VÍDEO-LAPAROSCOPIA COLO-RETAL - ENFOQUES ATUAIS & CONTROVÉRSIAS
AVALIAÇÃO DOS EFEITOS IMUNOLÓGICOS EM OPERAÇÕES COLO-RETAIS MINIMAMENTE INVASIVAS
1Fábio Guilherme C.M. de Campos, 1Pedro Paulo de Paris Caravatto, 1Sérgio Eduardo Alonso Araújo
1Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
Campos FGCM, Caravatto PP, Araújo SEA . Avaliação dos Efeitos Imunológicos em Operações Colo-retais
Minimamente Invasivas. Rev bras Coloproct, 2005;25(3): 285-292.
RESUMO: Por ser procedimento minimamente invasivo, a vídeo-cirurgia promove agressão parietal limitada, associa-se a menos dor e provê rápida recuperação pós-operatória, possibilitando aos pacientes retornarem precocemente às atividades diárias. Embora todo ato cirúrgico determine imunossupressão, sugere-se que o menor trauma cirúrgico do acesso laparoscópico seja conseqüente a uma menor resposta inflamatória em comparação à via convencional. Neste contexto, diversos trabalhos publicados na última década têm se dedicado a fazer esta comparação em diversos procedimentos operatórios, encontrando resultados muitas vezes conflitantes. Esta revisão visou apresentar os resultados comparativos sobre a resposta imunológica das operações colo-retais minimamente invasivas, analisando suas possíveis repercussões sobre os resultados imediatos e oncológicos. Até o momento, os dados disponíveis na literatura provêm de estudos heterogêneos, com séries pequenas, realizados por equipes com experiência distinta com o método laparoscópico. Essas características dificultam estabelecer definitivamente o curso, a extensão e as repercussões das alterações imunológicas frente ao trauma, mas reconhece-se que as operações convencionais geram maior produção de IL-6 e PCR. Como a vídeo-cirurgia produz menor trauma e preserva a função imune no pós-operatório, acredita-se que a via laparoscópica pode influenciar positivamente o curso evolutivo das neoplasias (situação em que a função imune já se encontra debilitada pela própria doença), embora ainda não haja comprovação científica para este fato.
Descritores: Cirurgia colo-retal, Cirurgia laparoscópica, Resposta inflamatória, Resposta imunológica.
Introdução
A resposta inflamatória está
diretamente relacionada ao trauma inerente ao ato cirúrgico.
Resulta da uma interação dos sistemas neuroendócrino,
imune e metabólico, caracterizando-se pela produção
de mediadores pró-inflamatórios que irão promover
a ativação de mecanismos imunológicos
1, 2. A presença de proteínas de fase aguda e de citocinas na
circulação sangüínea reflete a ativação desta resposta, que
tem como objetivo primordial promover a defesa do
organismo3. Entretanto, reconhece-se também que
uma resposta inflamatória exagerada pode trazer
efeitos deletérios.
Ao demonstrar a atenuação desta
resposta, procura-se determinar o impacto potencial que
uma menor imunossupressão poderia trazer à evolução
pós-operatória e aos resultados oncológicos, uma vez
que o sistema imune tem a capacidade de impedir a disseminação de células neoplásicas. Esta relação
entre imunossupressão e prognóstico em
pacientes portadores de câncer foi descrita inicialmente
por Eilber e cols4 no começo dos anos 70.
COMO AVALIAR A FUNÇÃO IMUNE ?
A crescente popularização dos
procedimentos laparoscópicos tem despertado um grande
interesse sobre os mecanismos responsáveis pela menor
resposta inflamatória associada a esta via de acesso.
Dentre diversos outros fatores, a estimativa desta resposta
tem sido feita pela avaliação de marcadores de fase
aguda e da atividade das células de defesa imunológica.
As citocinas são mensageiros da
resposta inflamatória local e sistêmica e o aumento da
sua produção marca o início da fase aguda da
resposta inflamatória frente ao estresse
cirúrgico5,6. Algumas delas têm seus níveis séricos baixos reconhecidos
como benéficos e atuam como imunomoduladores,
estando também associadas à pior evolução
pós-operatória quando seus níveis são
elevados7. Dentre elas, as mais estudadas são o fator de necrose tumoral-á
(TNF-á), interleucina-1 (IL-1) e interleucina-6 (IL-6).
Quando ocorre o trauma cirúrgico, também existe a
produção de proteínas de fase aguda, dando-se destaque
à proteína C reativa (PCR).
A IL-6 é mediadora da resposta
inflamatória sistêmica na medida em que modula a
proliferação, diferenciação e maturação da
linhagem hematopoiética, bem como o controle da
atividade metabólica celular5. O trauma cirúrgico
provoca elevação da IL-6 em 1 a 3 horas, com seus
níveis permanecendo elevados por 2 a 3 dias após
o procedimento5, 8. Níveis elevados de IL-6
estão correlacionados ao tempo operatório, perda
sangüínea e grau de injúria aos tecidos
9 e se associam a maior morbidade e mortalidade. Apesar de
resultados conflitantes, estudos em humanos
demonstraram menores níveis séricos de IL-6 em
pacientes submetidos à laparoscopia, quando comparados
a pacientes submetidos à laparotomia. 10, 11, 12, 13, 14
Níveis de IL-1 são detectados em
baixas concentrações nas primeiras horas após o
procedimento cirúrgico, não se observando diferenças quanto à
via de acesso, porém atingem picos 20 a 24 horas após
o procedimento. Níveis de TNF-á, por sua vez,
não aumentam após o procedimento cirúrgico,
elevando-se apenas em casos de complicações sépticas.
A PCR atua como marcador de fase aguda, ativando a cascata do complemento e estimulando
a fagocitose por neutrófilos e macrófagos
15. Seus níveis séricos estão correlacionados à intensidade do
trauma cirúrgico, observando-se baixos níveis após
cirurgia vídeo-laparoscópica. Aumentam em 4 a 12 horas
após o procedimento, com pico em 24 a 72 horas, e
retornam aos níveis basais em 2 semanas.
16
A resposta imune celular é desempenhada
por leucócitos polimorfonucleares, que exercem
papel primordial na defesa do organismo contra
infecções 1, 17, e por células mononucleares, responsáveis
pelo processamento (opsonização) de patógenos
(antígenos) e pela realização de funções imunes
específicas, caracterizadas pela expressão de receptores na
parede celular que possibilitam o reconhecimento
destes patógenos e a sua apresentação para os linfócitos
que irão produzir anticorpos específicos contra o
antígeno (reação antígeno-anticorpo)
2. Essas reações
específicas são mediadas por moléculas pertencentes ao
complexo de histiocompatibilidade maior classe II (MHC-II)
que estão presentes na superfície das células
(antígeno leucocitário humano DR, HLA-DR), de forma que
a baixa expressão destas moléculas em monócitos
e macrófagos predispõe a infecções pós-operatórias.
O trauma cirúrgico provoca alterações
da função de monócitos e macrófagos conforme mostra
a Tabela-1. Como resultado, o estresse cirúrgico
induz imunossupressão, predispondo o paciente a
infecções no
pós-operatório 2, 6, 18 e maior risco de sepsis e
maior mortalidade em pacientes graves
19.
|
Observa-se ainda redução dos níveis de
células NK e linfócitos T, principalmente células
T-helper (CD4+), levando ao desequilíbrio com os linfócitos
T citotóxicos (CD8+) circulantes. A redução
desta relação CD4+/CD8+, por sua vez, está relacionada
à magnitude do trauma cirúrgico, conforme
demonstrado por Lennard e cols.20
RESPOSTA INFLAMATÓRIA APÓS LAPAROTOMIA
Em cirurgia abdominal convencional, a manipulação e a tração das alças intestinais são
fatores desencadeantes de uma cascata inflamatória na
camada muscular da alça que provoca a ativação de
macrófagos e a infiltração de neutrófilos, monócitos e
mastócitos 21, 22, promovendo alterações morfológicas na
parede e, conseqüentemente, diminuição da contratilidade
da camada muscular circular, levando à
dismotilidade intestinal.
Associada à resposta inflamatória intestinal,
a abertura da cavidade abdominal desencadeia
resposta intraperitonial que se caracteriza pela redução
da função fagocítica dos macrófagos na
cavidade (predispondo o indivíduo às infecções abdominais)
e pelo aumento da liberação de citocinas
(principalmente TNF-á, IL-1 e IL-6), levando à maior probabilidade
de complicações intra-abdominais, tais como
peritonite bacteriana 23, 24 .
A resposta inflamatória sistêmica
ocorre tardiamente e se caracteriza pela elevação dos
níveis séricos de proteínas de fase aguda e de citocinas
após permanecerem indetectáveis na circulação
sangüínea por vários dias, sugerindo que as proteínas de
fase aguda são produzidas localmente e que as
citocinas têm sua origem no peritônio.
25, 26
RESPOSTA INFLAMATÓRIA EM CIRURGIA LAPAROSCÓPICA COLO-RETAL
Acredita-se que a evolução favorável
dos procedimentos minimamente invasivos esteja relacionada à menor intensidade de injúria
tecidual, fruto de menores incisões que, por sua vez,
resultam em menor resposta metabólica e
menor imunossupressão quando comparados à
cirurgia convencional. 10, 27, 28, 29,
30. Além disso, sabe-se que o aprimoramento da técnica cirúrgica permitiu que
a cirurgia vídeo-laparoscópica pudesse ser empregada
no tratamento do câncer, seguindo os princípios de
uma ressecção oncológica realizada por via aberta:
laparotomia. 31
Adicionalmente à influência do
trauma cirúrgico per se, é possível que a resposta
inflamatória local possa ser modulada pelo tipo de gás
insuflado durante a confecção do pneumoperitônio, assim
como sua temperatura, umidade, pressão intraperitoneal
e alterações na distensão da parede abdominal
32. O uso de gás carbônico provoca alteração na produção de
TNF e superóxidos por macrófagos peritoneais, levando
à diminuição da fagocitose de bactérias inoculadas
33. Entretanto, o contato com o ar durante a
laparotomia ou a confecção do pneumoperitônio com ar têm
efeitos mais deletérios sobre a resposta imune
quando comparados ao gás carbônico.
34
Muitos estudos foram realizados com o objetivo de avaliar a resposta imune sistêmica
em pacientes submetidos à cirurgia
vídeo-laparoscópica, comparando os resultados obtidos aos de
pacientes submetidos à laparotomia, porém as diferenças
foram mais significativas em estudos com pacientes submetidos à colecistectomia e
fundoplicatura, enquanto que os resultados após cirurgia
colo-retal foram inconsistentes (Tabela-2).
|
Dunker e cols 35 compararam a
resposta inflamatória de pacientes submetidos à
ressecção intestinal por laparotomia
versus laparoscopia em estudo randomizado com 34 pacientes e
observaram aumento de IL-6 em ambos os grupos. Este
resultado indica que ocorreu ativação da resposta
inflamatória sistêmica semelhante entre os dois
grupos, provavelmente como resultado da ressecção
intestinal, não havendo diferença estatística quanto ao
tamanho da incisão. Entretanto, quando se comparou a
extensão da ressecção intestinal no grupo de
pacientes submetidos à laparoscopia, os níveis de IL-6
foram superiores naqueles pacientes em que foram
realizadas ressecções mais alargadas, porém sem
diferença estatística, sugerindo que a extensão da
ressecção intestinal seria fator de maior influência sobre
a resposta inflamatória quando comparado ao
tamanho da incisão. Por outro lado, a análise dos níveis de
PCR durante o pós-operatório não evidenciou
diferenças significativas quanto à via de acesso
empregada, enquanto que a diminuição da expressão de
receptores HLA-DR na membrana de monócitos foi mais
intensa no grupo de pacientes submetidos à laparotomia
apesar desta diferença não ser significativa. Assim é
opinião dos autores que o trauma cirúrgico não alterou a
função imune com relação aos parâmetros estudados
quanto à via empregada e à extensão da ressecção intestinal.
Níveis de IL-6, HLA-DR e população
de linfócitos foram os dados estudados por Hewitt e
cols 28 em 25 pacientes portadores de câncer
colo-retal submetidos a tratamento cirúrgico por
laparotomia versus laparoscopia assistida. Observou-se
elevação mais acentuada dos níveis de IL-6 quatro horas após
o procedimento no grupo submetido à
laparotomia, porém sem diferença estatística significativa,
com retorno aos valores normais observado em ambos
os grupos 48 horas após o procedimento.
Linfopenia, determinada pela redução do número de células T
e células NK circulantes, foi observada nos dois
grupos, entretanto não houve diferença estatística
significante. A expressão de receptores HLA-DR também
foi afetada pelo procedimento cirúrgico, porém em
níveis não significantes quando se comparou a via de
acesso. Com base nesta casuística, os autores postulam que
é pouco provável que a cirurgia laparoscópica
acarrete melhor resposta imune pós-operatória.
Resultados semelhantes foram observados em estudo realizado por Tang e cols
36 ao avaliarem a contagem de linfócitos T (relação CD4+/CD8+) e
B, células NK, níveis de imunoglobulinas (IgG, IgM
e IgA) e níveis de complemento C3 e C4 em
236 pacientes portadores de tumor de cólon
esquerdo submetidos a tratamento cirúrgico por laparotomia
ou por laparoscopia. Enquanto estudos em animais demonstraram a menor imunossupressão após
cirurgia laparoscópica, os autores não conseguiram transpor
tais resultados para estudo clínico, observando que
a cirurgia laparoscópica acarreta impacto
semelhante sobre a resposta imune quando comparada à
cirurgia convencional.
Estudo prospectivo e randomizado publicado pelo grupo de Amsterdam com 26 pacientes
submetidos a tratamento cirúrgico por câncer
colo-retal comparando as vias de acesso laparoscópico e
por laparotomia, observou níveis séricos inferiores de
IL-6 e IL-8 no grupo submetido à laparoscopia,
sugerindo que esta via de acesso é menos traumática,
enquanto que os níveis peritoniais foram semelhantes em
ambos os grupos, o que provavelmente é resultado do fato
da dissecção das estruturas ser semelhante tanto
na laparoscopia quanto na laparotomia
37. Além disso, observaram-se níveis de IL-6 e IL-8 mais elevados
no peritônio quando comparados aos níveis na
corrente sanguínea, corroborando o conceito de uma
produção local de interleucinas estimulada pelo
estresse cirúrgico, sendo transferidas em seguida para
outros compartimentos. Níveis de PCR aumentaram no
pós-operatório de forma semelhante nos dois
grupos, enquanto que ocorreu aumento do número total
de leucócitos com redução de linfócitos e HLA-DR
nos primeiros dias após a cirurgia e com normalização
mais rápida desses níveis observada nos
pacientes submetidos à laparoscopia, apesar de não
haver diferença estatística. Desta forma, os autores
concluem que os níveis de citocinas pró-inflamatórias
produzidas localmente sugerem que ambos as vias de acesso
são igualmente traumáticas, não se observando
diferenças na resposta imune celular.
Hildebrandt e cols 38 compararam níveis de
IL-6, IL-10, PCR e elastase granulocítica,
agente proteolítico liberado após a ativação de neutrófilos
e que atua na degradação de tecidos. O estudo
realizado em 42 pacientes portadores de doença de Crohn
ou câncer colônico submetidos a tratamento cirúrgico
por laparoscopia ou por laparotomia teve como
resultados níveis inferiores em todas as variáveis em
pacientes submetidos à cirurgia laparoscópica, sugerindo
que níveis de IL-6 e de elastase granulocítica
são marcadores ideais da resposta inflamatória frente
ao trauma cirúrgico e, ao utilizar esses
parâmetros, concluíram que a cirurgia laparoscópica acarreta
menor trauma cirúrgico quando comparada a laparotomia.
Conclusão semelhante foi apresentada
pelo estudo do grupo de Barcelona com 97 pacientes portadores de câncer colônico submetidos a
tratamento cirúrgico, comparando-se a via laparoscópica com
a laparotomia 8. As variáveis analisadas foram IL-6,
PCR (marcadores da resposta de fase aguda) cortisol
e prolactina (marcadores da ativação inflamatória
pelo sistema neuroendócrino). Observaram-se
níveis inferiores de PCR e IL-6 no grupo submetido à
cirurgia laparoscópica e ocorreu aumento dos níveis
de prolactina e cortisol em ambos os grupos, não
se observando diferença estatística. Dessa forma,
os autores postulam que a cirurgia laparoscópica
induz ativação do eixo neuroendócrino de forma
semelhante à laparotomia, porém a resposta inflamatória na
fase aguda é atenuada.
Whelan e cols 39 ,, em estudo prospectivo
não-randomizado avaliaram a hipersensibilidade
tardia (HT) em 35 pacientes submetidos a colectomia
pela via laparoscópica ou por laparotomia.
Foram observados níveis inferiores de HT no grupo
submetido a laparotomia, quando comparado com níveis
pré-operatórios e com o grupo submetido à
laparoscopia. Por outro lado, os níveis de HT no grupo submetido
à laparoscopia foram semelhantes aos níveis
pré-operatórios. A HT avalia a resposta imune
celular através da injeção intradérmica de antígenos, aos
quais o indivíduo já foi previamente exposto; assim
níveis elevados de HT como os observados no
grupo submetido à laparoscopia estão associados a
menor imunossupressão pós-operatória. Portanto,
conclui-se que no grupo estudado a laparotomia
acarretou imunossupressão celular significativa no
pós-operatório, ao contrário da laparoscopia em que
não se observou deterioração da função imune celular.
Schwenk e cols 9 , em estudo controlado
e randomizado com 30 pacientes submetidos à
ressecção colo-retal pelas duas vias de acesso,
demonstraram menores níveis de IL-6 e PCR no grupo submetido
à cirurgia laparoscópica, conforme já previsto
por Delgado 8. Entretanto não houve diferença
significativa quando se avaliaram mediadores anti-inflamatórios
(IL-10 e receptor antagonista de IL-1), cuja produção
é desencadeada pelo trauma cirúrgico. Portanto, a
análise da presente casuística permitiu concluir que a
resposta imune menos intensa após cirurgia laparoscópica
é resultado de menor trauma cirúrgico.
Como podemos observar, os resultados de estudos clínicos realizados são conflitantes, seja
pelo número reduzido de pacientes incluídos em cada
estudo, ou ainda pelo desenho dos estudos, muitos
não randomizados, pelos parâmetros analisados com o
intuito de avaliar a resposta imune (que variam em cada
estudo) e pela técnica cirúrgica empregada, variável conforme
a experiência do cirurgião com a cirurgia
laparoscópica. É importante salientar que, ao contrário dos estudos
em animais, os ensaios clínicos sofrem a influência de
maior número de fatores externos. Assim, necessitam
de padronização quanto à presença de doenças
associadas, perda sangüínea, tempo operatório e os grupos
devem ser comparados a partir de doenças semelhantes.
Por outro lado, estudos realizados em animais associam, de uma forma geral, a
cirurgia laparoscópica com os menores níveis de
imunossupressão e, conseqüentemente, de complicações
pós-operatórias, apesar de também existirem estudos
com resultados conflitantes. Allendorf e cols
40 , ao avaliar a resposta imune celular através de HT em
estudo comparativo com ratos, observaram que o
grupo submetido à ressecção do cólon por
vídeo-laparoscopia apresentou algum grau de
imunossupressão, porém em menor intensidade que o
grupo submetido à laparotomia, uma vez que níveis de
HT foram maiores naquele grupo, quando comparados
à via aberta e discretamente menores,
quando comparados ao grupo controle.
Kuntz e cols 41 estudaram as alterações
dos parâmetros imunológicos pós-operatórios (IL-1â,
IL-6, cortisol e neopterin) em 18 ratos portadores
de neoplasia submetidos a ressecção colônica
por laparotomia ou por laparoscopia e em 9
ratos submetidos somente à anestesia (controle) e o
seu impacto sobre a ocorrência de metástases e a
sobrevida a longo prazo. Observaram concentrações menores
dos parâmetros imunológicos no grupo submetido
à laparoscopia, assim como menor perda de peso,
medida indireta do estresse pós-cirúrgico. Em
contrapartida, não observaram diferenças quanto à sobrevida e
à presença de metástases, podendo-se concluir
que apesar da vídeo-laparoscopia trazer benefícios a
curto prazo, tais benefícios não podem ser traduzidos
em melhor sobrevida a longo prazo quando comparada
à via aberta.
Apesar dos resultados apresentados por Kuntz e cols, o grupo de Amsterdam liderado por Sietses
42 analisou a resposta imune através da
citotoxicidade mediada por linfócitos, cuja atividade
correlaciona-se com a atividade das células de Kupffer, sendo
sua função primordial o controle do crescimento
tumoral no fígado. Assim, foi observado neste estudo com
ratos submetidos à cirurgia do trato gastrointestinal pela
via laparoscópica ou pela via aberta diminuição
da citotoxicidade, mediada por linfócitos no
grupo submetido à laparotomia, enquanto que no grupo
da laparoscopia não houve alteração. Portanto, os
autores concluem que a cirurgia minimamente invasiva
confere proteção à atividade das células
mononucleares, podendo prevenir a implantação e crescimento
de células neoplásicas pela manipulação cirúrgica.
RESPOSTA INFLAMATÓRIA EM VÍDEO-CIRURGIA COLO-RETAL ASSISTIDA COM A MÃO
As principais críticas com relação à
vídeo-cirurgia dizem respeito à maior curva de
aprendizado, maior tempo operatório, segurança e maior custo.
Outra preocupação é a perda da sensação táctil durante o
ato operatório, pois em procedimentos laparoscópicos
esta sensação ainda é bastante limitada com os
instrumentos atualmente disponíveis. Para contornar
esta dificuldade, foram desenvolvidos diversos
dispositivos e instrumentos que permitem realizar a
chamada cirurgia laparoscópica assistida com a mão (do
inglês: "hand-assisted laparoscopic
surgery" = HALS).
Com este tipo de acesso, o cirurgião
introduz sua mão ou até o antebraço na cavidade
abdominal através de uma mini-laparotomia, mantendo
o pneumoperitônio e utilizando, ao mesmo
tempo, instrumentos laparoscópicos para
mobilização, desvascularização, divisão e ressecção.
As técnicas HALS têm sido importantes
para evitar conversão em casos difíceis e no treinamento
de cirurgiões menos experientes. Outra provável
vantagem é a possibilidade de diminuir o tempo operatório
e facilitar a secção baixa do reto na pelve,
podendo inclusive auxiliar na verificação de margem livre
de tumor. Apesar dessas vantagens, as técnicas
HALS requerem a confecção de uma mini-laparotomia, que
é estirada ao longo do procedimento. Além disso,
existe manipulação de vísceras abdominais, o que aumenta
o trauma operatório. 43
Em estudo prospectivo randomizado com 54 pacientes portadores de câncer colônico, Targarona
e cols 44 compararam as vantagens
intraoperatórias, mobilização celular, evolução imediata e
resposta inflamatória, através da dosagem sérica de IL-6 e
PCR, entre colectomia pela técnica HALS e por
laparoscopia. Em ambos os grupos, não se observou mobilização
de células neoplásicas através da análise do
lavado peritoneal e a qualidade do espécime ressecado
foi semelhante. Os níveis de IL-6 e PCR foram
mais elevados no grupo submetido a HALS quando comparado à laparoscopia; tal fato pode ser
atribuído ao maior grau de injúria tecidual, principalmente
devido ao estiramento da incisão ao longo do
procedimento. Entretanto, este achado não teve impacto sobre
a evolução pós-operatória imediata. Assim, os
autores concluem que a HALS é procedimento
minimamente invasivo com as mesmas vantagens já apresentadas
pela vídeo-cirurgia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ato operatório determina período
de imunossupressão independente da via de
acesso empregada. A cirurgia convencional está associada
a maior produção de IL-6 e PCR, quando comparada
a métodos minimamente invasivos. Dessa
forma, argumenta-se que a vídeo-cirurgia colo-retal
produz menor trauma cirúrgico e, conseqüentemente, reduz
a reposta inflamatória da fase aguda, preservando
a função imune no pós-operatório. Para casos
de neoplasias, em que a função imune já se
encontra debilitada pela própria doença, acredita-se que a
via laparoscópica não só reduz a taxa de complicações
pós-operatórias, como também influencia
positivamente sobre o curso evolutivo da doença, embora ainda
não haja comprovação científica para este fato. Para
tanto, novos estudos são necessários com o objetivo
de compreender o efeito do trauma cirúrgico sobre
o sistema imune, bem como o curso, a extensão e
as repercussões das alterações imunológicas sobre
a evolução das doenças neoplásicas.
SUMMARY: As a minimally invasive procedure, the laparoscopic surgery promotes limited parietal injury and leads to fast postoperative recovery, allowing precocious return to normal activities. Although all surgical procedures may cause immunesuppression, it has been suggested that the smaller surgical trauma in the laparoscopic approach is due to a smaller inflammatory response when compared to laparotomy. In this context, several papers published during the last decade have focused on comparing several operative procedures, with conflicting results. This review aims at presenting the results of comparative studies regarding the inflammatory response after minimally invasive colorectal surgery, and analysing its potential consequences over postoperative and oncological outcome. The available data derive from heterogeneous studies, with reduced number of cases and different surgical experience in laparoscopic surgery. These features raise objections to establish the course, extension and immunological alterations due to trauma, but one recognizes that conventional operations are associated with greater production of IL-6 and PCR. As laparoscopic surgery leads to less trauma and preserves immune function, it is suggested that this approach may positively influence the outcome of malignant diseases (when the immune function is already depressed), but there is no scientific evidence for this fact so far.
Key words: Colorectal surgery, Laparoscopic surgery, Inflammatory response, Immune response.
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Endereço para correspondência:
Fábio Guilherme C. M. de Campos
Alameda Jaú, 1477 - apto. 111 A - Cerqueira César
01420-002 - São Paulo - SP
E-mail: fgmcampos@terra.com.br
Recebido em 26/08/2005
Aceito para publicação em 10/09/2005