RELATO DE CASO


DOENÇA DE BOWEN PERIANAL: RELATO DE CASO

MÁRIO JORGE JUCÁ1, EDMUNDO GUILHERME GOMES1, MÁRIO JORGE FRASSY FEIJÓ1, FELIPE ARAÚJO MENDONÇA COSTA1

1Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil


JUCÁ MJ, GOMES EG, FEIJÓ MJF, COSTA FAM. Doença de Bowen Perianal: Relato de Caso. Rev bras Coloproct, 2005;25(4): 378-381.

RESUMO: Racional - A doença de Bowen é um carcinoma in situ de células escamosas cutâneas, de ocorrência rara na região perianal, mais freqüente em mulheres na quinta década de vida. Pacientes referem queixas inespecíficas, como queimação, prurido, tumoração ou sangramento. Ao exame proctológico percebe-se eczema, espessamento, irregularidade da pele ou lesão vegetante ou verrucosa. As queixas apresentadas geralmente têm longo tempo de duração e as lesões apresentam crescimento lento. O diagnóstico deve ser realizado por biopsia. O tratamento mais indicado é a ressecção cirúrgica com amplas margens, obtendo-se maior índice de cura em longo prazo.
Objetivo - Apresentar o caso clínico de uma paciente com doença de Bowen na região perianal, atendida no Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes (HU-UFAL) no ano de 1999. A paciente de 63 anos de idade queixava de uma tumoração na região perianal, com cerca de seis anos de evolução, que provocava prurido e, ao exame proctológico, tinha aspecto vegetante, com cerca de 3 cm de diâmetro. Em exame histopatológico de tecido colhido por biopsia, foi diagnosticado carcinoma epidermoide restrito à epiderme, com preservação da camada basal. Foi realizada ressecção cirúrgica da lesão com amplas margens de segurança. Não houve recidiva da doença em 5 anos de acompanhamento.

Descritores: Doença de Bowen, Carcinoma de Células Escamosas, Cirurgia

Introdução
A doença de Bowen é um carcinoma in situ de células escamosas cutâneas, pertencente ao grupo dos tumores não-queratinizados. A ocorrência de doença de Bowen na região perianal é incomum e manifesta-se de forma atípica, geralmente ocorrendo em mulheres na quinta década de vida (1, 7, 8, 9).
    A doença é clinicamente caracterizada por queixas inespecíficas de queimação, prurido e/ou sangramento. À inspeção, no exame proctológico, percebe-se eczema, placa eritematosa bem delimitada, espessamento e irregularidade da pele; lesão geralmente vegetante, de crescimento lento, assim como pode apresentar pequenas alterações, podendo muitas vezes passar desapercebidas(2, 15). Devem ser excluídas outras patologias para diagnóstico diferencial, tais como: doença de Paget, melanoma perianal, leucoplasia, condiloma acuminado e fissura anal(1, 13).
    À microscopia observa-se hiperplasia desordenada da epiderme com paraceratose e hiperceratose na superfície. A doença de Bowen é caracterizada por ser uma lesão in situ, ou seja, não ultrapassa a membrana basal da pele acometida (3).
    O tratamento é geralmente cirúrgico, realizado por excisão local com amplas margens. Também pode ser realizada vaporização por laser, crioterapia ou quimioterapia. Geralmente evolui para a cura após tratamento inicial. Quando não tratada, a doença de Bowen pode evoluir para o carcinoma invasivo tipo espinocelular, por infiltração das outras camadas da pele, como também de tecidos vizinhos (8) e até disseminação com aparecimento de metástases à distância (3).
    Relata-se um caso clínico e procedimentos adotados em uma paciente com doença de Bowen perianal, atendida no Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário Prof. Alberto Antunes (HU-UFAL) no ano de 1999.

RELATO DE CASO
B. R. M., sexo feminino, 63 anos, branca, natural e procedente de Maceió. Referia que há cerca de 6 anos começou a apresentar tumoração em região perianal, de consistência amolecida e indolor, de crescimento lento. Sem outras queixas. Tabagista (15 cigarros/dia). Sem alterações ao exame físico geral. Ao exame proctológico: lesão vegetante móvel, com halo hipercrômico e com cerca de 3 cm de diâmetro à inspeção (Figura-1), sem alterações ao exame digital do reto.

 
Figura 1 - Aspecto da lesão à inspeção.



    Realizada biópsia da lesão cujo resultado foi carcinoma epidermóide intra-epitelial perianal (Figura-2). Diante deste diagnóstico foi indicada cirurgia. O procedimento cirúrgico consistiu em ressecção ampla da tumoração, circundando a lesão e com margem de segurança de 2 cm. Não houve intercorrências durante ato operatório e pós-operatório. A ferida operatória cicatrizou por segunda intenção em 60 dias. Após cinco anos de acompanhamento, a paciente não apresentou quaisquer queixas, nem sinais ou sintomas de recidiva local ou à distância da doença.

 
Figura 2 - Microscopia óptica da lesão. A)- lesão neoplásica (seta) não chega à camada basal da epiderme. B)- observar núcleos celulares atípicos e alterações de coloração celular.

 

DISCUSSÃO
Doença de Bowen perianal é referida na literatura como afecção incomum de maior incidência no sexo feminino(8) e em indivíduos da raça branca(9). O diagnóstico da doença de Bowen perianal se dá com maior freqüência na quinta década de vida (1, 7), período semelhante ao diagnosticado neste caso. Tem evolução clínica relativamente benigna, o que foi confirmado nos cinco anos de acompanhamento. O risco de desenvolver carcinoma invasor existe e é estimado entre 2 e 6% (14).
    A maioria dos pacientes não apresenta sintomas; quando se queixa, geralmente, refere queimação ou prurido (15). São relatados alguns casos em que o diagnóstico da doença de Bowen aconteceu acidentalmente durante estudo histopatológico de peças cirúrgicas de hemorroidectomias, de verrugas, condiloma, ou fístula(8, 9).
    As principais queixas relatadas pelos pacientes portadores da doença de Bowen são: sensação de tumoração, prurido, dor, "rush" cutâneo, dermatite peri-lesional, sangramento e induração perianal(2).
    Geralmente a doença é referida como tendo uma historia oligossintomática e de evolução lenta por período de tempo longo, demonstrando um crescimento tumoral bastante lento. Sarmiento et al. (1997) afirmam que 15,8% dos pacientes referiam em sua pesquisa sintomas por período maior que cinco anos, o que coincide com o caso descrito, em que a paciente referiu seis anos de evolução.
    Os pacientes geralmente não apresentam outras queixas relacionadas à doença. As alterações da doença de Bowen costumam ser localizadas, sem alterações de outros sistemas, a não ser quando deixa de ser in situ e invade outras camadas da pele, demonstrando seu potencial invasor(8), inclusive com a possibilidade de metastatização(3).
    Diante da suspeita da doença de Bowen, é fundamental no exame proctológico uma inspeção minuciosa de toda a região anoperineal: na evidência de lesões é mandatória a realização de biópsia (14).
    Alguns fatores são citados como associados ao aparecimento da doença, como: o HPV e outras DST (doenças sexualmente transmissíveis) na região (6, 13). Não foi encontrada na literatura correlação entre a doença de Bowen perianal com o tabagismo (1, 7, 8, 9, 13).
    Beck et al. (1988) e Marchesa et al. (1997) identificaram, em cerca de 30% dos pacientes, antecedentes de câncer, sugerindo a história anterior de neoplasia maligna como fator de risco para a doença de Bowen. Nenhum desses fatores foi detectado durante a história minuciosamente colhida do caso apresentado.
    A pele do períneo pode estar hiperemiada e espessada, com fissuras, placas vermelho-amarronzadas ou nódulos, ou pode parecer normal (15). Neste caso havia uma lesão erosiva rasa e com discreta hiperemia, bordos indurados, denotando a cronicidade da lesão. Após a visualização da lesão, foi crucial, como já se referiu, a biópsia da lesão e o exame histopatológico para a confirmação do diagnóstico (4). À microscopia foram visualizadas células disceratóticas isoladas que permeavam a epiderme, com núcleos grandes, hipercromáticos, único ou múltiplos, às vezes vacuolizados, com numerosas mitoses vistas em vários níveis da epiderme (3). A principal característica é a integridade da camada basal conforme pôde ser observado à microscopia do caso (Figura-2).
    Os tratamentos para a doença de Bowen são ressecção cirúrgica (8, 9), crioterapia (10, 11) e fototerapia (1). A maior parte dos cirurgiões prefere a ressecção cirúrgica ampla, porque resulta em um menor índice de recidiva (1, 5, 13). As complicações mais comuns do procedimento cirúrgico são sangramento e infecção local (13). No caso descrito, não houve complicações locais, nem sistêmicas. Também pode ser utilizada a quimioterapia posterior à biopsia incisional, com o uso da irradiação local e braquiterapia (12).
    São relatados casos em que a associação da quimioterapia com 5-fluorouracil e a crioterapia, subseqüentes à biopsia incisional, obtiveram sucesso no tratamento da doença de Bowen (11).
    Moraes et al. (2002) relatam um caso de paciente com doença de Bowen, em que a paciente apresentava extensa lesão na região perineal com positividade para HPV; foi tratada com criocirurgia, evoluindo com boa cicatrização do local, sem sinais de recidiva 34 meses após o tratamento (10).
    A recorrência varia de 16 a 31% no procedimento de ressecção ampla (13) com uma sobrevida de 83,3% em 5 anos (9).
    É consenso na literatura o acompanhamento do paciente com doença de Bowen perianal por um período nunca inferior a 10 anos. Devido à limitada experiência com essa doença, Beck et al. (1988) indicam o desenvolvimento de um regime de seguimento do paciente com realização de biopsia de quaisquer lesões suspeitas, exame físico completo e retossigmoidoscopia anuais, e a realização de colonoscopia pelo menos a cada 2 anos (1).
    Verifica-se neste caso que a apresentação clínica da doença é diversificada e história lenta e com evolução por vários anos, podendo comumente ser confundida com outras doenças orificiais ou DST. O mais importante é, então, a realização de um diagnóstico preciso com a realização de biópsia de preferência excisional da lesão e encaminhamento para exame histopatológico, para diagnóstico precoce da doença e instituição do tratamento cirúrgico, que é a ressecção da lesão com margens de segurança amplas.

SUMMARY: Background _ Bowen's disease is an in situ carcinoma of skin squamous cells, with rare ocurence in perianal margin. This afection more frequently ocurs in women at the fifth decade of life. Patients referred no specifics symptoms like burning, pruritus or bleeding in perianal region. At proctological exam, skin thickness or irregularity, or tumors are seen. These lesions often present slow growing and long-time-related symptoms. Diagnosis can be realized by biopsy of the lesion. The epidermoid cells carcinoma with preservation of epidermis basal membrane is the main histological caracteristic of Bowen's disease. The indicated threatment, with best long-time results, is wide surgical ressection of the lesion. The disease can recur, and the patients must be followed up for ten years at least.
Aims _ Report the case of a 63-years-old woman with perianal Bowen's disease, threated at Coloproctology Unit of University Hospital Prof. Alberto Antunes (HU-UFAL) at 1999. She presented a 3 cm diameter perianal soft vegetant lesion with low-symptomatic evolution for six years.. After biopsy, histopatological examination of the lesion fragments showed the diagnosis. A wide resection of the lesion with 2 cm security margin was done. There was no recurrence or metastasis of the disease during five years of follow up.

Key words: Bowen's disease, Squamous Cell Carcinoma, Surgery

Referências Biliográficas
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15. Townsend, C. M. Tratado de cirurgia: As bases biológicas da prática cirúrgica moderna. 16ª ed. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan. 2003.

Endereço para correspondência:
MARIO JUCÁ
Rua Adelaide de Melo Mota - Lote II - Serraria
57.046-020 - Maceió (AL)
Tel/Fax (55) 82 338 4589
E-mail: mario.juca@uol.com.br 

Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas Brasil

Recebido em 30/06/2005
Aceito para publicação em 16/08/2005