RELATO DE CASO


CARCINOMA SEBÁCEO DE MARGEM ANAL: RELATO DE CASO

1VIRGÍNIO CÂNDIDO TOSTA DE SOUZA, 1ELÍSIO MEIRELLES DE MIRANDA, 1DAVID CARVALHO KÁLLAS, 1FÉLIX CARLOS OCÁRIZ BAZZANO, 1JOSÉ CARLOS CORRÊA, 1FÁBIO EVANDRO DE FREITAS MILANI, 1FLÁVIO MENDES MAFRA, 1ALDO TARDIOLE KUEHNE

1Hospital de Clínicas Samuel Libânio, Faculdade de Medicina de Pouso Alegre, Universidade do Vale do Sapucaí,UNIVAS


SOUZA VCT, MIRANDA EM, KÁLLAS DC, BAZZANO FCO, CORRÊA JC, MILANI FEF, MAFRA FM, KUEHNE AT. Carcinoma Sebáceo de Margem Anal: Relato de Caso. Rev bras Coloproct, 2005;25(3): 261-264.

RESUMO: O carcinoma sebáceo é uma neoplasia rara que se origina no epitélio das glândulas sebáceas. Possui comportamento agressivo, apresentando disseminação precoce e altas taxas de recidiva. É mais freqüente na região palpebral, porém, pode surgir em qualquer parte do organismo. Possui diversas apresentações clínicas e histológicas , o que pode retardar o diagnóstico por meses ou anos . Os autores relatam o caso de uma paciente de 64 anos , portadora de carcinoma sebáceo em margem anal e descrevem as principais características desta afecção , de baixa incidência e prognóstico reservado.

Descritores: Carcinoma, Glândulas sebáceas, Margem anal.

Introdução
O carcinoma sebáceo é uma neoplasia rara, de comportamento agressivo, com diversas apresentações clínicas que podem dificultar o diagnóstico, retardando o início do tratamento e piorando o prognóstico1. O globo ocular, principalmente a região palpebral, é o local mais freqüentemente acometido1,2,3,4 . No entanto, manifestações extra-oculares são descritas na literatura. Pode aparecer em qualquer raça, sexo e sua incidência é maior em pacientes acima dos 60 anos 1.
    Os fatores predisponentes ao surgimento do carcinoma sebáceo são desconhecidos. Todavia, alguns casos estão associados à Síndrome de Muir Torre5 e alguns autores advogam que o uso de determinados medicamentos, como os diuréticos tiazídicos, podem se relacionar com o aparecimento da doença , porém , não há estudos na literatura que confirmem tal hipótese1.
    O prognóstico é reservado e na forma ocular o tamanho da lesão tumoral se relaciona diretamente com os índices de mortalidade. Na presença de metástases, a sobrevida em 5 anos é de 50 % 1.
    O objetivo deste relato é apresentar o caso de uma paciente portadora de carcinoma sebáceo em margem anal, de grandes dimensões, com importante invasão local e evoluindo com sinais clínicos compatíveis com suboclusão intestinal.

RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 64 anos, melanoderma . Esta paciente procurou o ambulatório de Coloproctologia do Hospital das Clínicas da Universidade do Vale do Sapucaí - Pouso Alegre - MG , relatando dor anal . À inspeção perianal, constatou-se a presença de pequenas lesões vegetantes, em margem anal, dolorosas, de coloração avermelhada .Tais lesões foram biopsiadas e o diagnóstico anátomo-patológico foi carcinoma sebáceo. A paciente retornou ao Hospital quatro meses depois, sendo admitida no serviço de Urgência e apresentava-se desidratada ( ++ /++++ ), hipocorada e com quadro consuptivo evidente . Em sua nova admissão hospitalar, observamos enorme massa tumoral em margem anal invadindo o períneo , vulva , vagina , com metástases em linfonodos inguinais e ocluindo parcialmente o orifício anal , provocando o quadro suboclusivo (Figura-1) . Após melhora considerável das condições clínicas iniciais, realizamos o estadiamento e o planejamento para abordagem cirúrgica.

 
Figura 1 - Observar lesão vegetante em margem anal com acometimento vulvar e invasão do orifício anal provocando quadro semi-oclusivo (paciente em litotomia).



    A tomografia de abdome mostrava comprometimento metastático de linfonodos para-aórticos, além de sinais de implantes secundários em vértebras (Figura- 2) . Notava-se ainda uma única lesão em lobo esquerdo do fígado, sugestiva de metástase. Realizamos também tomografia de crânio, para descartar a possibilidade de metástase cerebral , pois a paciente apresentava momentos de agitação e confusão mental , sendo os achados da CT de crânio compatíveis com a normalidade. O RX de tórax não apresentava anormalidades. A proposta cirúrgica inicial era a amputação abdômino-perineal do reto, porém os achados nos exames de imagem pré-operatórios e a constatação de carcinomatose durante laparotomia provocou mudança na estratégia cirúrgica, optando-se pela realização de sigmoidostomia em alça com finalidade descompressiva.

 
Figura 2 - Tomografia computadorizada de abdome; observar metástases em coluna vertebral e em cadeia ganglionar para-aórtica.



    A paciente apresentou evolução pós-operatória satisfatória, recebendo alta no 70 PO para acompanhamento no serviço de Oncologia e não retornou às consultas marcadas em nosso ambulatório .

DISCUSSÃO
As glândulas sebáceas estão presentes em todo o organismo, mas na face e pescoço sua concentração é maior1. A maioria dos casos descritos de carcinoma sebáceo atinge a região palpebral, principalmente as glândulas de Melboniu1,2,3,7 . Em fases iniciais, o diagnóstico diferencial com calázio pode não ser fácil. Há menos de 600 casos de carcinoma sebáceo descritos na literatura mundial, dos quais aproximadamente 150 na forma extra-ocular, atingindo as mais diversas localizações , como o conduto auditivo externo, mucosa bucal, couro cabeludo, vulva, cistos ovarianos, parótida, colo uterino, mama, pulmão, faringe, além do surgimento do carcinoma sebáceo em lesões dermatológicas prévias , como por exemplo , ceratose actínica e casos reportados em pacientes HIV positivos1,2,3,4,9-13,15. Não há relatos de carcinoma sebáceo em margem anal na literatura estudada. Acreditamos, portanto, que este é o primeiro caso descrito na referida localização.
    A incidência é maior em pacientes acima dos 60 anos, porém há relatos em crianças e adultos. O carcinoma sebáceo pode atingir qualquer raça e sexo 1.
    Os fatores predisponentes ao surgimento do carcinoma sebáceo não são conhecidos.
    Devemos ressaltar a associação de tumores de glândula sebácea e neoplasias viscerais, característica da Síndrome de Muir _ Torre , considerada uma variante do câncer coloretal não associado a polipose (HNPCC) 5. Entre as neoplasias viscerais desta Síndrome destacam-se as que se originam no trato digestivo, principalmente nos cólons. Em nossa paciente, não realizamos colonoscopia porque a lesão tumoral invadia o orifício anal, impedindo a passagem do colonoscópio. Vale lembrar que no caso descrito, a paciente apresentava sinais de suboclusão intestinal e na laparotomia , ao realizar o inventário minucioso da cavidade , não constatamos acometimento neoplásico do reto e do cólon. Khan et al . reportaram o uso de diuréticos tiazídicos em 8 de 20 pacientes portadores de carcinoma sebáceo, relatando ainda a associação de tal droga com o surgimento de outras neoplasias, como por exemplo o carcinoma de células renais 1. Porém , não estabeleceram a relação do tempo de uso com o aparecimento da doença . Não há outros estudos na literatura que confirmem ou descartem completamente esta relação.
    A principal forma de apresentação clínica do carcinoma sebáceo extra-ocular é o aparecimento de lesões nodulares, de coloração rosada ou amarelo-avermelhada, inicialmente pequenas; semelhante ao que foi encontrado no presente relato. Nos casos descritos na literatura, as lesões podem atingir de 6 mm até 20 cm1,3 .
    O diagnóstico anatomo-patológico de carcinoma sebáceo não é fácil e exige profissional experiente. Em casos duvidosos, a imunohistoquímica pode ser útil para definir o diagnóstico1,7. Observam-se, à microscopia, pleomorfismo glandular, núcleos hipercromáticos e anaplasia (Figura-3) .

 
Figura 3 - Carcinoma sebáceo de margem anal . Notar pleomorfismo glandular , núcleos hipercromáticos e anaplasia.



    Diversos autores afirmam que o prognóstico na forma ocular é pior, ao afirmar que as metástases são mais freqüentes . No entanto, os casos descritos de carcinoma sebáceo extra-ocular, independente da localização, são igualmente agressivos, também metastatizam e os índices de recidiva são de aproximadamente 30 %1,7 .
    O tratamento de escolha é a ressecção completa da lesão com margens cirúrgicas livres1-14. Stell demonstrou que o tratamento cirúrgico era curativo, porém Lewis e Lederman afirmaram que quando se indicava radioterapia, além da cirurgia, os resultados eram melhores8. No entanto, a escassez de casos descritos na literatura, inviabiliza uma conduta uniforme. A radioterapia também está indicada como forma de tratamento paliativo, pois sua indicação é controversa na presença de doença metastática1,7, 8 . Discute-se o papel da quimioterapia; sabe-se que estaria indicada na recidiva da doença, mas isto não é um consenso nos relatos já publicados 16. A crioterapia está sendo utilizada em casos de carcinoma sebáceo com comprometimento ocular, porém são necessários novos estudos para avaliar sua eficácia e possível utilização nas formas extra-oculares da doença1 .
    Finalmente, o diagnóstico precoce e tratamento imediato são as únicas formas efetivas de se combater a doença e diante de qualquer lesão com características atípicas , a biópsia é mandatória , uma vez que o diagnóstico de carcinoma sebáceo é quase sempre realizado ao acaso .

SUMMARY: The sebaceous carcinoma is a rare tumor that derives from the epithelium of sebaceous glands . This tumor has aggressive behavior with high recurrence and precocious metastasis . Sebaceous carcinoma is most common at the eyelid but can appear in any part of the human body and exhibits many histologic and clinic presentations, usually delaying the diagnosis for months or years . The authors report a case of a 64 years-old female with sebaceous carcinoma of the anal margin and discuss the main characteristics of this disease, as low incidence and reserved prognosis .

Key words: Carcinoma, sebaceous glands, anal margin

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Endereço para correspondência:
Fábio Evandro de Freitas Milani
Rua Napoleão de Barros, 1075 apto. 53
Vila Clementino
04024-003 - São Paulo - SP
e-mail : fabioefm@directnet.com.br 

Recebido em 15/02/2005
Aceito para publicação em 14/04/2005

Trabalho realizado no Hospital de Clínicas Samuel Libânio, Faculdade de Medicina de Pouso Alegre, Universidade do Vale do Sapucaí,UNIVAS.