ATUALIZAÇÃO
O USO DO IMIQUIMOD NO TRATAMENTO DE LESÕES ANAIS INDUZIDAS POR HIV
1Francisco Lopes-Paulo
1Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO: O imiquimod é uma substância imunomoduladora, capaz de potencializar a resposta imunológica ao HPV (human papillomavirus), através da indução da síntese de interferon alfa e citocinas. Essa droga tem sido empregada no tratamento da condilomatose anal, com uso tópico, sob a forma de creme a 5%, utilizado três vezes por semana, por um período de 12 a 16 semanas. O índice de remissão total das lesões é de cerca de 50% em pacientes imunocompetentes e metade deste, nos pacientes imunodeprimidos. Novos estudos, com grandes séries de pacientes, são necessários para sua comparação com tratamentos já estabelecidos, a fim de avaliar sua real eficácia e relação custo-benefício.
Descritores: Imiquimod, HPV, condiloma, tratamento.
Introdução
A infecção por HPV (Human
Papillomavirus) é uma doença sexualmente transmissível que
acomete freqüentemente o canal anal e região perianal,
seja em indivíduos imunologicamente saudáveis ou
em imunodeprimidos1. Os tipos 6 e 8 de HPV
estão freqüentemente associados ao desenvolvimento
de condilomas acuminados, enquanto os tipos 16,18,
31,33 e 35 estão associados ao desenvolvimento
de carcinoma 2.
O tratamento da condilomatose perianal,
seja ele cirúrgico ou pelo uso tópico de substâncias,
tais como as soluções de podofilina ou ácido
tricloroacético, é acompanhado de níveis elevados de
recidiva, necessitando freqüentemente de tratamentos adicionais.
Recentemente, o uso de substâncias
imunomoduladoras tem sido advogado para o tratamento
de lesões virais, dentre elas o HPV. O imiquimod é
uma dessas substâncias, induzindo a produção de
interferon alfa e citocinas3 e potencializando a resposta
imunológica contra as células alteradas pelo HPV.
Um estudo prospectivo analisou 311
pacientes portadores de condilomas ano-genitais, divididos
em três grupos: o primeiro (109 pacientes)
recebeu tratamento com creme de imiquimod a 5 %, o
segundo (102 pacientes) foi tratado com creme de imiquimod
a 1 %, enquanto o terceiro foi tratado com placebo.
As aplicações foram feitas pelos próprios pacientes,
em regime ambulatorial, com três aplicações semanais
em dias alternados, por um período de até 16 semanas,
ou menos, caso ocorresse remissão das lesões antes
desse período. As taxas de remissão completa das
lesões foram de 50%, 21% e 11% respectivamente
4,5, com diferença estatisticamente significativa entre o
grupo que usou creme de imiquimod a 5% e o grupo que
usou placebo (p < 0,001). Dentre os pacientes
que apresentaram remissão inicial completa com o uso
dos respectivos medicamentos, houve recidiva em 13%
dos que usaram imiquimod a 5%, nenhuma recidiva
entre os que usaram essa substância a 1% e uma taxa
de recidiva de 10% dentre os que usaram placebo.
Os autores relatam que apenas um pequeno número
de pacientes apresentou eritema local, sendo que a
maioria não apresentou reações adversas.
Outros estudos foram realizados, com pacientes utilizando apenas o creme de imiquimod
a 5%, comparando-os a um grupo controle, tendo mostrado também índices de remissão em torno de
50% 6,7. No entanto, não fazem menção ao índice de
recidiva e utilizam um pequeno número de pacientes.
Relatam como complicações o surgimento de eritema
e ulcerações cutâneas superficiais.
Um estudo, comparando a ação
dessa substância em pacientes imunocompetentes
e imunodeprimidos, mostrou índice de remissão de
62% no primeiro e 31% no segundo, com índice de
recidiva mais elevado neste último grupo
8.
A infecção por HPV é um importante fator
de risco para o surgimento de carcinoma de canal
anal. Esse risco torna-se ainda maior em pacientes
HIV positivos, em que a imunossupressão alia-se à
alta prevalência do vírus nesse grupo, seja de modo
latente ou sob a forma de condilomatose anal. Esses
fatos motivaram a realização de um estudo para verificar
a capacidade do imiquimod em erradicar o HPV
latente em pacientes HIV positivos 1. Os pacientes
foram submetidos a dois swabs anais consecutivos
para detecção do DNA-HPV por captura híbrida,
sendo incluídos no estudo apenas os pacientes
que apresentassem positividade para HPV nas duas amostras. Novos swabs foram feitos 2 e 4 meses
após o início do tratamento para verificar sua
efetividade. Dentre 80 pacientes HIV positivos, 26
apresentaram dois testes consecutivos positivos para
DNA-HPV, tendo sido incluídos no estudo apenas 19 deles.
Esses pacientes foram divididos em dois grupos, com 9 e
10 pacientes, respectivamente, tendo o primeiro
recebido imiquimod e o segundo placebo. Não havia
diferença entre os grupos quanto ao sexo, via de
contaminação pelo HIV, estágio de CDC, história prévia de
doenças sexualmente transmissíveis ou condilomatose
ano-genital. Três dos nove pacientes tratados
com imiquimod apresentaram testes negativos para
DNA-HPV após 2 e 4 meses de iniciado o
tratamento, enquanto o teste permaneceu positivo em todos
os pacientes do grupo placebo, porém sem
significado estatístico (p=0,08). Os autores concluem que
esse tratamento não foi eficaz em erradicar o HPV
latente em pacientes HIV positivos.
Um levantamento recente, realizado na Inglaterra, compilou nove estudos controlados
que utilizaram podofilina no tratamento de condilomas
ano-genitais, comparando-os com seis estudos que empregaram o imiquimod com essa mesma
finalidade. Não foi evidenciada diferença
estatisticamente significativa quanto aos índices de cura obtidos
com cada uma das substâncias, enquanto o custo
do imiquimod foi o dobro da podofilina
9.
Comentários
As evidências indicam que o uso de
substâncias imunomoduladoras tópicas, dentre elas o
imiquimod, podem ser de grande valia no tratamento das
lesões anais causadas pelo HPV. Os estudos
realizados preconizam a utilização do imiquimod, sob a forma
de creme a 5%, três vezes por semana, em dias
alternados, por um período de 12 a 16 semanas. Sua eficácia
em obter a remissão total das lesões é de cerca de
50%, em pacientes imunocompetentes, sendo metade
desta em pacientes imunodeprimidos. Os índices de
recidiva giram em torno de 10%. No entanto, faltam
ainda estudos prospectivos, controlados, com séries
maiores de pacientes, comparando o uso desse
medicamento com outros métodos já estabelecidos, tais como
a eletrocauterização e o uso tópico de podofilina, já
que o custo benefício é importante, por ser o
imiquimod uma medicação dispendiosa.
Um outro fator que deve ser considerado é
o número e tamanho das lesões a serem tratadas, pois
as lesões muito numerosas ou volumosas podem
não responder adequadamente ao simples uso do
creme. Talvez essa possa ser uma terapia adjuvante eficaz
após a ressecção dessas lesões. Provavelmente
estudos futuros poderão responder essas questões.
SUMMARY: Imiquimod is an immune response modifier able to enhance the immunological response to HPV (Human Papillomavirus), inducing alfa-interferon and cytokines syntesis. This drug has been employed in the treatment of anal warts as a 5% cream administered three times a week for 12 to 16 weeks. Complete clearance of anal warts is found in about 50% of immunocompetent patients and a half of that in patients with immunosuppression. New studies are necessaries in order to compare imiquimod with other kinds of treatment and the relation of cost and benefit.
Key words: Imiquimod, HPV, anal warts, treatment.
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Endereço para correspondência:
Francisco Lopes-Paulo
Rua Ferreira Pontes, 430 /404 Bl.1
Cep. 20554-280 - Rio de Janeiro
Recebido em 02/05/2005
Aceito para publicação em 20/06/2005