VÍDEO-LAPAROSCOPIA COLO-RETAL - ENFOQUES ATUAIS & CONTROVÉRSIAS


AVALIAÇÃO DOS EFEITOS IMUNOLÓGICOS EM OPERAÇÕES COLO-RETAIS MINIMAMENTE INVASIVAS

1Fábio Guilherme C.M. de Campos, 1Pedro Paulo de Paris Caravatto, 1Sérgio Eduardo Alonso Araújo

1Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil


Campos FGCM, Caravatto PP, Araújo SEA . Avaliação dos Efeitos Imunológicos em Operações Colo-retais Minimamente Invasivas. Rev bras Coloproct, 2005;25(3): 285-292.

RESUMO: Por ser procedimento minimamente invasivo, a vídeo-cirurgia promove agressão parietal limitada, associa-se a menos dor e provê rápida recuperação pós-operatória, possibilitando aos pacientes retornarem precocemente às atividades diárias. Embora todo ato cirúrgico determine imunossupressão, sugere-se que o menor trauma cirúrgico do acesso laparoscópico seja conseqüente a uma menor resposta inflamatória em comparação à via convencional. Neste contexto, diversos trabalhos publicados na última década têm se dedicado a fazer esta comparação em diversos procedimentos operatórios, encontrando resultados muitas vezes conflitantes. Esta revisão visou apresentar os resultados comparativos sobre a resposta imunológica das operações colo-retais minimamente invasivas, analisando suas possíveis repercussões sobre os resultados imediatos e oncológicos. Até o momento, os dados disponíveis na literatura provêm de estudos heterogêneos, com séries pequenas, realizados por equipes com experiência distinta com o método laparoscópico. Essas características dificultam estabelecer definitivamente o curso, a extensão e as repercussões das alterações imunológicas frente ao trauma, mas reconhece-se que as operações convencionais geram maior produção de IL-6 e PCR. Como a vídeo-cirurgia produz menor trauma e preserva a função imune no pós-operatório, acredita-se que a via laparoscópica pode influenciar positivamente o curso evolutivo das neoplasias (situação em que a função imune já se encontra debilitada pela própria doença), embora ainda não haja comprovação científica para este fato.

Descritores: Cirurgia colo-retal, Cirurgia laparoscópica, Resposta inflamatória, Resposta imunológica.

Introdução
A resposta inflamatória está diretamente relacionada ao trauma inerente ao ato cirúrgico. Resulta da uma interação dos sistemas neuroendócrino, imune e metabólico, caracterizando-se pela produção de mediadores pró-inflamatórios que irão promover a ativação de mecanismos imunológicos 1, 2. A presença de proteínas de fase aguda e de citocinas na circulação sangüínea reflete a ativação desta resposta, que tem como objetivo primordial promover a defesa do organismo3. Entretanto, reconhece-se também que uma resposta inflamatória exagerada pode trazer efeitos deletérios.
    Ao demonstrar a atenuação desta resposta, procura-se determinar o impacto potencial que uma menor imunossupressão poderia trazer à evolução pós-operatória e aos resultados oncológicos, uma vez que o sistema imune tem a capacidade de impedir a disseminação de células neoplásicas. Esta relação entre imunossupressão e prognóstico em pacientes portadores de câncer foi descrita inicialmente por Eilber e cols4 no começo dos anos 70.

COMO AVALIAR A FUNÇÃO IMUNE ?
A crescente popularização dos procedimentos laparoscópicos tem despertado um grande interesse sobre os mecanismos responsáveis pela menor resposta inflamatória associada a esta via de acesso. Dentre diversos outros fatores, a estimativa desta resposta tem sido feita pela avaliação de marcadores de fase aguda e da atividade das células de defesa imunológica.
    As citocinas são mensageiros da resposta inflamatória local e sistêmica e o aumento da sua produção marca o início da fase aguda da resposta inflamatória frente ao estresse cirúrgico5,6. Algumas delas têm seus níveis séricos baixos reconhecidos como benéficos e atuam como imunomoduladores, estando também associadas à pior evolução pós-operatória quando seus níveis são elevados7. Dentre elas, as mais estudadas são o fator de necrose tumoral-á (TNF-á), interleucina-1 (IL-1) e interleucina-6 (IL-6). Quando ocorre o trauma cirúrgico, também existe a produção de proteínas de fase aguda, dando-se destaque à proteína C reativa (PCR).
    A IL-6 é mediadora da resposta inflamatória sistêmica na medida em que modula a proliferação, diferenciação e maturação da linhagem hematopoiética, bem como o controle da atividade metabólica celular5. O trauma cirúrgico provoca elevação da IL-6 em 1 a 3 horas, com seus níveis permanecendo elevados por 2 a 3 dias após o procedimento5, 8. Níveis elevados de IL-6 estão correlacionados ao tempo operatório, perda sangüínea e grau de injúria aos tecidos 9 e se associam a maior morbidade e mortalidade. Apesar de resultados conflitantes, estudos em humanos demonstraram menores níveis séricos de IL-6 em pacientes submetidos à laparoscopia, quando comparados a pacientes submetidos à laparotomia. 10, 11, 12, 13, 14
    Níveis de IL-1 são detectados em baixas concentrações nas primeiras horas após o procedimento cirúrgico, não se observando diferenças quanto à via de acesso, porém atingem picos 20 a 24 horas após o procedimento. Níveis de TNF-á, por sua vez, não aumentam após o procedimento cirúrgico, elevando-se apenas em casos de complicações sépticas.
    A PCR atua como marcador de fase aguda, ativando a cascata do complemento e estimulando a fagocitose por neutrófilos e macrófagos 15. Seus níveis séricos estão correlacionados à intensidade do trauma cirúrgico, observando-se baixos níveis após cirurgia vídeo-laparoscópica. Aumentam em 4 a 12 horas após o procedimento, com pico em 24 a 72 horas, e retornam aos níveis basais em 2 semanas. 16
    A resposta imune celular é desempenhada por leucócitos polimorfonucleares, que exercem papel primordial na defesa do organismo contra infecções 1, 17, e por células mononucleares, responsáveis pelo processamento (opsonização) de patógenos (antígenos) e pela realização de funções imunes específicas, caracterizadas pela expressão de receptores na parede celular que possibilitam o reconhecimento destes patógenos e a sua apresentação para os linfócitos que irão produzir anticorpos específicos contra o antígeno (reação antígeno-anticorpo) 2. Essas reações específicas são mediadas por moléculas pertencentes ao complexo de histiocompatibilidade maior classe II (MHC-II) que estão presentes na superfície das células (antígeno leucocitário humano DR, HLA-DR), de forma que a baixa expressão destas moléculas em monócitos e macrófagos predispõe a infecções pós-operatórias.
    O trauma cirúrgico provoca alterações da função de monócitos e macrófagos conforme mostra a Tabela-1. Como resultado, o estresse cirúrgico induz imunossupressão, predispondo o paciente a infecções no pós-operatório 2, 6, 18 e maior risco de sepsis e maior mortalidade em pacientes graves 19.

 



    Observa-se ainda redução dos níveis de células NK e linfócitos T, principalmente células T-helper (CD4+), levando ao desequilíbrio com os linfócitos T citotóxicos (CD8+) circulantes. A redução desta relação CD4+/CD8+, por sua vez, está relacionada à magnitude do trauma cirúrgico, conforme demonstrado por Lennard e cols.20

RESPOSTA INFLAMATÓRIA APÓS LAPAROTOMIA
Em cirurgia abdominal convencional, a manipulação e a tração das alças intestinais são fatores desencadeantes de uma cascata inflamatória na camada muscular da alça que provoca a ativação de macrófagos e a infiltração de neutrófilos, monócitos e mastócitos 21, 22, promovendo alterações morfológicas na parede e, conseqüentemente, diminuição da contratilidade da camada muscular circular, levando à dismotilidade intestinal.
    Associada à resposta inflamatória intestinal, a abertura da cavidade abdominal desencadeia resposta intraperitonial que se caracteriza pela redução da função fagocítica dos macrófagos na cavidade (predispondo o indivíduo às infecções abdominais) e pelo aumento da liberação de citocinas (principalmente TNF-á, IL-1 e IL-6), levando à maior probabilidade de complicações intra-abdominais, tais como peritonite bacteriana 23, 24 .
    A resposta inflamatória sistêmica ocorre tardiamente e se caracteriza pela elevação dos níveis séricos de proteínas de fase aguda e de citocinas após permanecerem indetectáveis na circulação sangüínea por vários dias, sugerindo que as proteínas de fase aguda são produzidas localmente e que as citocinas têm sua origem no peritônio. 25, 26

RESPOSTA INFLAMATÓRIA EM CIRURGIA LAPAROSCÓPICA COLO-RETAL
Acredita-se que a evolução favorável dos procedimentos minimamente invasivos esteja relacionada à menor intensidade de injúria tecidual, fruto de menores incisões que, por sua vez, resultam em menor resposta metabólica e menor imunossupressão quando comparados à cirurgia convencional. 10, 27, 28, 29, 30. Além disso, sabe-se que o aprimoramento da técnica cirúrgica permitiu que a cirurgia vídeo-laparoscópica pudesse ser empregada no tratamento do câncer, seguindo os princípios de uma ressecção oncológica realizada por via aberta: laparotomia. 31
    Adicionalmente à influência do trauma cirúrgico per se, é possível que a resposta inflamatória local possa ser modulada pelo tipo de gás insuflado durante a confecção do pneumoperitônio, assim como sua temperatura, umidade, pressão intraperitoneal e alterações na distensão da parede abdominal 32. O uso de gás carbônico provoca alteração na produção de TNF e superóxidos por macrófagos peritoneais, levando à diminuição da fagocitose de bactérias inoculadas 33. Entretanto, o contato com o ar durante a laparotomia ou a confecção do pneumoperitônio com ar têm efeitos mais deletérios sobre a resposta imune quando comparados ao gás carbônico. 34
    Muitos estudos foram realizados com o objetivo de avaliar a resposta imune sistêmica em pacientes submetidos à cirurgia vídeo-laparoscópica, comparando os resultados obtidos aos de pacientes submetidos à laparotomia, porém as diferenças foram mais significativas em estudos com pacientes submetidos à colecistectomia e fundoplicatura, enquanto que os resultados após cirurgia colo-retal foram inconsistentes (Tabela-2).

 



    Dunker e cols 35 compararam a resposta inflamatória de pacientes submetidos à ressecção intestinal por laparotomia versus laparoscopia em estudo randomizado com 34 pacientes e observaram aumento de IL-6 em ambos os grupos. Este resultado indica que ocorreu ativação da resposta inflamatória sistêmica semelhante entre os dois grupos, provavelmente como resultado da ressecção intestinal, não havendo diferença estatística quanto ao tamanho da incisão. Entretanto, quando se comparou a extensão da ressecção intestinal no grupo de pacientes submetidos à laparoscopia, os níveis de IL-6 foram superiores naqueles pacientes em que foram realizadas ressecções mais alargadas, porém sem diferença estatística, sugerindo que a extensão da ressecção intestinal seria fator de maior influência sobre a resposta inflamatória quando comparado ao tamanho da incisão. Por outro lado, a análise dos níveis de PCR durante o pós-operatório não evidenciou diferenças significativas quanto à via de acesso empregada, enquanto que a diminuição da expressão de receptores HLA-DR na membrana de monócitos foi mais intensa no grupo de pacientes submetidos à laparotomia apesar desta diferença não ser significativa. Assim é opinião dos autores que o trauma cirúrgico não alterou a função imune com relação aos parâmetros estudados quanto à via empregada e à extensão da ressecção intestinal.
    Níveis de IL-6, HLA-DR e população de linfócitos foram os dados estudados por Hewitt e cols 28 em 25 pacientes portadores de câncer colo-retal submetidos a tratamento cirúrgico por laparotomia versus laparoscopia assistida. Observou-se elevação mais acentuada dos níveis de IL-6 quatro horas após o procedimento no grupo submetido à laparotomia, porém sem diferença estatística significativa, com retorno aos valores normais observado em ambos os grupos 48 horas após o procedimento. Linfopenia, determinada pela redução do número de células T e células NK circulantes, foi observada nos dois grupos, entretanto não houve diferença estatística significante. A expressão de receptores HLA-DR também foi afetada pelo procedimento cirúrgico, porém em níveis não significantes quando se comparou a via de acesso. Com base nesta casuística, os autores postulam que é pouco provável que a cirurgia laparoscópica acarrete melhor resposta imune pós-operatória.
    Resultados semelhantes foram observados em estudo realizado por Tang e cols 36 ao avaliarem a contagem de linfócitos T (relação CD4+/CD8+) e B, células NK, níveis de imunoglobulinas (IgG, IgM e IgA) e níveis de complemento C3 e C4 em 236 pacientes portadores de tumor de cólon esquerdo submetidos a tratamento cirúrgico por laparotomia ou por laparoscopia. Enquanto estudos em animais demonstraram a menor imunossupressão após cirurgia laparoscópica, os autores não conseguiram transpor tais resultados para estudo clínico, observando que a cirurgia laparoscópica acarreta impacto semelhante sobre a resposta imune quando comparada à cirurgia convencional.
    Estudo prospectivo e randomizado publicado pelo grupo de Amsterdam com 26 pacientes submetidos a tratamento cirúrgico por câncer colo-retal comparando as vias de acesso laparoscópico e por laparotomia, observou níveis séricos inferiores de IL-6 e IL-8 no grupo submetido à laparoscopia, sugerindo que esta via de acesso é menos traumática, enquanto que os níveis peritoniais foram semelhantes em ambos os grupos, o que provavelmente é resultado do fato da dissecção das estruturas ser semelhante tanto na laparoscopia quanto na laparotomia 37. Além disso, observaram-se níveis de IL-6 e IL-8 mais elevados no peritônio quando comparados aos níveis na corrente sanguínea, corroborando o conceito de uma produção local de interleucinas estimulada pelo estresse cirúrgico, sendo transferidas em seguida para outros compartimentos. Níveis de PCR aumentaram no pós-operatório de forma semelhante nos dois grupos, enquanto que ocorreu aumento do número total de leucócitos com redução de linfócitos e HLA-DR nos primeiros dias após a cirurgia e com normalização mais rápida desses níveis observada nos pacientes submetidos à laparoscopia, apesar de não haver diferença estatística. Desta forma, os autores concluem que os níveis de citocinas pró-inflamatórias produzidas localmente sugerem que ambos as vias de acesso são igualmente traumáticas, não se observando diferenças na resposta imune celular.
    Hildebrandt e cols 38 compararam níveis de IL-6, IL-10, PCR e elastase granulocítica, agente proteolítico liberado após a ativação de neutrófilos e que atua na degradação de tecidos. O estudo realizado em 42 pacientes portadores de doença de Crohn ou câncer colônico submetidos a tratamento cirúrgico por laparoscopia ou por laparotomia teve como resultados níveis inferiores em todas as variáveis em pacientes submetidos à cirurgia laparoscópica, sugerindo que níveis de IL-6 e de elastase granulocítica são marcadores ideais da resposta inflamatória frente ao trauma cirúrgico e, ao utilizar esses parâmetros, concluíram que a cirurgia laparoscópica acarreta menor trauma cirúrgico quando comparada a laparotomia.
    Conclusão semelhante foi apresentada pelo estudo do grupo de Barcelona com 97 pacientes portadores de câncer colônico submetidos a tratamento cirúrgico, comparando-se a via laparoscópica com a laparotomia 8. As variáveis analisadas foram IL-6, PCR (marcadores da resposta de fase aguda) cortisol e prolactina (marcadores da ativação inflamatória pelo sistema neuroendócrino). Observaram-se níveis inferiores de PCR e IL-6 no grupo submetido à cirurgia laparoscópica e ocorreu aumento dos níveis de prolactina e cortisol em ambos os grupos, não se observando diferença estatística. Dessa forma, os autores postulam que a cirurgia laparoscópica induz ativação do eixo neuroendócrino de forma semelhante à laparotomia, porém a resposta inflamatória na fase aguda é atenuada.
    Whelan e cols 39 ,, em estudo prospectivo não-randomizado avaliaram a hipersensibilidade tardia (HT) em 35 pacientes submetidos a colectomia pela via laparoscópica ou por laparotomia. Foram observados níveis inferiores de HT no grupo submetido a laparotomia, quando comparado com níveis pré-operatórios e com o grupo submetido à laparoscopia. Por outro lado, os níveis de HT no grupo submetido à laparoscopia foram semelhantes aos níveis pré-operatórios. A HT avalia a resposta imune celular através da injeção intradérmica de antígenos, aos quais o indivíduo já foi previamente exposto; assim níveis elevados de HT como os observados no grupo submetido à laparoscopia estão associados a menor imunossupressão pós-operatória. Portanto, conclui-se que no grupo estudado a laparotomia acarretou imunossupressão celular significativa no pós-operatório, ao contrário da laparoscopia em que não se observou deterioração da função imune celular.
    Schwenk e cols 9 , em estudo controlado e randomizado com 30 pacientes submetidos à ressecção colo-retal pelas duas vias de acesso, demonstraram menores níveis de IL-6 e PCR no grupo submetido à cirurgia laparoscópica, conforme já previsto por Delgado 8. Entretanto não houve diferença significativa quando se avaliaram mediadores anti-inflamatórios (IL-10 e receptor antagonista de IL-1), cuja produção é desencadeada pelo trauma cirúrgico. Portanto, a análise da presente casuística permitiu concluir que a resposta imune menos intensa após cirurgia laparoscópica é resultado de menor trauma cirúrgico.
    Como podemos observar, os resultados de estudos clínicos realizados são conflitantes, seja pelo número reduzido de pacientes incluídos em cada estudo, ou ainda pelo desenho dos estudos, muitos não randomizados, pelos parâmetros analisados com o intuito de avaliar a resposta imune (que variam em cada estudo) e pela técnica cirúrgica empregada, variável conforme a experiência do cirurgião com a cirurgia laparoscópica. É importante salientar que, ao contrário dos estudos em animais, os ensaios clínicos sofrem a influência de maior número de fatores externos. Assim, necessitam de padronização quanto à presença de doenças associadas, perda sangüínea, tempo operatório e os grupos devem ser comparados a partir de doenças semelhantes.
    Por outro lado, estudos realizados em animais associam, de uma forma geral, a cirurgia laparoscópica com os menores níveis de imunossupressão e, conseqüentemente, de complicações pós-operatórias, apesar de também existirem estudos com resultados conflitantes. Allendorf e cols 40 , ao avaliar a resposta imune celular através de HT em estudo comparativo com ratos, observaram que o grupo submetido à ressecção do cólon por vídeo-laparoscopia apresentou algum grau de imunossupressão, porém em menor intensidade que o grupo submetido à laparotomia, uma vez que níveis de HT foram maiores naquele grupo, quando comparados à via aberta e discretamente menores, quando comparados ao grupo controle.
    Kuntz e cols 41 estudaram as alterações dos parâmetros imunológicos pós-operatórios (IL-1â, IL-6, cortisol e neopterin) em 18 ratos portadores de neoplasia submetidos a ressecção colônica por laparotomia ou por laparoscopia e em 9 ratos submetidos somente à anestesia (controle) e o seu impacto sobre a ocorrência de metástases e a sobrevida a longo prazo. Observaram concentrações menores dos parâmetros imunológicos no grupo submetido à laparoscopia, assim como menor perda de peso, medida indireta do estresse pós-cirúrgico. Em contrapartida, não observaram diferenças quanto à sobrevida e à presença de metástases, podendo-se concluir que apesar da vídeo-laparoscopia trazer benefícios a curto prazo, tais benefícios não podem ser traduzidos em melhor sobrevida a longo prazo quando comparada à via aberta.
    Apesar dos resultados apresentados por Kuntz e cols, o grupo de Amsterdam liderado por Sietses 42 analisou a resposta imune através da citotoxicidade mediada por linfócitos, cuja atividade correlaciona-se com a atividade das células de Kupffer, sendo sua função primordial o controle do crescimento tumoral no fígado. Assim, foi observado neste estudo com ratos submetidos à cirurgia do trato gastrointestinal pela via laparoscópica ou pela via aberta diminuição da citotoxicidade, mediada por linfócitos no grupo submetido à laparotomia, enquanto que no grupo da laparoscopia não houve alteração. Portanto, os autores concluem que a cirurgia minimamente invasiva confere proteção à atividade das células mononucleares, podendo prevenir a implantação e crescimento de células neoplásicas pela manipulação cirúrgica.

RESPOSTA INFLAMATÓRIA EM VÍDEO-CIRURGIA COLO-RETAL ASSISTIDA COM A MÃO
As principais críticas com relação à vídeo-cirurgia dizem respeito à maior curva de aprendizado, maior tempo operatório, segurança e maior custo. Outra preocupação é a perda da sensação táctil durante o ato operatório, pois em procedimentos laparoscópicos esta sensação ainda é bastante limitada com os instrumentos atualmente disponíveis. Para contornar esta dificuldade, foram desenvolvidos diversos dispositivos e instrumentos que permitem realizar a chamada cirurgia laparoscópica assistida com a mão (do inglês: "hand-assisted laparoscopic surgery" = HALS).
    Com este tipo de acesso, o cirurgião introduz sua mão ou até o antebraço na cavidade abdominal através de uma mini-laparotomia, mantendo o pneumoperitônio e utilizando, ao mesmo tempo, instrumentos laparoscópicos para mobilização, desvascularização, divisão e ressecção.
    As técnicas HALS têm sido importantes para evitar conversão em casos difíceis e no treinamento de cirurgiões menos experientes. Outra provável vantagem é a possibilidade de diminuir o tempo operatório e facilitar a secção baixa do reto na pelve, podendo inclusive auxiliar na verificação de margem livre de tumor. Apesar dessas vantagens, as técnicas HALS requerem a confecção de uma mini-laparotomia, que é estirada ao longo do procedimento. Além disso, existe manipulação de vísceras abdominais, o que aumenta o trauma operatório. 43
    Em estudo prospectivo randomizado com 54 pacientes portadores de câncer colônico, Targarona e cols 44 compararam as vantagens intraoperatórias, mobilização celular, evolução imediata e resposta inflamatória, através da dosagem sérica de IL-6 e PCR, entre colectomia pela técnica HALS e por laparoscopia. Em ambos os grupos, não se observou mobilização de células neoplásicas através da análise do lavado peritoneal e a qualidade do espécime ressecado foi semelhante. Os níveis de IL-6 e PCR foram mais elevados no grupo submetido a HALS quando comparado à laparoscopia; tal fato pode ser atribuído ao maior grau de injúria tecidual, principalmente devido ao estiramento da incisão ao longo do procedimento. Entretanto, este achado não teve impacto sobre a evolução pós-operatória imediata. Assim, os autores concluem que a HALS é procedimento minimamente invasivo com as mesmas vantagens já apresentadas pela vídeo-cirurgia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ato operatório determina período de imunossupressão independente da via de acesso empregada. A cirurgia convencional está associada a maior produção de IL-6 e PCR, quando comparada a métodos minimamente invasivos. Dessa forma, argumenta-se que a vídeo-cirurgia colo-retal produz menor trauma cirúrgico e, conseqüentemente, reduz a reposta inflamatória da fase aguda, preservando a função imune no pós-operatório. Para casos de neoplasias, em que a função imune já se encontra debilitada pela própria doença, acredita-se que a via laparoscópica não só reduz a taxa de complicações pós-operatórias, como também influencia positivamente sobre o curso evolutivo da doença, embora ainda não haja comprovação científica para este fato. Para tanto, novos estudos são necessários com o objetivo de compreender o efeito do trauma cirúrgico sobre o sistema imune, bem como o curso, a extensão e as repercussões das alterações imunológicas sobre a evolução das doenças neoplásicas.

SUMMARY: As a minimally invasive procedure, the laparoscopic surgery promotes limited parietal injury and leads to fast postoperative recovery, allowing precocious return to normal activities. Although all surgical procedures may cause immunesuppression, it has been suggested that the smaller surgical trauma in the laparoscopic approach is due to a smaller inflammatory response when compared to laparotomy. In this context, several papers published during the last decade have focused on comparing several operative procedures, with conflicting results. This review aims at presenting the results of comparative studies regarding the inflammatory response after minimally invasive colorectal surgery, and analysing its potential consequences over postoperative and oncological outcome. The available data derive from heterogeneous studies, with reduced number of cases and different surgical experience in laparoscopic surgery. These features raise objections to establish the course, extension and immunological alterations due to trauma, but one recognizes that conventional operations are associated with greater production of IL-6 and PCR. As laparoscopic surgery leads to less trauma and preserves immune function, it is suggested that this approach may positively influence the outcome of malignant diseases (when the immune function is already depressed), but there is no scientific evidence for this fact so far.

Key words: Colorectal surgery, Laparoscopic surgery, Inflammatory response, Immune response.

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Endereço para correspondência:
Fábio Guilherme C. M. de Campos
Alameda Jaú, 1477 - apto. 111 A - Cerqueira César
01420-002 - São Paulo - SP
E-mail: fgmcampos@terra.com.br 

Recebido em 26/08/2005
Aceito para publicação em 10/09/2005