ARTIGOS ORIGINAIS
A AÇÃO DA FIBRA DIETÉTICA SOLÚVEL (ISPAGHULA HUSK) NA PRESERVAÇÃO DA DENSIDADE VOLUMÉTRICA DA PAREDE COLÔNICA IRRADIADA - ESTUDO EXPERIMENTAL EM RATOS
Andréa Povedano1, João de Aguiar Pupo Neto2, Francisco Lopes Paulo3, Domingos Penna Lacombe4, Cristina Fajardo Diestel5
1Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2Disciplina de Coloproctologia Curso de Pós-Graduação em Cirurgia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 3Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 4 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, 5 Hospital Pedro Ernesto, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Brasil
RESUMO: Introdução: Os efeitos deletérios da radiação ionizante na parede colônica constituem um significante obstáculo à utilização desse método. Trabalhos científicos têm creditado à fibra dietética efeitos positivos sobre o trofismo intestinal. Objetivo: O objetivo deste estudo foi a análise da ação da suplementação de fibras dietéticas solúveis na preservação da densidade da parede do cólon de ratos irradiados. Material e método: Foram utilizados 30 ratos machos adultos da raça Wistar, com peso variando de 250-300g, divididos em três grupos de estudo. O primeiro grupo (Grupo Controle) foi constituído de 10 animais sadios, alimentados com ração própria para a espécie. O segundo grupo (Grupo Controle Irradiado), composto por 10 animais, foi alimentado com ração própria para a espécie durante todo o período e submetido à irradiação de fração única de 10Gy no oitavo dia de experimentação. O terceiro grupo (Grupo Irradiado Sob Fibra), composto por 10 animais, foi alimentado durante todo o período com ração enriquecida com fibra solúvel (Ispaghula husk) e submetido à irradiação de fração única de 10Gy no oitavo dia de experimentação. Todos os animais foram sacrificados no décimo quinto dia de experimentação e submetidos a laparotomia para a ressecção do segmento distal do cólon. As peças foram processadas e submetidas à análise estereológica e estatística (teste não paramétrico de Mann-Whitney). Foram analisados os seguintes parâmetros morfométricos: volume da mucosa, volume da muscular da mucosa, volume da submucosa, volume da muscular própria, volume parcial do epitélio e volume parcial da lâmina própria. Resultados: Observamos a diminuição da espessura da parede colônica no grupo II, com diminuição do volume parcial do epitélio e aumento do volume parcial da lâmina própria quando comparado ao grupo I. A espessura da parede colônica aumentou significativamente no grupo III em relação ao grupo I, sem, contudo, alterar o volume parcial de cada camada em relação ao volume total da parede. Conclusão: Concluímos que a suplementação dietética de fibra solúvel é capaz de promover a hipertrofia global da parede colônica, porém não evita a diminuição do volume parcial do epitélio e o correspondente aumento do volume parcial da lâmina própria.
Descritores: Fibra na dieta - uso terapêutico, Fibra na dieta - farmacologia, Colite - terapia, Lesões experimentais por radiação, Ratos Wistar
Introdução
A utilização da radiação ionizante em
métodos diagnósticos e terapêuticos tem adquirido
caráter crescente na medicina moderna, em especial,
na assistência às doenças neoplásicas. Os
horizontes terapêuticos da radiação ionizante têm sido
freqüentemente ampliados, extendendo-se
progressivamente suas indicações como terapia principal ou
adjuvante1.
Como conseqüência da ampliação do
seu universo de utilização, os conhecimentos sobre
os riscos e efeitos deletérios da radioterapia aos
tecidos humanos estão sendo mais bem
estudados2,3.
A enterite radioativa é descrita como complicação da radioterapia desde
18974. A irradiação pélvica para o tratamento de tumores das vias
urinárias baixas, órgãos reprodutores femininos e masculinos,
e de tumores do próprio reto, quase sempre resulta
em proctocolite, temida pelo seu alto índice de
morbidade5.
Uma grande variedade de métodos e substâncias foram testados com o objetivo de
controlar ou minimizar os sintomas da proctocolite
radioativa em seus mais diversos
estágios6,7,8. Atualmente, o
papel dos ácidos graxos de cadeia curta na recuperação
dos colonócitos continua sendo objeto de estudos
que visam à aplicação destas substâncias no tratamento
dos diversos tipos de doenças inflamatórias
intestinais9,10. A fibra dietética (Plantago ovata) é fonte rica de
ácidos graxos de cadeia curta (propionato, acetato,
n-butirato), produzidos no lúmen intestinal pela ação das
bactérias anaeróbias, principalmente o n-butirato,
responsável por suprir 80% das necessidades de energia do
epitélio colônico11.
Tendo-se em vista o relevante papel da
fibra dietética, como fonte indireta de ácidos graxos
de cadeia curta, e seu indiscutível papel na
fisiologia, homeostasia e recuperação da mucosa do
intestino grosso, aventa-se a possibilidade de sua utilização
na tentativa de minimizar-se os efeitos deletérios
da irradiação sobre a mucosa colorretal.
Material e Métodos
Foram utilizados trinta ratos Wistar
(Rattus norvegicus albinos), machos, com peso inicial
variando de 250-300g, que corresponde à idade aproximada
de 65 dias.
Os animais foram distribuídos
aleatoriamente em três grupos de estudo, contendo 10 indivíduos
cada, alojados individualmente em gaiolas grandes,
próprias para estudos de experimentação. O primeiro
conjunto de animais, denominado Grupo
Controle ou Grupo I, foi constituído por animais isentos de
procedimentos durante o decorrer do experimento, alimentados
com ração própria para a espécie (Nuvolabâ _ CR1).
O segundo conjunto de animais, denominado
Grupo Controle Irradiado ou Grupo
II, foi composto por animais submetidos à indução de
proctocolite radioativa, tendo sido alimentados com ração
própria para a espécie, de forma idêntica ao grupo controle.
O terceiro conjunto de animais, designado
Grupo Irradiado Sob Fibra ou Grupo
III, foi composto por animais submetidos à indução de
proctocolite radioativa, tendo sido alimentados durante todo
o experimento, com ração própria para a
espécie enriquecida com fibras dietéticas.
Os indivíduos componentes dos
grupos irradiados (Controle Irradiado e Irradiado Sob
Fibra), foram submetidos à indução de proctocolite
actínica no oitavo dia de experimentação, através da
irradiação de fração única de 10Gy. Foi utilizado, para
este procedimento, acelerador linear de partículas de
6Mv, da marca Varian®, modelo Clinac
2100®, com velocidade de liberação de 2,4Gy por minuto, a
uma distância de 100cm da área-alvo.
Para a irradiação, os animais foram
separados em dois grupos de cinco, dispostos lado a
lado, imobilizados dentro de tubos plásticos individuais,
e os grupos colocados de formas opostas ("em
espelho"), de modo a deixar exposta à irradiação, somente a
área envolvendo o abdome inferior e pelve do animal.
Todos os animais foram sacrificados ao 15o
dia de experimentação, através de fratura cervical,
após narcose por éter etílico, tendo sido então submetidos
a laparotomia para exploração abdominal. Com o
auxílio de cateter plástico graduado introduzido por via
anal, foram desprezados os 2cm distais do segmento intestinal, tendo sido ressecados os 2cm
subseqüentes, ou seja, segmento situado entre 4 a 6 cm do
orifício anal. As peças foram então lavadas e preparadas
para a análise estereológica. De cada segmento
intestinal foram obtidos 8 cortes, de 4µm de espessura,
tendo sido corados por método tricrômico de Gomori.
Através de uma grade estereológica de
30 pontos, com aumento de 200 vezes, foram
analisados os seguintes parâmetros morfométricos (contagem
de pontos): volume da mucosa (Vvm), volume da
muscular da mucosa (Vvmm), volume da submucosa (Vvs)
e volume da muscular própria (Vvmp).
Por meio de uma grade estereológica de
73 pontos, acrescida de linhas ciclóides, com aumento
de 500 vezes, foram obtidos os seguintes
parâmetros morfométricos (contagem de pontos): volume parcial
do epitélio (Vvepi), volume parcial da lâmina própria (Vvlp).
Para a análise dos dados obtidos, foram utilizados
os programas Statistica for
Windows® (versão 5.1) e Microsoft Excel
2002® (versão 10.0 SP-2).
Os parâmetros encontrados, armazenados
no programa Microsoft Access 2002® (versão 10.0
SP-2), foram submetidos à:
a) Análise estatística descritiva dos
valores obtidos para os índices de volumes e
superfície epitelial em cada camada colônica observada.
b) Análise comparativa dos valores
medianos obtidos nas diferentes camadas do colo nos
três grupos de animais.
c) Teste não paramétrico Mann-Whitney para
os valores medianos encontrados, que apresentavam nível de significância de 0,05.
Resultados
O índice de espessura da parede
colônica diminuiu significativamente no grupo II
quando comparado ao grupo I (64,5 X 42; p=0,001).
A administração de fibra solúvel foi capaz de
prevenir essa diminuição de espessura, conforme
demonstrado na comparação entre os grupos II e III (42 X
80,5; p=0,001). Quando comparados os valores dos
grupos I e III, verificou-se que a administração de fibras
foi capaz de promover uma hipertrofia global da
parede com índice superior ao grupo controle (64,5 X
80,5; p=0,002) (Figura-1).
Figura 1 - Variação dos índices de espessura da parede colônica nos grupos estudados. |
O volume parcial do epitélio
diminuiu significativamente no grupo II quando comparado
ao grupo I (76,96 X 65,71; p=0,001). A administração
de fibra solúvel não foi capaz de evitar essa
diminuição (p < 0,05) (Figura-2).
Figura 2 - Variação dos volumes parciais do epitélio nos grupos estudados. |
O volume parcial da lâmina própria
aumentou significativamente no grupo II quando comparado
ao grupo I (20,62 X 34,28; p=0,001). A administração
de fibra solúvel não foi capaz de evitar esse aumento (p
< 0,05) (Figura-3).
Figura 3- Variação dos volumes parciais da lâmina própria nos grupos estudados. |
Os volumes parciais da mucosa (Vv m), da muscular da mucosa (Vv mm), da submucosa (Vv s)
e da muscular própria (Vv mp) não sofreram
variações significativas nos animais submetidos à irradiação
(p > 0,05), demonstrando que a irradiação não
altera significativamente a fração ocupada por cada
uma dessas camadas no volume total da parede colônica.
Exemplos de segmentos intestinais dos
grupos estudados em pequeno e grande aumento
encontram-se nas Figuras-9 a 11.
No presente trabalho observou-se perda ponderal média de 3,9% nos animais alimentados com
a dieta enriquecida com fibra (grupo 3) (p<
0,005), durante a primeira semana do experimento, fato
este não observado nos outros dois grupos alimentados
com ração padrão que, contrariamente, obtiveram
um aumento médio de 2,4% em seu peso corporal.
Figura 4 e 5 - Grupo 1 _ Aumento de 200X e 400X respectivamente. |
Figura 6 e 7 - Grupo 2 _ Aumento de 200X e 400X respectivamente. |
Figura 8 e 9 - Grupo 3 _ Aumento de 200x e 400x respectivamente. |
Discussão
Em relação ao comportamento da
fibra dietética na fisiologia do cólon, nenhuma
classificação permite com exatidão organizá-las
hierarquicamente com base em seus efeitos biológicos. Deste modo,
a escolha da fibra a ser utilizada em modelos
experimentais ou ensaios clínicos deve ser feita
considerando-se suas características físico-químicas e o efeito
fisiológico esperado.
O Plantago ovata, também conhecido
como Psyllium ou Plantago ispaghula, é um
vegetal originário da Índia, pertencente à família
das Zaragatonas, cuja semente é mundialmente
conhecida e utilizada no tratamento de patologias
gastrointestinais, como a constipação intestinal, síndrome
do intestino irritável, doenças inflamatórias
intestinais e doença diverticular dos cólons.
Representa, juntamente com a goma guar, a categoria das
fibras dietéticas altamente solúveis. Esta característica
é primordialmente observada em seu
tegumento (cutícula), denominado Ispaghula husk ou
Psyllium husk. As sementes do Plantago ovata contêm
fibras solúveis e insolúveis em uma relação
aproximada de 20:80. Nas cutículas, essa relação passa a ser
de 70:30, apresentando níveis de fermentação
que podem variar de 70 a 90% de acordo com o tempo de trânsito intestinal e com a interação desta
com componentes da dieta12, tornando-as
substâncias ideais para o experimento em questão.
Assim, objetivando-se altas concentrações colônicas
de ácidos graxos de cadeia curta, optamos
pela utilização da Ispaghula husk.
A ausência da padronização de valores
ao consumo diário de fibras para a espécie animal
utilizada nos levou à utilização aleatória de uma alta dose
de fibra insolúvel (4g de Ispahula husk para cada 10g
de ração) na tentativa de tornar evidente a presença
ou ausência de alterações, a partir da qual futuros
trabalhos poderiam discutir concentrações ideais.
Os efeitos fisiológicos e
bioquímicos creditados ao consumo de fibras dietéticas e aos
ácidos graxos de cadeia curta provenientes de sua
fermentação têm sido fonte de exaustiva investigação.
Consensualmente, diversos trabalhos demonstram que
dietas ricas em fibras promovem o aumento da
velocidade de trânsito intestinal e do volume do bolo
fecal13, aumentando a atividade mioelétrica no cólon
direito, principalmente no ceco14. Essas propriedades
foram confirmadas no decorrer do trabalho,
observando-se fezes mais volumosas e macias no grupo
suplementado com fibras em relação aos outros grupos.
A administração de fibras preveniu inclusive a
ocorrência de diarréria observada no grupo irradiado
não suplementado (Grupo II).
Igualmente, a literatura mundial torna-se unânime ao afirmar que o consumo de fibras
ocasiona importantes alterações no metabolismo e excreção
fecal dos ácidos biliares, os quais são
sabidamente favorecedores da carcinogênese colorretal. O
processo de fermentação das fibras provoca a diminuição
do pH intracolônico, inibindo a transformação de
ácidos biliares primários em secundários pelas
bactérias intestinais, resultando na diminuição da
solubilidade e reabsorção desses sais pela
mucosa15. Sabe-se ainda que fibra dietética aumenta a excreção fecal dos
ácidos biliares através de mecanismo adsortivo e
dilucional, porém esses efeitos são dependentes das
características físico-químicas de cada
fibra13. Durante a primeira semana de experimentação, observamos perda
ponderal mais acentuada nos animais do grupo III em
relação aos outros grupos. Este fato provavelmente
está relacionado ao valor calórico de cada ração e
à propriedade adsortiva da fibra dietética utilizada, a
qual pode ter interferido na completa absorção de
glicídios e lipídios do bolo alimentar. A perda ponderal
nos animais do grupo III continuou após a realização
da irradiação (perda ponderal adicional de 8,8%
durante a segunda semana), somando-se ao fato a
disabsorção provocada pela indução das lesões.
Com relação à ação dos ácidos graxos de
cadeia curta no trofismo da mucosa colônica, os dados
da literatura são bastante conflitantes,
principalmente aqueles relacionados às fibras dietéticas. Não
obstante alguns trabalhos demonstrarem a estimulação
da proliferação celular da mucosa colônica através
dos ácidos graxos de cadeia
curta16, ou do butirato
isoladamente17, esses mesmos efeitos não
se reproduziram em outros
experimentos18,19.
Fleming e Arce20, estudando o
metabolismo oxidativo do butirato, verificaram que a produção
de energia no interior dos colonócitos resultava
em produção de concentrações variáveis de mevalonato.
O mevalonato, através da ligação com
receptores específicos, ativava a proteína G presente
no citoplasma celular, provendo importante estímulo
à regeneração tecidual. Estes dados foram
confirmados mais tarde por Velásquez, Lederer e
Rombeau21 que, estudando o metabolismo do butirato em
células neoplásicas intestinais em que há predomínio
de anaerobiose, notaram supressão da oxidação
do butirato, com conseqüente diminuição de
mevalonato e inibição da proliferação celular, ao que
eles denominaram de "efeito paradoxal do butirato".
Igualmente, outros trabalhos também
creditaram efeitos paradoxais, anticarcinogênicos, aos
ácidos graxos de cadeia curta, através do retardo do
tempo de divisão celular, redução da taxa de
crescimento epitelial, favorecimento da diferenciação em
culturas celulares13, 22, e ainda indução à apoptose
celular23. No presente trabalho, apesar da administração de
fibra altamente solúvel, a preservação da
arquitetura mucosa representada através do método de
análise pela relação entre o volume parcial do epitélio e
o volume parcial da lâmina própria, não foi
estatisticamente significante, podendo denotar a
importante anaerobiose e destruição tecidual proporcionada
pela irradiação.
Uma vez as células epiteliais colônicas
sendo lábeis, ou seja, células em continua divisão,
quando o ciclo celular segue de uma mitose para outra
durante toda a vida, renovando de forma sistemática o
epitélio, o ciclo de proliferação celular ocorre de modo que
as células situadas junto à membrana basal, na
parte inferior das criptas, sejam constituídas por
células mais jovens, ou seja, as menos diferenciadas.
Estas células, gradualmente, à medida que vão
sendo submetidas ao processo de diferenciação,
vão ascendendo em direção à superfície
epitelial, assumindo funções próprias dessa mucosa.
No intestino humano esse período varia de 7 a 10
dias, enquanto na mucosa intestinal do rato a
multiplicação celular ocorre em intervalos de 5
dias24,25. Assim, os animais deste estudo foram sacrificados no
8o dia pós-irradiação, portanto, em fase precoce de
regeneração, a fim de verificarmos possíveis ações
tróficas decorrentes da administração de fibra
solúvel.
De acordo com a análise
morfométrica realizada, o efeito principal da fibra dietética
solúvel no cólon dos ratos irradiados foi a promoção
de hipertrofia em todas as camadas do cólon
(mucosa, submucosa, muscular da mucosa e muscular
própria), com preservação da densidade volumétrica de
cada uma delas. Porém, foi observada, assim como
no grupo irradiado não suplementado (grupo
II), diminuição do volume parcial do epitélio dentro
da mucosa, com correspondente aumento do volume parcial da lâmina própria, expressando a
incapacidade da ação das fibras em restaurar ou preservar a
estrutura mucosa. Esse achado está de acordo com os dados
de McCullough et al26 que, estudando o efeito de
dietas suplementadas com fibras de alto poder de solubilidade no cólon de animais livres de
germe, observaram que o aumento da taxa de
proliferação celular nas criptas colônicas é dependente de
sua fermentação pela microflora. Assim, a pouca
atuação da fibra dietética solúvel na manutenção
da integridade da mucosa colônica neste trabalho,
pode ter sido resultante da soma de diversos fatores,
sendo os principais: (1) a depleção bacteriana
intestinal proporcionada pela radiação, com
conseqüente diminuição da taxa de fermentação e produção
de ácidos graxos de cadeia curta e (2) o
"efeito paradoxal" na síntese celular do epitélio
colônico, decorrente da grande destruição tecidual
promovida pela radiação, com conseqüente aumento
das concentrações intracelulares de mevalonato e
inibição da proliferação celular. Talvez por isso
melhores resultados sejam observados, por exemplo, em
modelos experimentais de doença inflamatória intestinal,
como os de Aguilar-Nascimento9, e Vassallo (ainda
em andamento), nos quais a destruição
tecidual, provavelmente, é mais tênue e não imponha
grandes modificações à microflora.
Por outro lado, nas séries de Goodlad
et al27 e McCullough et
al26, a suplementação dietética
com fibras solúveis resultou em significativa
hipertrofia intestinal, demonstrada naqueles trabalhos
pelo aumento no peso líquido do segmento colônico
dos animais e comprovada neste estudo pelo aumento
do índice de espessura da parede colônica. Este efeito,
no citado trabalho, ocorreu independentemente da presença da flora bacteriana intestinal.
Essas observações corroboram a teoria de Whiteley
et al28 que sugere que a hipertrofia intestinal
proporcionada pelas dietas ricas em fibras dietéticas,
deve-se diretamente ao seu efeito de massa, com
conseqüente aumento da atividade mioelétrica e aumento do
trabalho intestinal, estando esta, independente da presença
da flora bacteriana intestinal e da taxa de fermentação
das fibras.
A remissão ou atenuação dos sintomas
agudos decorrentes da radiação depende primordialmente
da capacidade de renovação celular na mucosa
e submucosa intestinal; assim, em vigência de
lesões actínicas de grande intensidade, quando o dano
celular é mais intenso, a ação da fibra dietética
ficaria desprovida de benefícios, uma vez que seu papel
é primariamente energético e seu aproveitamento
estaria prejudicado pelo elevado grau de lesões.
Podemos acrescentar a isso, ainda, o possível efeito
paradoxal do mevalonato. Talvez a administração de
fibra favoreça mais eficientemente a proliferação
celular em fases em que a percentagem de células sadias
seja mais expressiva (após o décimo dia de irradiação),
e conseqüentemente ocorra menor efeito
paradoxal, contudo este fato ainda carece de estudo
mais detalhado. Supomos que a hipertrofia da
parede intestinal observada neste trabalho após
a administração da dieta rica em fibras solúveis
poderia agir de forma positiva na prevenção de algumas
lesões inflamatórias tardias, tais como fístulas e
perfurações, podendo este fato dar origem a outros trabalhos
de investigação dos efeitos tardios da fibra neste tipo
de lesão. Porém, o efeito mais fascinante e simpático
das fibras ao trato intestinal, para o qual nossa atenção
foi sutilmente dirigida, foi o relacionado às
suas propriedades anticarcinogênicas, que
certamente deverá inaugurar uma nova linha de pesquisa sobre
o assunto em nosso setor.
Conclusões
A suplementação de fibra dietética
solúvel promoveu hipertrofia da parede colônica no grupo
III, evitando o seu adelgaçamento em conseqüência
da radiação. A suplementação de fibra dietética
solúvel, contudo, não foi capaz de evitar a diminuição
do volume parcial do epitélio e o correspondente
aumento do volume parcial da lâmina própria.
SUMMARY: Aim: The prejudicial effect of radiation on colonic mucosa is a well-known limitation to its use. The benefical effect
of fiber on mucosal trophy has been demonstrated by the literature. Therefore, the aim of this study was to evaluate the
preventive effect of soluble fiber over irradiated colonic mucosa of a group of Wistar rats.
Methods: For this purpose, we evaluated a group of 30 male Wistar rats weighing 250-300 g (65 days of age) divided into
three groups: (1)Group I: Control group of ten Wistar rats; (2)Group II: ten Wistar rats conventionally feeded and submitted to 10Gy
of radiation in a single dose on the eighth day of the study; (3)Group III: ten Wistar rats that were feeded with soluble fiber
(Ispaghula husk) and submitted to radiation (10 GY) on a single dose on the eighth day of the study. All subjects underwent a laparotomy at
the fifteenth day of the study when the distal portion of the colon was removed. The specimens were submitted to histological
analysis using stereologic and statistical technique (Mann-Whitney test). Parameters evaluated were: (1) mucosal volume; (2)
submucosal volume; (3) muscularis mucosae volume; (4) muscularis propria volume; (5) partial volume of epithelium and (6) partial volume
of lamina propria.
Results: A decrease in the thickness of the wall on the group submitted to radiation without fiber supplementation (group II)
was observed. In addition, the partial volume of the epithelium was smaller and an increase in the partial volume of the lamina
propria was observed as compared to the subjects on group I. The thickness of colonic wall significantly increased on group III compared
to group I. However this finding did not altered the partial fraction of each layer as compared to the total volume of the colonic wall.
Conclusion: In conclusion, it was demonstrated that soluble fiber supplementation can promote global hypertrophy of the
colonic wall. However, fiber supplementation on colonic irradiated mucosa does not preclude a decrease in the partial volume of the
epithelium, neither an increase in the partial volume of the lamina propria.
Key words: Dietary fiber - therapeutic use, Dietary fiber - pharmacology, Colitis - Therapy, Experimental lesions by radiation, Wistar rat.
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Endereço para correspondência:
Andréa Povedano
Rua Moura Brasil, 47/504 - Laranjeiras
22.231-200 - Rio de Janeiro - RJ
E-mail: povedano@globo.com
Trabalho realizado em no Curso de Pós-Graduação em Cirurgia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Disciplina de Coloproctologia Curso de Pós-Graduação em Cirurgia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Disciplina de Coloproctologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, no Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, pela Equipe de terapia Nutricional do Hospital Pedro Ernesto, pelo Curso de Pós-Graduação em Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Recebido em 18/11/2005
Aceito para publicação em 08/12/2005