionadas em alça; complicações associadas a colostomias são mais raras (1, 4, 10). Dentre as complicações precoces, a mais comum é a irritação da pele, ou dermatite periestomal, podendo ocorrer também dor, necrose parcial e desabamento. A complicação tardia mais comumente observada também é a dermatite, sendo menos freqüentes os prolapsos, hérnias e as estenoses (10).
    De maneira geral, a dermatite periestomal pode ser satisfatoriamente controlada com medidas clínicas, como a utilização de cremes ou pomadas tópicas, ou mudança do tipo de bolsa coletora utilizada (7, 12). O estomaterapeuta desempenha papel importante no seguimento e tratamento de tais pacientes (4, 11). Raramente, a dermatite periestomal pode evoluir de forma aguda e muito desfavorável, culminando com ulcerações ou celulite. Tais complicações são potencialmente letais, e demandam diagnóstico precoce e tratamento agressivo (5, 9).
    O papel do oxigênio na cicatrização de feridas tem sido alvo de numerosos estudos, e a eficácia da oxigenoterapia hiperbárica é bem estabelecida em condições como a Síndrome de Fournier, a embolia gasosa, o envenenamento por monóxido de carbono e lesões actínicas, entre outras. O mecanismo de ação do oxigênio hiperbárico, em pressões que variam de duas a três atmosferas (ATA), pode ser explicado por efeitos físicos imediatos e por efeitos biológicos. Entre os efeitos biológicos, conseqüentes ao aumento da concentração de oxigênio tecidual, podem ser citados: o estímulo das propriedades fagocitárias dos leucócitos, o aumento da proliferação dos fibroblastos e da síntese de colágeno, a redução do edema tecidual, o aumento da neovascularização e osteogênese, e a elevação da atividade proliferativa capilar. Além disso, há os efeitos físicos imediatos do aumento das pressões teciduais sobre o oxigênio e os outros gases, como a redução do edema tissular e a diminuição da quantidade e do tamanho das bolhas de gases presentes nos tecidos (2, 8, 13).
    A OHB apresenta-se, deste modo, como mais uma arma terapêutica útil no manejo de feridas infectadas e de difícil cicatrização, e sua utilização tem merecido investigação nessa área, com resultados promissores (3, 6, 14, 15).

SUMMARY: The authors report the case of a 76-year old female who was submitted to an emergency partial colectomy with end colostomy. In the post-opperative period she had severe peristomal dermatitis that culminated with soft-tissue infection and abdominal wall necrosis. The patient had good outcome after receiving hyperbaric oxygen therapy (HBO), a therapeutic option that has proved to be useful in problem wound management. A brief discussion about HBO indications and mechanism of action is given.

Key words: Ostomy, complications, peristomal dermatitis, hyperbaric oxygen therapy.

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Endereço para correspondência:
Omar Féres
Depto. Cirurgia e Anatomia _ Disciplina de ColoProctologia
Hospital das Clínicas da FMRP-USP
Avenida dos Bandeirantes, 3900 - Monte Alegre
14048-900 - Ribeirão Preto - SP - Brasil
Fone: (16) 602-2509
E-mail: feresomar@netsite.com.br 

Recebido em 11/02/2005
Aceito para publicação em 24/02/2005

Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.