RELATO DE CASO


INTUSSUSCEPÇÃO COLO-CÓLICA EXTERIORIZADA PELO ÂNUS, SECUNDÁRIA A LIPOMA-RELATO DE CASO

Geanna Mara Lino e Silva de Resende Guerra1, Henrique Francisco de Souza e Souza1, Marcus Fábio Magalhães Fonseca1, Lina Maria de Góes Codes1, Idblan Carvalho de Albuquerque1, Galdino José Sitonio Formiga1

1 Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo, SP, Brasil


GUERRA GMLSR, SOUZA HFS, FONSECA MFM, CODES LMG, ALBUQUERQUE IC, FORMIGA GJS. Intussuscepção Colo-Cólica Exteriorizada Pelo Ânus Secundária a Lipoma - Relato de Caso. Rev bras Coloproct, 2005;25(4): 382-385.

RESUMO: O lipoma colorretal, apesar de raro, é o segundo tumor benigno mais freqüente. Na maioria das vezes é pequeno e assintomático. Quando sintomático é causa de intussuscepção colônica ou íleo-colônica. A intussuscepção é infreqüente nos adultos, sendo que nestes, 90% dos casos encontram-se associados a outras afecções, principalmente a lipomas colônicos. O objetivo deste trabalho é relatar um caso de intussuscepção colo-cólica exteriorizada pelo ânus, secundária a lipoma, ilustrando esta rara complicação do lipoma colônico que é a intussuscepção via anal, além de dissertar a respeito da sintomatologia, diagnóstico e formas de apresentação e tratamento.

Descritores: lipoma intestinal, intussuscepção, tumor submucoso, invaginação intestinal.

Introdução
Os lipomas são neoplasias benignas raras, podendo ser encontradas em todo o trato gastrointestinal 1-16. Representam a segunda neoplasia benigna mais freqüente no cólon, excluindo-se os pólipos 1-7,10,15,16, correspondendo a 4% dos tumores benignos do intestino grosso em estudo clínico e a 5,8% em necrópsias 9.
    Apesar de ocorrência comum na população pediátrica 1-3,7,8, a intussuscepção é infreqüente nos adultos, sendo que nestes, 90% dos casos encontram-se associados a outras afecções 1-16. Nos últimos 25 anos, mais de 32 casos de intussuscepção colo-cólica secundários a lipomas colônicos foram reportados na literatura mundial 9,10,15,16, porém com apenas três casos publicados na língua inglesa associados a exteriorização pelo ânus 1,2,6,7,9-11,14.
    Assim, o objetivo deste trabalho é relatar um caso de intussuscepção colo-cólica exteriorizada pelo ânus, secundária a lipoma.

RELATO DO CASO
L.M., 48 anos, masculino, há 18 horas com tumoração irredutível exteriorizada pelo ânus. Ao exame, intussuscepção colo-reto-anal de aproximadamente 20 cm, com tumor de oito centímetros em seu maior diâmetro, associado a edema, sangramento e necrose superficial de mucosa, com consistência amolecida (Figura-1).

 
Figura 1 - Intussuscepção colo-reto-anal.



    Optado por enucleação da tumoração sob raquianestesia, com ressecção da mucosa isquêmica adjacente (Figura-2) e sutura contínua hemostática (Fig. 3). Redução manual da intussuscepção e posterior retossigmoidoscopia rígida para avaliar a irrigação da alça manipulada.

 
Figura 2 - Enucleação e ressecção da mucosa isquêmica adjacente.


 
Figura 3 - Sutura hemostática da área ressecada.


    O doente evoluiu bem, recebendo alta hospitalar no 5° dia pós-operatório. O estudo anátomo-patológico da lesão foi de lipoma, com alterações hemorrágicas e isquêmicas. Colonoscopia ambulatorial normal após dois meses.

DISCUSSÃO
Os lipomas são formados por células de gordura do tipo adulto, circundadas por cápsula fibrosa, das quais partem septos da mesma natureza, que penetram na massa gordurosa, determinando uma consistência que lhe é característica 9.
    Quanto ao acometimento colônico, são assim distribuídos em ordem decrescente: cólon ascendente, ceco, transverso e descendente 2,3,7-9 . Mais de 90% dos lipomas são submucosos, sendo os demais subsserosos, epiplóicos e intermucosserosos 2,3,7-9. Geralmente são únicos, porém há relatos de lipomas múltiplos em até 35% dos casos, com predomínio no cólon direito 5,7,9,10,15. Alguns casos de lipomatose múltipla familiar, em seus vários aspectos, assemelham-se a polipose adenomatosa familiar 9.
    A incidência dos lipomas colônicos é 1,5 a duas vezes maior no sexo feminino, com a maioria dos pacientes encontrando-se entre a 5ª e 6ª décadas de vida 1-15. Não tem sido observada degeneração para lipossarcoma, bem como recorrência após ressecção 4,7-9.
    Os sintomas relacionados aos lipomas colônicos estão relacionados ao seu tamanho. Lipomas de até 2 cm de diâmetro são assintomáticos e quando maiores, produzem sintomas ou sinais em mais de 75% dos casos, como dor abdominal em cólica, tumoração abdominal, alteração do hábito intestinal e perda de peso. As complicações incluem a intussuscepção, sangramento anal e obstrução intestinal, sendo a intussuscepção a mais freqüente de todas 1-16.
    Lipschitz e col. descreveram as principais formas de intussuscepção envolvendo o intestino delgado e grosso: íleo-cólico em 70-90% dos casos; íleo-íleocólica em 20%; íleo-ileal em 3 a 11%; colo-cólica em 5% e jejuno-ileal em 3% 3. A intussuscepção colônica em adulto é rara; entretanto, de todas as complicações relacionadas aos lipomas colônicos é a mais comum 1-16. Taylor e col., revisando 24 casos de intussuscepção na Mayo Clinic em um período de 22 anos, observaram que apenas 2 casos eram devidos a lipoma de cólon 9.
    A intussuscepção colo-cólica exteriorizada pelo ânus constitui-se em achado excepcional, raras vezes descrito na literatura 9,10,15,16. A intussuscepção colo-cólica quando exteriorizada pelo ânus, pode assemelhar-se a um prolapso retal em um primeiro momento, porém elucidando-se o diagnóstico após complementação do exame proctológico 11.
    O diagnóstico de lipoma colônico é estabelecido pela associação de exame clínico, proctológico, colonoscópico e exames de imagem: enema opaco, US e CT de abdome. Trabalhos recentes sugerem que a tomografia computadorizada de abdome é a modalidade radiológica de eleição para o diagnóstico da intussuscepção colo-cólica por lipoma colônico 1-16.
    O tratamento para os lipomas colônicos inclui a ressecção endoscópica ou a colectomia segmentar por via laparotômica ou laparoscópica 1-16. Na ausência de manifestações clínicas sugestivas de obstrução intestinal, sangramento profuso ou sofrimento vascular, procede-se à ressecção colonoscópica. No insucesso da mesma, recorrência de complicações ou abdome agudo está indicada exploração abdominal 1-16.
    Com relação ao tratamento cirúrgico das intussuscepções com exteriorização pelo ânus, deve-se inicialmente avaliar a presença ou não de repercussões clínicas abdominais 1,6,7,10-14. A partir daí, existem divergências na literatura com relação à melhor abordagem; alguns autores preconizam redução imediata da tumoração seguida de laparotomia e ressecção segmentar 12; outros preconizam inicialmente abertura da mucosa do intestino invaginado e exteriorizado para enucleação do tumor, com redução do intestino para o reto e em seguida laparotomia para verificar integralidade da parede intestinal, sendo esta conduta indicada na certeza diagnóstica de se tratar de afecção benigna, sem necrose intestinal e quando a enucleação do tumor for factível 1. Clarke e col. relataram um caso de lipoma colônico com intussuscepção exteriorizado pelo reto, tratado apenas com ressecção transanal e acompanhamento clínico com evolução satisfatória 6.
    No presente relato, podemos constatar que os dados encontrados são coerentes com a literatura consultada. Realizou-se enucleação do lipoma com redução da alça exteriorizada, sem a necessidade de abordagem abdominal, apresentando excelente evolução pós-operatória.

SUMMARY: Colorectal lipomas are the second most frequent benign tumor. Most of the time, they are small and assymptomatic.When symptomatic is associated with colonic or ileo-colonic intussusception. Intussusception is umcommon in adults, but in 90% of the cases it´s associated with others diseases such as colonic lipomas. The aim of this study is to relate a case of colo-colic intussusception exteriorizated through the anus secondary to lipoma, demonstrating this rare complication. Some comments are made about symptomatology, diagnosis and treatment.

Key words: intestinal lipoma, intussusception, submucosal tumor, intestinal invagination.

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Endereço para correspondência:
GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA
Hospital Heliópolis - Serviço de Coloproctologia
Rua Cônego Xavier, 276 Vila Heliópolis
04231-030 - São Paulo - SP
Tel (11) 274-7600 (Ramal 244)
E-mail: geanna@uol.com.br 

Trabalho realizado pelo Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo, SP, Brasil

Recebido em 31/12/2004
Aceito para publicação em 04/02/2005