ATUALIZAÇÃO


O USO DO IMIQUIMOD NO TRATAMENTO DE LESÕES ANAIS INDUZIDAS POR HIV

1Francisco Lopes-Paulo

1Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil


LOPES-PAULO F. O Uso do Imiquimod no Tratamento de Lesões Anais Induzidas por Hpv. Rev bras Coloproct, 2005;25(3): 269-271.

RESUMO: O imiquimod é uma substância imunomoduladora, capaz de potencializar a resposta imunológica ao HPV (human papillomavirus), através da indução da síntese de interferon alfa e citocinas. Essa droga tem sido empregada no tratamento da condilomatose anal, com uso tópico, sob a forma de creme a 5%, utilizado três vezes por semana, por um período de 12 a 16 semanas. O índice de remissão total das lesões é de cerca de 50% em pacientes imunocompetentes e metade deste, nos pacientes imunodeprimidos. Novos estudos, com grandes séries de pacientes, são necessários para sua comparação com tratamentos já estabelecidos, a fim de avaliar sua real eficácia e relação custo-benefício.

Descritores: Imiquimod, HPV, condiloma, tratamento.

Introdução
A infecção por HPV (Human Papillomavirus) é uma doença sexualmente transmissível que acomete freqüentemente o canal anal e região perianal, seja em indivíduos imunologicamente saudáveis ou em imunodeprimidos1. Os tipos 6 e 8 de HPV estão freqüentemente associados ao desenvolvimento de condilomas acuminados, enquanto os tipos 16,18, 31,33 e 35 estão associados ao desenvolvimento de carcinoma 2.
    O tratamento da condilomatose perianal, seja ele cirúrgico ou pelo uso tópico de substâncias, tais como as soluções de podofilina ou ácido tricloroacético, é acompanhado de níveis elevados de recidiva, necessitando freqüentemente de tratamentos adicionais.
    Recentemente, o uso de substâncias imunomoduladoras tem sido advogado para o tratamento de lesões virais, dentre elas o HPV. O imiquimod é uma dessas substâncias, induzindo a produção de interferon alfa e citocinas3 e potencializando a resposta imunológica contra as células alteradas pelo HPV.
    Um estudo prospectivo analisou 311 pacientes portadores de condilomas ano-genitais, divididos em três grupos: o primeiro (109 pacientes) recebeu tratamento com creme de imiquimod a 5 %, o segundo (102 pacientes) foi tratado com creme de imiquimod a 1 %, enquanto o terceiro foi tratado com placebo. As aplicações foram feitas pelos próprios pacientes, em regime ambulatorial, com três aplicações semanais em dias alternados, por um período de até 16 semanas, ou menos, caso ocorresse remissão das lesões antes desse período. As taxas de remissão completa das lesões foram de 50%, 21% e 11% respectivamente 4,5, com diferença estatisticamente significativa entre o grupo que usou creme de imiquimod a 5% e o grupo que usou placebo (p < 0,001). Dentre os pacientes que apresentaram remissão inicial completa com o uso dos respectivos medicamentos, houve recidiva em 13% dos que usaram imiquimod a 5%, nenhuma recidiva entre os que usaram essa substância a 1% e uma taxa de recidiva de 10% dentre os que usaram placebo. Os autores relatam que apenas um pequeno número de pacientes apresentou eritema local, sendo que a maioria não apresentou reações adversas.
    Outros estudos foram realizados, com pacientes utilizando apenas o creme de imiquimod a 5%, comparando-os a um grupo controle, tendo mostrado também índices de remissão em torno de 50% 6,7. No entanto, não fazem menção ao índice de recidiva e utilizam um pequeno número de pacientes. Relatam como complicações o surgimento de eritema e ulcerações cutâneas superficiais.
    Um estudo, comparando a ação dessa substância em pacientes imunocompetentes e imunodeprimidos, mostrou índice de remissão de 62% no primeiro e 31% no segundo, com índice de recidiva mais elevado neste último grupo 8.
    A infecção por HPV é um importante fator de risco para o surgimento de carcinoma de canal anal. Esse risco torna-se ainda maior em pacientes HIV positivos, em que a imunossupressão alia-se à alta prevalência do vírus nesse grupo, seja de modo latente ou sob a forma de condilomatose anal. Esses fatos motivaram a realização de um estudo para verificar a capacidade do imiquimod em erradicar o HPV latente em pacientes HIV positivos 1. Os pacientes foram submetidos a dois swabs anais consecutivos para detecção do DNA-HPV por captura híbrida, sendo incluídos no estudo apenas os pacientes que apresentassem positividade para HPV nas duas amostras. Novos swabs foram feitos 2 e 4 meses após o início do tratamento para verificar sua efetividade. Dentre 80 pacientes HIV positivos, 26 apresentaram dois testes consecutivos positivos para DNA-HPV, tendo sido incluídos no estudo apenas 19 deles. Esses pacientes foram divididos em dois grupos, com 9 e 10 pacientes, respectivamente, tendo o primeiro recebido imiquimod e o segundo placebo. Não havia diferença entre os grupos quanto ao sexo, via de contaminação pelo HIV, estágio de CDC, história prévia de doenças sexualmente transmissíveis ou condilomatose ano-genital. Três dos nove pacientes tratados com imiquimod apresentaram testes negativos para DNA-HPV após 2 e 4 meses de iniciado o tratamento, enquanto o teste permaneceu positivo em todos os pacientes do grupo placebo, porém sem significado estatístico (p=0,08). Os autores concluem que esse tratamento não foi eficaz em erradicar o HPV latente em pacientes HIV positivos.
    Um levantamento recente, realizado na Inglaterra, compilou nove estudos controlados que utilizaram podofilina no tratamento de condilomas ano-genitais, comparando-os com seis estudos que empregaram o imiquimod com essa mesma finalidade. Não foi evidenciada diferença estatisticamente significativa quanto aos índices de cura obtidos com cada uma das substâncias, enquanto o custo do imiquimod foi o dobro da podofilina 9.

Comentários
As evidências indicam que o uso de substâncias imunomoduladoras tópicas, dentre elas o imiquimod, podem ser de grande valia no tratamento das lesões anais causadas pelo HPV. Os estudos realizados preconizam a utilização do imiquimod, sob a forma de creme a 5%, três vezes por semana, em dias alternados, por um período de 12 a 16 semanas. Sua eficácia em obter a remissão total das lesões é de cerca de 50%, em pacientes imunocompetentes, sendo metade desta em pacientes imunodeprimidos. Os índices de recidiva giram em torno de 10%. No entanto, faltam ainda estudos prospectivos, controlados, com séries maiores de pacientes, comparando o uso desse medicamento com outros métodos já estabelecidos, tais como a eletrocauterização e o uso tópico de podofilina, já que o custo benefício é importante, por ser o imiquimod uma medicação dispendiosa.
    Um outro fator que deve ser considerado é o número e tamanho das lesões a serem tratadas, pois as lesões muito numerosas ou volumosas podem não responder adequadamente ao simples uso do creme. Talvez essa possa ser uma terapia adjuvante eficaz após a ressecção dessas lesões. Provavelmente estudos futuros poderão responder essas questões.

SUMMARY: Imiquimod is an immune response modifier able to enhance the immunological response to HPV (Human Papillomavirus), inducing alfa-interferon and cytokines syntesis. This drug has been employed in the treatment of anal warts as a 5% cream administered three times a week for 12 to 16 weeks. Complete clearance of anal warts is found in about 50% of immunocompetent patients and a half of that in patients with immunosuppression. New studies are necessaries in order to compare imiquimod with other kinds of treatment and the relation of cost and benefit.

Key words: Imiquimod, HPV, anal warts, treatment.

Referências Biliográficas
1. Pelletier F, Drobacheff-Thiebaut C, Aubin F, Venier AG, Mougin C, Laurent R. Effets de l'imiquimod sur l'infection périanale latente à papillomavirus humain chez des malades infectés par le virus de l'immunodéficience humaine. Ann Dermatol Venereol 2004, 131(11):947-51.
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3. Gupta AK, Browne M, Bluhm R. Imiquimod: a review. J Cutan Med Surg 2002, 6(6):554-60.
4. Edwards L, Ferenczy A, Eron L, Baker D, Owens ML, Fox TL, Hougham AJ, Schmitt KA. Self-administered topical 5% imiquimod cream for external anogenital warts. HPV Study Group. Human PapillomaVirus. Arch Dermatol 1998, 134(1):25-30.
5. Edwards L. Imiquimod in clinical practice. Australas J Dermatol 1998, 39 Suppl 1:S14-6.
6. Arican O, Guneri F, Bilgic K, Karaoglu A. Topical imiquimod 5% cream in external anogenital warts: a randomized, double-blind, placebo-controlled study. J Dermatol 2004, 31(8):627-31.
7. Brady S, Wilson JD. Closing the feedback loop: an audit of the use of imiquimod for the treatment of genital warts. J Eur Acad Dermatol Venereol 2004, 18(3):314-7.
8. Cusini M, Salmaso F, Zerboni R, Carminati G, Vernaci C, Franchi C, Locatelli A, Alessi E. 5% Imiquimod cream for external anogenital warts in HIV-infected patients under HAART therapy. Int J STD AIDS 2004, 15(1):17-20.
9. Williams P, von Krogh G. The cost-effectiveness of patient-applied treatments for anogenital warts. Int J STD AIDS 2003, 14(4):228-34

Endereço para correspondência:
Francisco Lopes-Paulo
Rua Ferreira Pontes, 430 /404 Bl.1
Cep. 20554-280 - Rio de Janeiro

Recebido em 02/05/2005
Aceito para publicação em 20/06/2005