ARTIGOS ORIGINAIS
COMPLICAÇÕES DAS OPERAÇÕES DE RECONSTRUÇÃO DO TRÂNSITO INTESTINAL
Silvana Marques e Silva1, Cecília Cardinale Lima de Melo1, Soraia Barroso de Almeida1, Herbeth Franco Queiroz1, Aloisio Fernando Soares2
1 Residentes da Unidade de Cirurgia Geral do Hospital Regional da Asa Norte, 2Preceptor da Residência Médica de Cirurgia Geral do Hospital Regional da Asa Norte
RESUMO: Introdução: A reconstrução do trânsito intestinal acarreta elevados índices de morbimortalidade, dependente do procedimento realizado na operação inicial, da técnica operatória necessária na reconstituição do trânsito intestinal e dos fatores de risco inerentes ao paciente. Objetivos: Determinar as características demográficas dos pacientes submetidos à reconstrução de trânsito intestinal, analisar as operações realizadas e as complicações delas decorrentes. Métodos: Análise retrospectiva dos prontuários dos pacientes submetidos à reconstrução de trânsito intestinal no Hospital Regional da Asa Norte em um período de 4 anos (2001-2004). Resultados: Foram incluídos 70 pacientes, sendo 34% mulheres e 66% homens, com idade média de 42,5 anos. A cirurgia tipo Hartmann foi o motivo para a reconstrução do trânsito intestinal em 45,7% dos pacientes. A anastomose término-terminal foi realizada em 70% dos casos. Intercorrências clínicas ocorreram em 54% dos pacientes e incluíram íleo paralítico (11,4%), vômitos (21,4%), diarréia (7,1%) e febre (7,1%). Dentre as intercorrências cirúrgicas podemos citar a infecção (11,4%) e a deiscência de ferida operatória (5,7%), evisceração (2,8%), formação de fístula (2,8%) e o abscesso intra-cavitário (1,4%). Não houve óbitos. Conclusão: A operação para reconstrução do trânsito intestinal não é desprovida de complicações. Desta forma, é necessário uma indicação precisa para a realização da colostomia.
Descritores: cólon, colostomia, reconstrução, complicações pós-operatórias, morbidade
Introdução
A colostomia é realizada há quase
trezentos anos no tratamento de lesões do cólon e reto.
Desde esta época, sua utilização foi difundida no
tratamento de outras patologias cirúrgicas, como as
obstruções intestinais por neoplasia, as complicações da
doença diverticular e a Síndrome de Fournier.
Este procedimento é, muitas vezes, realizado por
cirurgiões gerais durante intervenções cirúrgicas de urgência.
Diferente da facilidade técnica da
realização da colostomia em comparação com o seu
fechamento e do relativo baixo risco da sua confecção,
a reconstrução do trânsito intestinal acarreta
elevados índices de morbimortalidade, com taxas que variam
de 0% a 4,5% e 0% a 50%
respectivamente¹,². Bocic et al.³ (1999) em uma série de 132 pacientes,
relataram um índice de morbidade de 36,2% e de mortalidade
de 1,7%. Bannura et al.4 (1999), em um estudo
envolvendo 100 pacientes, demonstraram taxas de 34% e
1,7% respectivamente. Habr-Gama et al.5 (1997),
avaliando 73 pacientes, demonstraram taxas de morbidade
de 34,2% e de mortalidade de 3,6%. Carreiro et
al.6 (2000), analisando 35 pacientes, demonstraram morbidade
de 25,7% e ausência de óbitos. Rey et
al.7 (2000), em uma amostra de 56 pacientes, encontraram índice
de morbidade de 25%. Moreira et al.8 (2002),
estudando 67 pacientes, obtiveram morbidade de 19,2%
.Também não houve óbitos nestes dois últimos estudos.
Estes percentuais descritos demonstram a importância da determinação de fatores
que influenciam a evolução clínica dos
pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução do
trânsito intestinal. Dentre estes, destaca-se o
procedimento realizado na operação inicial e as
complicações decorrentes
deste7, a técnica operatória empregada
no restabelecimento da continuidade intestinal e a experiência do cirurgião
9,10, o uso consciente de antibióticos e os cuidados pré e pós
operatórios8, além dos fatores de risco associados ao próprio paciente.
O objetivo deste estudo foi determinar as características demográficas dos pacientes
submetidos à reconstrução de trânsito intestinal em uma
instituição do Sistema Único de Saúde, além de
analisar informações a respeito do procedimento cirúrgico e
as complicações decorrentes.
MÉTODO
Foi realizada uma análise retrospectiva
dos prontuários dos pacientes submetidos à
reconstrução de trânsito intestinal no Hospital Regional da
Asa Norte (HRAN) em um período de 4 anos
(2001-2004). As informações colhidas eram registradas em
um protocolo pré-estabelecido, incluindo
dados demográficos, realização de preparo
intestinal, indicação e tipo da ostomia realizada no
primeiro procedimento cirúrgico, tipo de reconstrução
intestinal empregada, duração do ato operatório, uso
de antibióticos, drenagem da cavidade, tempo
de internação, co-morbidades e complicações
pós-operatórias imediatas.
As cirurgias de reconstrução de trânsito
foram realizadas por 13 diferentes cirurgiões do serviço.
RESULTADOS
Foram incluídos 70 pacientes, sendo 46
do sexo masculino (65,7%) e 24 do sexo feminino (34,3%). A média de idade foi de 42,5 anos (16 a
92 anos).
A indicação mais comum da ostomia foi
a lesão por projétil de arma de fogo (22,9%),
seguida pelo megacólon chagásico (21,4%), neoplasia de
cólon (11,4%) e Síndrome de Fournier (8,6%).
Indicações menos freqüentes foram lesão do cólon por
acidente automobilístico, neoplasia de ovário, fístula
digestiva, ulcera péptica perfurada, perfuração intestinal
por corpo estranho, hérnia encarcerada, etc (Tabela-1).
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A maioria dos pacientes não apresentava
co-morbidades (72,9%). Dentre as patologias
associadas encontradas, destaca-se hipertensão arterial
sistêmica (20%), diabete mellitus (5,71%), insuficiência
renal crônica (2,8%) e coronariopatia (1,4%).
Os tipos de ostomia mais prevalentes foram a colostomia à Hartmann (45,7%) e a colostomia em
alça (41,4%). A fístula colocutânea havia sido realizada
em 8,6% dos casos e a ileostomia em alça em 4,3%.
O preparo do cólon foi realizado em 68 pacientes (97,1%). A técnica empregada em
nosso serviço é a ingestão de manitol a 50%, adicionado
ao suco de laranja em quantidades iguais, além de
"fleet" enemas ou soluções glicerinadas via retal.
As operações de reconstrução do trânsito
realizadas foram anastomose boca a boca (60%), sutura simples da parede anterior (30%) e
anastomose ileo-retal (10%). O tempo médio de cirurgia foi
de 147,6 minutos (30 a 435
minutos).
Foi realizada antibioticoprofilaxia em 45,7%, sendo esta iniciada no intra-operatório em 44,3%
dos pacientes. Em 55,7% dos casos optou-se por antibioticoterapia, sendo 30% destes de curta
duração. Somente 3 pacientes (4,3%) não fizeram uso
de antibióticos durante a internação. Os esquemas
de antibióticos utilizados estão listados na Tabela-2.
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Não foi realizada drenagem da cavidade
em 55 pacientes (78,6%). O tempo médio de
internação foi de 12,6 dias (5 a 42 dias).
As intercorrências clínicas ocorreram
em 58,4% dos pacientes, sendo a mais comum a
presença de vômitos no pós-operatório (21,4%)
(Tabela-3). Intercorrências cirúrgicas estiveram presentes
em 35,5% dos pacientes.(Tabela-4)
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DISCUSSÃO
A nossa amostra foi composta predominantemente por homens jovens, em idade
produtiva. Este pode ser um dos fatores que influenciaram na
baixa prevalência de co-morbidades encontrada. As
causas mais comuns para a realização da colostomia foram
perfuração por arma de fogo, o que retrata o nível
de violência em nosso meio, e megacólon chagásico,
uma vez que o nosso serviço é de referência para
pacientes oriundos de regiões onde a Doença de Chagas
é considerada endêmica, como cidades do Estado
de Goiás e da Bahia. Outros estudos realizados
demonstram resultados diferentes de acordo com sua
demanda de pacientes.11,12,13,14,15
A operação para reconstrução do
trânsito intestinal mais utilizada nesta série foi a
anastomose boca a boca, com predomínio da anastomose
colo-retal após operação de Hartmann (45,7%).
O preparo de cólon foi realizado na
maior parte dos casos. Este é um procedimento rotineiro
no preparo pré-operatório dos pacientes de nosso
serviço. Como descrito anteriormente, este preparo
é geralmente realizado com o uso, via oral, de
manitol associado ao suco de laranja. Os pacientes
são internados em média um a dois dias antes da
data marcada para o procedimento cirúrgico. Este fato
deve ser considerado na análise do tempo médio
de internação hospitalar.
A drenagem da cavidade abdominal não foi realizada na maioria das intervenções
cirúrgicas, seguindo uma tendência demonstrada pela
medicina baseada em evidências.
A variedade de esquemas antibióticos
realizada pode ser explicada pelo número de
cirurgiões envolvidos no estudo, já que, em nosso serviço,
no período em que foram realizadas as cirurgias, não
havia padronização para o uso de antibióticos. Desta
forma, a escolha do esquema seguiu a experiência e a
rotina de cada profissional envolvido.
O índice de complicações clínicas foi de
58,40% e o de complicações cirúrgicas, de 35,5%. Estes
valores podem ser considerados elevados quando
comparados a dados da literatura. É importante frisar, entretanto,
que neste estudo foram incluídas intercorrências de
menor gravidade que, em muitos casos, não são descritas.
Além disso, a colostomia à Hartmann normalmente
é acompanhada de um maior número de complicações
pós reconstrução do trânsito intestinal, e quase metade
dos pacientes envolvidos nesta série de casos
apresentavam este tipo de colostomia.
CONCLUSÕES
As operações para reconstituição do
trânsito intestinal não são desprovidas de complicações,
sendo necessário restringir as indicações das
colostomias, principalmente as do tipo Hartmann.
SUMMARY:Colostomy closure is associated with a high morbidity and mortality rates. The risk factors are: the technical conditions at the first procedure, the utilized technique to close the colostomy and the patient status. Our goal is to retrospectively analyze the demographics of the patients who underwent colostomy closure at our institution in a four year period, (2001-2004). Seventy patients were included (66% males, 34% females), with a median age of 42,5 years old. A Hartmann colostomy was closed in 32 patients (45,7%) and an end-to-end anastomosis was performed in 49 patients (70%). Complications occurred in 38 patients (54%) and included ileus (11,4%), PONV (21%), diarrhea (7,1%) and fever (7,1%). The surgical complications were wound infection (11,4%), aponeurosis dehiscense (5,7%), small bowel evisceration ( 2,8%), anastomotic leak (2,8%) and intracavitary abscess (1,4%). There were no deaths. Conclusion: Colostomy closure is associated with high morbidity rate. It is important a very careful indication for colostomy at the first operation.
Key words: colon, colostomy, reconstruction, postoperative complications, morbidity
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Endereço para correspondência:
Silvana Marques e Silva
SQS 405 Bloco B Apt. 205
70.239-020 - Brasília (DF)
Fax: (61) 3244-4271
Recebido em 03/02/2006
Aceito para publicação em 23/02/2006
Trabalho realizado na Unidade de Cirurgia Geral do Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), Brasília, DF, Brasil