ARTIGOS ORIGINAIS
DIAGNÓSTICO DAS ÚLCERAS ANO-RETAIS SEXUALMENTE TRANSMISSÍVEIS
Sidney Roberto Nadal1, Valéria Maria de Souza Framil2
1 Equipe Técnica de Proctologia do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, Disciplina de Coloproctologia do Departamento
de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São
Paulo(FCMSCSP), 2Setor de Doenças Infecciosas e Tropical
da Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo
Nadal SR , Framil VMS. Diagnóstico das Úlceras Ano-Retais Sexualmente
Transmissíveis. Rev bras Coloproct,
2005;25(0):370-373.
RESUMO: Contrário ao que se possa imaginar, as DST persistem com incidência elevada, tanto em países industrializados como naqueles em desenvolvimento. As úlceras anogenitais só têm freqüência menor que as lesões provocadas pelo HPV. O objetivo desse artigo é apresentar forma etiológica de abordagem das DST ulceradas que, de maneira simples, rápida e pouco onerosa, auxilia na escolha do melhor tratamento e evita a disseminação da doença mal tratada.
Descritores: Doenças sexualmente transmissíveis, Úlceras anogenitais, Sífilis, Cancróide, Herpes simples, Donovanose.
Introdução
Apesar das campanhas de prevenção,
as doenças sexualmente transmissíveis (DST),
incluindo a AIDS, ainda constituem sério problema de
saúde pública em todo o mundo. Pesquisas realizadas
pelo Ministério da Saúde demonstraram haver
relativo desconhecimento da população brasileira sobre
as formas de transmissão, os riscos e as
conseqüências das diversas formas de outras DST. Além disso,
as evidências sugerem que, desde que a
terapia antiretroviral para HIV tornou-se disponível,
a prevalência do sexo sem proteção cresceu e com ela
a incidência das DST em vários países,
industrializados ou em desenvolvimento.1-7
Os artigos publicados sobre as
tendências recentes do comportamento preventivo nos
homossexuais masculinos na Espanha, Suíça e
Holanda concluíram que a prática do sexo seguro
vem diminuindo, enfatizando a penetração anal
não protegida, principalmente em parceiros
casuais.5,8
Segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS) ocorrem no Brasil cerca de 12 milhões de
DST ao ano. Como a notificação compulsória é
obrigatória apenas nos casos de AIDS e sífilis congênita, o
número de casos de DST bacterianas, como sífilis, gonorréia
e cancróide ficam muito abaixo da estimativa
atual.10 Entretanto, mundialmente tem-se observado
queda das DST bacterianas e aumento das virais, principalmente causadas pelo virus tipo 2 do
Herpes simples (HSV-2).4,6,7,10 No Brasil, não temos
dados epidemiológicos para comparar com a
literatura mundial, mas acreditamos que esse aspecto não
deva ser diferente.
As úlceras ano-retais eram as
lesões proctológicas mais comuns nos doentes
HIV-positivos e causadas na sua grande maioria pelo HSV-2,
seguidas pelas provocadas pelo Papilomavirus
humano (HPV).11,12 Após a introdução dos inibidores
da protease no tratamento da AIDS, a melhora da imunidade determinada por essa medicação
modificou a incidência das lesões perianais nessa
população, sendo que os condilomas anais são, atualmente, os mais
freqüentes, embora o HSV-2 continue o agente
mais comum entre as úlceras.13
A OMS tem preconizado a abordagem sindrômica com intuito de facilitar o manejo
desses doentes. O agente etiológico não é
habitualmente pesquisado, uma vez que o diagnóstico e o
tratamento estão mais baseados nos critérios clínicos que
nos microbiológicos.14 Todavia, a abordagem
sindrômica das úlceras anogenitais foi menos efetiva que
a etiológica, deixando de diagnosticar muitos
doentes assintomáticos e tratando outros sem qualquer
doença ou de forma ineficaz.15
O perfil etiológico das úlceras genitais
parece estar mudando. O agente etiológico mais comum é
o HSV-2 e o Haemophilus ducrey tem sido menos
freqüente.14-16 Na África Sub-Sahariana, a
incidência do cancróide caiu de 25%, em 1993, para 1% em
2002, enquanto as lesões herpéticas aumentaram de 23%
para 58%.9 Mas, alguns autores citaram o cancróide
como doença fortemente associada à transmissão do HIV
e que sua incidência é
subestimada.17 A proporção
dos cancros sifilíticos permaneceu
similar,10 embora haja relatos do aumento de 10 vezes na sua
prevalência, entre 1999 e 2003, principalmente entre
os homossexuais masculinos
HIV-positivos.3 Além disso, as úlceras anogenitais aumentam o risco de
infecção pelo HIV18 e, o HSV-2 foi detectado em taxas
mais altas entre os doentes infectados pelo HIV,
quando comparados aos não infectados.7,14,19
As DST do tipo úlcera têm períodos
de incubação e aspectos clínicos diferentes.
No entanto, a associação das várias DST e a
presença de infecção secundária dificulta o diagnóstico
clínico correto. Dessa maneira, é importante pesquisar
o agente etiológico de maneira rápida, simples e
pouco onerosa, possibilitando diagnóstico seguro
e tratamento eficaz.
As lesões ulceradas da região anal
podem apresentar vários agentes etiológicos
concomitantes. Dessa forma, utilizamos o algoritmo proposto
por Belda Jr e Siqueira20 para diagnóstico dessas
DST. Para pesquisa de Haemophilus ducrey, agente etiológico do cancro mole, podemos colher a
secreção e submetê-la à coloração de GRAM. A
seguir, tentamos identificar o Treponema pallidum,
agente etiológico do cancro duro. Nesses casos,
retiramos material da úlcera após umedecê-la com
gaze embebida em éter e, em seguida, acrescentar gota
de solução fisiológica na lesão. Devemos evitar que haja sangramento na hora da coleta para não dificultar
a leitura no microscópio. Aguardamos 30
segundos antes de coletar, com alça de platina, a linfa que
surge no meio da úlcera, e examinamos com
microscopia de campo escuro. Também procuramos
o Calymmatobacterium granulomatis, agente
etiológico da Donovanose, corando o material com os
métodos de Leishman ou de Giemsa. Por fim, avaliamos
a presença da célula de Tzank, indicadora da
presença de inclusão viral, cujo agente etiológico mais
comum é o HSV-2. Todavia, o diagnóstico do herpes
simples deve ser confirmado com testes sensíveis,
como cultura do vírus em tecido ou teste específico do
HSV-2.
Em relação ao citomegalovírus,
alguns autores citaram-no como agente oportunista, proveniente
de lesões clínicas à
distância.12 Já as úlceras
provocadas pelo HPV não são comuns e podem ser
confirmadas com biópsia e técnicas de biologia molecular.
Acreditamos que a abordagem etiológica define o tratamento mais eficaz e, com a
possibilidade dos exames microbiológicos no momento da
consulta, evitará a disseminação da doença. Temos
conseguido os resultados em até 30 minutos e, como citado
na literatura,4 sugerimos a implantação de
laboratórios para esse rastreamento. Nos casos duvidosos, nas
falhas terapêuticas ou na suspeita de neoplasia,
sugerimos biópsias da lesão para o diagnóstico correto.
(Figura- 1)
SUMMARY: In despite of we could suppose, sexually transmitted diseases remain with high prevalence both in developed and
in developing countries. Anogenital ulcers are only less frequent than Pappilomavirus infections. The aim of this article is to present
an etiological approach form for ulcerative STD that is simple, fast and cheap, helping to choose the best treatment and avoiding
the spreading of a not well treated disease.
Key words: Sexually transmitted diseases, anogenital ulcers, Syphillis, Chancroid, Herpes simplex, Donovanosis.
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Endereço para correspondência:
SIDNEY NADAL
Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, 381 apto. 23
0515-030 - São Paulo - Capital
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia e Clínica da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Recebido em 18/11/2005
Aceito para publicação em 01/12/2005