ARTIGOS ORIGINAIS
CORRELAÇÃO ENTRE O PADRÃO DE EXPRESSÃO TECIDUAL E OS VALORES SÉRICOS DO ANTÍGENO CARCINOEMBRIONÁRIO EM DOENTES COM CÂNCER COLORRETAL
CARLOS AUGUSTO REAL MARTINEZ1 , DENISE GONÇALVES PRIOLLI2 , IZILDA APARECIDA CARDINALLI3, HELENICE PIOVESAN3, JOSÉ AIRES PEREIRA3, JAQUES WAISBERG4, NELSON FONTANA MARGARIDO5
1Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade São Francisco, 2Disciplina de Cirurgia Geral do Curso de Medicina da Universidade São Francisco,3Disciplina de Anatomia Patológica do Curso de Medicina da Universidade São Francisco, 4Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo da Faculdade de Medicina do ABC, 5Disciplina de Técnica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
RESUMO: A correlação entre diferentes padrões de expressão celular do CEA e a quantificação sérica do antígeno é assunto controvertido. Objetivo: O objetivo do presente estudo foi verificar se o padrão de distribuição tecidual do CEA no carcinoma colorretal, se correlaciona com seus níveis séricos. Método: Estudaram-se 24 pacientes portadores de adenocarcinoma colorretal, com média de idade de 62,6 anos. A mensuração sérica foi realizada por quimioluminescência. No estudo do padrão de distribuição tecidual empregou-se método imunoistoquímico com a técnica da estreptavidina-biotina peroxidase, utilizando anticorpos monoclonais anti-CEA. O padrão de expressão tecidual foi classificado em apical, citoplasmático e estromal, segundo a localização predominante do CEA. A intensidade da imunoexpressão foi classificada em leve, moderada e forte. Empregou-se o teste de Mann-Whitney na comparação dos níveis de CEA sérico, segundo o padrão de distribuição tecidual e o grau histológico do tumor, o teste de Kruskal-Wallis para análise de variância e o teste de Spearman para avaliação da correlação entre as variáveis estudadas, adotando-se nível de significância de 5% (p<0,05). Resultados: Dois (8,3%) doentes foram classificados no estádio A de Dukes, 12 (50,0%) no B e 10 (41,6%) no C. Os valores médios do CEA sérico nos doentes com tumores restritos à parede intestinal (A e B de Dukes) foram significativamente menores que os dos doentes com comprometimento linfonodal (p = 0,0139). Nos 14 (58,3%) enfermos com padrão apical de distribuição o valor médio de CEA sérico era de 4,0 ng/ml, enquanto nos 10 (41,6%) em que havia expressão do tipo citoplasmática o valor médio do CEA sérico era de 31,0 ng/ml (p = 0,0002). Independente da graduação histológica, tumores com expressão tecidual do tipo apical apresentavam valores séricos do CEA significativamente menores do que tumores com padrão citoplasmático (p<0.05) Não se encontrou padrão estromal de distribuição. Houve correlação estatisticamente significante entre o padrão de distribuição tecidual, valores séricos do CEA e a classificação de Dukes. Conclusão: Os resultados do presente estudo permitem concluir que tumores com padrão de distribuição tecidual citoplasmática cursam com valores séricos de CEA significativamente mais elevados que tumores com padrão de distribuição apical. Existe correlação positiva e estatisticamente significante, entre os diferentes padrões de distribuição celular do CEA, seus níveis séricos e o estadiamento da doença.
Descritores: Neoplasias colorretais, Antígeno carcinoembrionário, Imunohistoquímica, Estadiamento de neoplasias.
Introdução
O antígeno carcinoembrionário (CEA)
foi isolado pela primeira vez por Gold e
Freedman em 19651,2 no intestino de fetos e de doentes portadores
de câncer colorretal. O CEA é uma imunoglobulina
cuja principal função é promover a adesão
molecular intercelular3,4. Pesquisas que utilizam
técnicas imunoistoquímicas revelaram que o CEA é um
antígeno habitualmente presente nas células da mucosa
cólica normal e nas do carcinoma
colorretal5,6. A principal diferença entre o conteúdo de CEA nas células
normais e neoplásicas aparenta ser muito mais quantitativa
do que qualitativa6. Contudo, estudos
ultraestruturais demonstraram que existem diferenças no padrão
de distribuição celular do CEA quando se compara
o tecido normal com o
neoplásico7.
Hamada e col.8 , analisando por método
imunoistoquímico doentes com adenocarcinoma
colorretal, verificaram que o padrão de distribuição do CEA
no tecido neoplásico ocorria de três formas
distintas, classificando-as em três padrões principais:
apical, citoplasmático e estromal. No padrão de
distribuição apical, o CEA é encontrado junto à membrana
citoplasmática na porção apical das células
epiteliais cólicas voltadas para a luz glandular. No
padrão citoplasmático, o antígeno é encontrado em ambos
os pólos celulares e na porção basolateral das células
da mucosa do cólon, distribuindo-se em mais de 30%
do citoplasma celular. No padrão de distribuição
estromal, além da coloração tecidual, o antígeno é
demonstrado em mais de 30% do estroma vizinho. Esses
autores sugeriram que os padrões de
distribuição citoplasmática e estromal, pela maior proximidade
com os vasos linfáticos e sangüíneos, permitiriam que
o CEA atingisse com mais facilidade a
circulação sistêmica e, portanto, estariam relacionados com
níveis séricos do antígeno mais elevados quando
comparados aos casos com distribuição
apical8.
A identificação do CEA no tecido
neoplásico por meio de método imunoistoquímico, e
sua correlação com os valores séricos, tem sido
estudada com finalidade de se encontrar a lógica biológica
da relação entre a fonte de produção tecidual e seus
níveis circulantes8-12. Tais estudos pretenderam, na
realidade, estabelecer a dinâmica capaz de explicar o
potencial diagnóstico e, principalmente, o valor prognóstico
dos níveis de CEA pré-operatórios encontrados no
sangue9. A correlação entre a fonte de produção
tecidual, analisada por métodos imunoistoquímicos, e os
níveis sangüíneos do CEA apresenta resultados
controversos10-13. Enquanto algumas pesquisas
estabeleceram estreita correlação entre fonte de produção tecidual
do CEA e seu nível sérico, em outras se verificou,
até mesmo, a existência de pequena porcentagem
de carcinomas colorretais, escassamente produtores
de CEA, que evoluem com valores séricos normais,
nos quais o seguimento dos doentes pela
mensuração sangüínea do antígeno não seria útil na detecção
de eventuais recidivas11-14.
O objetivo do presente estudo foi avaliar, por meio de técnica imunoistoquímica, se o padrão
de distribuição celular do CEA em doentes portadores
de carcinoma colorretal, encontra-se correlacionado
com o nível sérico do antígeno e o estadiamento da doença.
MÉTODO
A realização deste trabalho foi aprovada
pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
São Francisco em Bragança Paulista, tendo todos
os pacientes, após esclarecimento dos objetivos
da pesquisa, assinado Termo de Consentimento
concordando em participar espontaneamente do estudo.
1. Casuística
Foram estudados 24 doentes, com igual número entre homens e mulheres, portadores
de carcinoma colorretal, operados com intenção
curativa, no período de 2002 a 2003.
Utilizou-se o estadiamento de Dukes do carcinoma colorretal, classificando como
pertencentes ao estádio A, os tumores que se estendiam até a
camada muscular externa da parede intestinal; como Dukes
B, os que se estendiam por toda a parede
intestinal comprometendo inclusive o tecido adiposo
adjacente; e como C, quando havia comprometimento
de linfonodos, independente do nível de penetração
da neoplasia na parede intestinal.
As características clínicas e
anatomo-patológicas dos doentes são mostradas na Tabela-1.
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Consideraram-se como critério de exclusão
os fumantes, a presença de carcinomatose
peritoneal, portadores de doença hepática, e enfermos
com metástases à distância. Todos os doentes tiveram
o diagnóstico de adenocarcinoma colorretal
confirmado por dois patologistas experientes.
2 - Dosagem do Antígeno Carcinoembrionário
Amostras de sangue foram colhidas na sala cirúrgica, antes do início da operação, por
punção venosa no membro superior, e encaminhadas de
forma imediata para a determinação do nível do
CEA sangüíneo, por quimioluminescência, sendo
o resultado expresso em nanogramas por mililitro
(ng/ml). A mensuração do CEA foi sempre realizada
no mesmo laboratório pelo mesmo técnico,
utilizando-se kit de um único fornecedor. Foram considerados
como normais valores menores ou iguais a 5,0ng/ml.
3 - Exame Anátomo-Patológico
Inicialmente realizou-se o estudo macroscópico dos espécimes extirpados, analisando-se a
localização do tumor, aspecto macroscópico e tamanho.
Em seguida para a realização do estudo
histopatológico, todos os espécimes cirúrgicos, previamente fixados
em solução de formol a 10%, foram emblocados
em parafina. Três cortes de 4mm na periferia do tumor
para obtenção de áreas com e sem neoplasia, foram
obtidos de cada bloco, sendo corados, inicialmente, pela
técnica da hematoxilina-eosina para diagnóstico
microscópico e avaliação do nível de invasão na parede,
tipo histológico, grau de diferenciação celular e
verificação da presença de linfonodos comprometidos
pela neoplasia.
4- Técnica Imunoistoquímica
Todos os espécimes, fixados em formalina
e emblocados em parafina, foram submetidos a três
cortes adicionais de 4mm, retirados da periferia do tumor
e depositados em lâminas previamente
identificadas. Inicialmente as lâminas foram desparafinadas por
três banhos sucessivos de cinco minutos em xilol.
Realizou-se a reidratação, submergindo as lâminas em
álcool absoluto a 95%, 80% e 50%, seguida de lavagem
por cinco minutos em água corrente e posteriormente
em água destilada. As lâminas foram então
acondicionadas em recipiente próprio e submersas em solução
tampão de fosfato de sódio 0,05 M e pH 7,2 (PBS) por
10 minutos e depois secas com papel filtro. Foi
realizado bloqueio das peroxidases endógenas pelo
gotejamento de peróxido de hidrogênio 30V a 3%, em câmara
úmida, à temperatura ambiente, durante 10 minutos,
seguido de mais uma lavagem com PBS por 10
minutos. Terminadas estas etapas, realizou-se a
recuperação antigênica na qual as lâminas foram acondicionadas
em cuba com solução de citrato 10 mM, pH 6,0
e submetidas em microondas (potência alta) durante
15 minutos (três ciclos de cinco minutos cada,
completando o recipiente com solução de citrato ao término de
cada ciclo). Ao fim desse processo, foram deixadas
esfriar por 20 minutos no interior do forno de
microondas, seguido de nova lavagem com PBS por cinco
minutos. O anticorpo primário monoclonal anti-CEA
(Dako Cytomation®, Copenhagen, Dinamarca- Clone
II-7 IgG1) foi diluído na proporção de 1:800 em
soro albumina bovina (Sigma®, Saint Louis, EUA).
Todas as lâminas foram cobertas com cerca de 100
mL dessa solução, mantidas por 30 minutos à
temperatura ambiente e levadas para câmara úmida em
refrigeração a 4ºC por 24 horas. Após esse período de incubação,
as lâminas foram novamente lavadas com PBS por
cinco minutos, gotejadas com o anticorpo secundário
(Dako Cytomation®, Copenhagen, Dinamarca), na diluição
de 1:160 em PBS, e reservadas em câmara úmida
durante uma hora à temperatura ambiente. A seguir,
realizou-se nova lavagem com PBS por cinco minutos e
aplicou-se o complexo estreptavidina-biotina-peroxidase
(Dako Cytomation®, Copenhagen, Dinamarca) preparado
no momento de sua utilização, na diluição de 1:100
em PBS, por 45 minutos. As lâminas foram reveladas,
após nova lavagem com PBS por cinco minutos,
usando-se cromógeno (tetrahidrocloridrato de
diaminobenzidina DAB 10mg em 10 ml de PBS + 3 ml de água
oxigenada), preparado cinco minutos antes de terminar o tempo
de exposição ao complexo ABC, gotejado e
permanecendo sobre elas por três minutos. Completado este tempo,
as lâminas foram lavadas em água corrente destilada
por cinco minutos, contra-coradas com hematoxilina
de Harris por 30 segundos, e novamente lavadas em
água corrente destilada por cinco minutos para em
seguida serem desidratadas, por submersão em etanol 50%,
80%, 95% e absoluto e em xilol, duas vezes por um
minuto cada. Finalmente as lâminas foram montadas,
rotuladas e mantidas em posição horizontal por 24 horas.
O controle da imunocoloração foi realizado com
lâminas confeccionadas, com a mesma técnica, sem adição
do anticorpo primário.
5 - Leitura das Lâminas
Para análise microscópica
utilizou-se microscópio óptico comum, com magnificação
final de 200 vezes. Considerou-se, como reação positiva,
a coloração que ocorreu de modo difuso, com pontos
de intensidade variáveis e distribuição homogênea.
Todas as lâminas foram lidas por dois patologistas
experientes sem conhecimento prévio das características
clínicas de cada doente, e com acesso somente aos seus
próprios resultados, os quais classificaram a expressão
tecidual do CEA segundo duas variáveis: padrão de
distribuição celular e intensidade de imunocoloração.
A leitura da imunocoloração foi
sempre realizada na região de graduação
histotológica (diferenciação celular) do tumor, definida
previamente no estudo convencional pela técnica da
hematoxilina-eosina. Assim, caso a neoplasia fosse considerada
como bem diferenciada, a leitura do padrão e intensidade
de expressão tecidual obtida pela imunoistoquímica
seria realizada em uma área bem diferenciada. Adotou-se
a classificação proposta por Hamada e col
19858 para a definição do tipo de distribuição tecidual do
CEA encontrado na imunocoloração (Figura-1).
Figura 1 - Diferentes padrões imunoistoquímicos de distribuição tecidual do antígeno carcinoembrionário no carcinoma colorretal e no tecido normal, revelado pelo anticorpo monoclonal específico anti-CEA e contra-corados pela Hematoxilina de Harris: A apical (200x); B citoplasmático (200x); C estromal (400x), e D na mucosa cólica normal (200x). |
A intensidade de expressão foi classificada
em três graus após observação de três campos
aleatórios, posicionados sobre áreas do tumor com a
mesma graduação histológica: (1) leve (+/+++), quando
a coloração atingia até 30% das células; (2)
moderada (++/+++), quando a coloração estava presente de 30
a 70% das células; (3) forte (+++/+++), quando mais
de 70% das células apresentavam a
imunocoloração. Adotou-se como valor individual para cada
patologista a moda entre a leitura dos três campos e como
valor final, a moda das leituras dos dois profissionais.
6 - Estudo Estatístico
Os dados obtidos com relação aos
valores séricos do CEA foram estudados
comparativamente pelos testes Mann-Whitney. Para análise de
variância empregou-se o teste de Kruskal-Wallis. Aplicou-se
o coeficiente de Spearman para verificar a existência
de correlação significativa entre as variáveis
estudadas, fixando-se em 5% (p<0,05) o coeficiente para
rejeição da hipótese de nulidade em todos os testes adotados.
RESULTADOS
Foi possível identificar a
expressão imunoistoquímica tecidual do CEA nos 24
doentes estudados. Em todos, a intensidade de
expressão tecidual variava de célula para célula e de
glândula para glândula conforme o campo estudado;
entretanto o mesmo padrão de localização era mantido na
maior parte do tecido selecionado. Da mesma forma no
tecido normal, de todos os casos estudados, o antígeno
era identificado como uma tênue camada, localizada
junto à membrana citoplasmática no pólo apical das
células e na luz glandular (Figura 1-D).
O padrão de distribuição e a intensidade
de expressão tecidual obtidos nos 24 enfermos
estudados encontram-se relacionados na Tabela-2.
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A Tabela-3 mostra a intensidade de
expressão tecidual do CEA obtida na presente casuística para
cada um dos padrões de distribuição tecidual encontrados.
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Os valores médios do CEA sérico não
apresentavam diferenças significantes, quando
se estudavam as variáveis: sexo (p= 0,1571);
localização do tumor no cólon ou reto (p= 0,4642);
tipo histológico mucoprodutor ou usual (p=
0,2453); dimensões maiores ou menores que cinco
centímetros (p= 0,0725).
A Tabela-4 mostra os valores séricos do
CEA nos diferentes padrões de imunoexpressão celular.
Os valores séricos encontrados nos doentes com
padrão apical de distribuição tecidual
foram significativamente menores do que os valores
dos doentes com padrão citoplasmático de
distribuição celular (p= 0,0002). Enfermos com tumores
restritos à parede cólica (Dukes A + B), apresentavam
níveis séricos de CEA significativamente menores que
os doentes classificados no estádio C de Dukes
(p= 0,0139). Os valores séricos do CEA
apresentavam níveis mais elevados nos tumores
pouco diferenciados, quando comparados aos tumores
com menor graduação histológica, não havendo
diferenças significantes quando se comparavam tumores
bem diferenciados e moderadamente diferenciados
(p= 0,5840).
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A Tabela-5 mostra os valores séricos do
CEA relacionados ao grau histológico da neoplasia e
ao padrão de distribuição tecidual detectado
pela imunoistoquímica. Nos tumores pouco
diferenciados a média dos valores séricos do CEA encontrava-se
mais elevada que nos tumores moderadamente ou bem diferenciados com o mesmo padrão de
expressão tecidual. Os tumores com padrão de distribuição
apical bem diferenciados apresentavam valores séricos
de CEA semelhantes aos tumores moderadamente diferenciados com o mesmo padrão de
distribuição tecidual (p= 0,8772), porém menores
quando comparados às neoplasias pouco diferenciadas.
Os tumores com padrão de distribuição citoplasmática
bem diferenciados apresentavam valores séricos do
CEA menores que os tumores moderadamente
diferenciados com o mesmo padrão de distribuição tecidual,
sem contudo existir diferenças significantes.(p=
0,8075). Os tumores com padrão citoplasmático bem
e moderadamente diferenciado também cursavam
com valores inferiores aos dos tumores pouco
diferenciados. Constatou-se ainda que entre os tumores
bem diferenciados, os enfermos com padrão de
distribuição apical, apresentavam valores séricos do
CEA significativamente menores que os doentes com
padrão de distribuição citoplasmática (p= 0,0209). Da
mesma forma, nos tumores classificados como
moderadamente diferenciados, os doentes com padrão de
distribuição do tipo apical apresentavam valores séricos do
CEA significativamente menores que os doentes com
padrão de distribuição tecidual citoplasmática (p= 0,0041).
O doente com tumor pouco diferenciado com padrão
de distribuição tecidual do tipo apical apresentava
valor sérico do CEA inferior ao doente com padrão
de distribuição citoplasmática.
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A Tabela-6 mostra os valores médios do
CEA sérico nos diferentes padrões de distribuição
celular, segundo a intensidade de expressão tecidual do
CEA. Verificou-se que os doentes com padrão de
distribuição apical e intensidade de expressão moderada
apresentavam níveis séricos do CEA significativamente
menores que os doentes com padrão de distribuição do
tipo citoplasmática (p= 0,0025). Os pacientes com
padrão de distribuição apical e intensidade de expressão
forte também apresentavam valores de CEA inferiores
aos doentes com padrão citoplasmático.
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O estudo de correlação entre as
múltiplas variáveis estudadas (Teste de Spearman)
mostrou correlação positiva e significante entre o padrão
de distribuição tecidual do CEA e os níveis séricos do
CEA (rs = 0,7694, p= 0,0001), entre padrão de
distribuição tecidual do CEA e a classificação de Dukes (rs =
0,5555, p= 0,0048) e, entre os níveis séricos do CEA e
a classificação de Dukes (rs = 0,5342, p= 0, 0072) .
DISCUSSÃO
Nos Estados Unidos, o câncer colorretal representa a segunda causa mais comum de morte
por neoplasia entre os homens e a terceira entre
as mulheres15. No Brasil, ocupa o terceiro posto
como causa mais comum de morte relacionada ao câncer
e sua incidência vem aumentando em comparação
a outros tipos de tumores que acometem o aparelho
digestivo16. Apresenta maior incidência entre 50 e
70 anos de idade, podendo em 2 a 6% dos casos
acometer a população mais
jovem16,17. Com o aumento da expectativa de vida a neoplasia colorretal vem
ganhando importância crescente no perfil da
mortalidade por câncer em todo o mundo
15,16.
O prognóstico da enfermidade encontra-se diretamente relacionado ao conhecimento do
maior número de variáveis que possam identificar,
com segurança, o risco do desenvolvimento de
metástases. Dentre elas, a presença de células neoplásicas
viáveis na corrente sangüínea é condição indispensável para
a disseminação da
doença17. O CEA é um
antígeno presente na maioria das células neoplásicas dos
doentes com câncer colorretal e sua presença em níveis
elevados na corrente sangüínea, durante o seguimento
pós-operatório, pode sugerir a existência de
células neoplásicas viáveis produtoras do
antígeno1. Assim sendo, o conhecimento detalhado da relação
existente entre a fonte de produção tecidual do CEA e a
dinâmica com que o antígeno atinge a corrente sangüínea,
são aspectos importantes para melhor compreensão
da evolução do câncer colorretal.
O CEA é formado por um conjunto de glicoproteínas semelhantes, pertencentes à família
das imunoglobulinas, com peso molecular de 200 kDa,
cuja principal função é promover a adesão
intercelular4,5,18. Trata-se de glicoproteína produzida por
tumores originários do tecido endodérmico, em especial os
da mucosa do cólon, que possui determinantes
antigênicos localizados na fração protéica da molécula
formada por cadeias polipeptídicas simples, sendo
o componente carboidrato composto principalmente
por frutose, manose, galactose, N-acetilglucosamina e
N-acetil-galactosamina4,6,19-22.
As células da mucosa cólica sintetizam o
CEA de maneira contínua a partir de suas porções
basais. Em virtude de uma orientação de migração
polarizada, característica das células epiteliais especializadas,
o antígeno atravessa o citoplasma através das
cisternas de Golgi associando-se à membrana citoplasmática
na região apical da célula, para a partir daí ser em
parte eliminado para a luz intestinal
7,8. Nas células neoplásicas do câncer colorretal existe perda
da orientação de migração polarizada, ocorrendo com
isso inversão do padrão de distribuição do antígeno
no citoplasma celular. O fenômeno da perda de
migração polarizada fica mais evidente à medida que a
célula neoplásica se torna cada vez menos
diferenciada7. A incapacidade de eliminar o CEA para luz
intestinal, decorrente do fenômeno de inversão de
migração polarizada, acarreta maior concentração do
antígeno no interior da célula, facilitando sua difusão para
o estroma tecidual e conseqüentemente para
circulação sistêmica. Acredita-se que o fenômeno da inversão
de migração polarizada, por facilitar a passagem do
CEA para a corrente sangüínea seja uma das
explicações plausíveis para valores séricos do antígeno,
mais elevados nos portadores de carcinoma colorretal
8.
A possibilidade de detecção do CEA no
sangue por técnicas de radioimunoensaio,
quimioluminescência e, mais recentemente, por técnica
imunoenzimática com boa sensibilidade, permitiu que
a mensuração sérica do antígeno passasse a ser
utilizada de forma rotineira no acompanhamento de
doentes portadores de câncer colorretal. Dessa maneira,
haveria a possibilidade de se estabelecer uma correlação
entre a fonte de produção tecidual e o nível sérico do CEA.
A mensuração sérica do CEA vem
sendo utilizada com vários propósitos. Por apresentar
baixa especificidade, já que pode encontrar-se elevado
em diversas condições benignas, o CEA não é
empregado como método diagnóstico. A dosagem do
antígeno possui importante papel no acompanhamento
pós-operatório dos enfermos portadores de
câncer colorretal, podendo ao elevar-se ser indicador
do surgimento de recidivas23. A manutenção de
valores sangüíneos elevados após a extirpação do tumor
pode ser indicativa de ressecção cirúrgica
incompleta24. Ainda existem controvérsias quanto ao valor
da mensuração pré-operatória do CEA como variável
de importância prognóstica, principalmente nos
estádios iniciais da doença
24,25. A presença do CEA nas
fezes torna atraente a possibilidade de que sua
quantificação fecal possa vir a ser utilizada como método
de rastreamento do câncer colorretal
26,27.
A diferença no conteúdo de CEA entre
células normais e neoplásicas parece ser muito
mais quantitativa do que qualitativa e sua
expressão imunoistoquímica tecidual pode sofrer
variações dependendo do método de análise
empregado8. No estudo do carcinoma colorretal em
espécimes congelados, a detecção imunoistoquímica do CEA
pode atingir até 100% das células da mucosa do
intestino grosso9. De outro modo, quando a mensuração é
feita em tecidos previamente fixados, o CEA é
identificado em aproximadamente 60% das células neoplásicas
e em apenas 14% das células
normais28. A especificidade do anticorpo primário anti-CEA, empregado na
técnica imunoistoquímica, é outra variável relacionada à
maior capacidade de identificação do CEA nos
tecidos29. Ao considerar-se os 24 doentes avaliados no
presente estudo, apesar de empregar-se material fixado,
pôde-se identificar a presença do CEA em todos, tanto
no tecido normal quanto no neoplásico, sugerindo que
a dificuldade na identificação do antígeno no
material fixado possa estar relacionada com a
técnica imunoistoquímica empregada.
Em todos os enfermos foi possível
observar diferenças tanto no padrão de distribuição
tecidual quanto na intensidade de expressão do
antígeno, quando se comparava tecido normal com
neoplásico. Na mucosa cólica normal o CEA era identificado
no pólo apical da célula junto à membrana
citoplasmática e no interior da luz glandular, geralmente como
uma tênue camada, de coloração acastanhada e
com intensidade de expressão classificada como
leve (Figura 1-D). Este padrão de distribuição
identificado no tecido normal, bem como a leve intensidade
de expressão, parece reforçar as evidências de que
na célula normal existe uma produção tecidual
limitada com orientação de polaridade definida no sentido
da luz intestinal.
Nos portadores de câncer colorretal identificaram-se dois padrões principais de
distribuição tecidual do CEA: apical e citoplasmático.
Encontrou-se o padrão apical de distribuição em 58,3% (14/24)
e o citoplasmático em 41,7% (10/24) dos
enfermos (Figura 1A e B), não se observando padrão
de distribuição do tipo estromal. Este fato
provavelmente se deva ao pequeno número de casos estudados e
à dificuldade em se diferenciar o padrão estromal
de distribuição do CEA, da coloração de
células neoplásicas que invadiam o estroma tecidual
(Figura 1C). Nas regiões onde existia grande infiltração
da membrana basal por células neoplásicas ou
necrose tecidual, havia áreas restritas onde talvez o padrão
de expressão tecidual estromal pudesse ser
considerado, entretanto o padrão de distribuição tecidual
adotado para a leitura imunoistoquímica foi aquele
encontrado nas áreas definidas previamente pela
coloração convencional. A dificuldade em se diferenciar
os principais padrões de distribuição tecidual do
CEA, vem fazendo com que sejam propostas diversas classificações que adotam critérios de
expressão diferentes, tanto na distribuição quanto na
intensidade de expressão. Esta falta de uniformidade causa
muita confusão na interpretação dos resultados descritos
nos mais diferentes estudos12,13,29.
A pesquisa rotineira do padrão de
expressão tecidual do CEA tem sido preconizada, pois
permitiria aumentar a eficiência da mensuração sangüínea
do antígeno como fator prognóstico nos
doentes portadores de câncer
colorretal12,13. No presente estudo, verificou-se que doentes com padrão de
distribuição tecidual do tipo apical, apresentavam níveis séricos
de CEA significativamente menores que os pacientes
com padrão de distribuição citoplasmática (p=0,0002).
Os doentes com padrão de distribuição
apical apresentavam níveis médios de CEA sérico de 4,01
ng/ml o que é concordante com os resultados de
outros autores que encontraram valores inferiores a 10
ng/ml8,30. Da mesma forma, doentes com
padrão citoplasmático de distribuição do CEA
apresentavam valores séricos médios de 31,00 ng/ml,
resultado semelhante aos de pesquisas que encontraram
valores maiores do que 10 ng/ml8,12,30.
Ao estudar-se a intensidade de
expressão tecidual do CEA nas áreas neoplásicas,
verificou-se que dos 14 doentes que apresentavam padrão
de distribuição apical, dois mostravam intensidade
de expressão leve 10, intensidade moderada e dois,
forte. Cabe destacar que, apesar do padrão de
distribuição tecidual apical assemelhar-se ao do tecido normal,
nos 14 enfermos a intensidade de expressão
tecidual detectada era nitidamente mais intensa
quando comparada à do tecido normal, sugerindo
maior capacidade de produção do CEA pela célula
neoplásica (Figura 1 A). Nos 10 doentes com
padrão citoplasmático, não houve intensidade de
expressão leve, existindo sete com intensidade moderada e
três, forte. Estes achados sugerem que a maior
intensidade de expressão tecidual do CEA no padrão
citoplasmático de distribuição talvez esteja relacionada não só à
maior capacidade de produção do antígeno pela
célula neoplásica, mas também ao maior
acúmulo citoplasmático decorrente da menor capacidade
da célula cancerosa em eliminar o antígeno para a
luz intestinal (inversão da polaridade).
O padrão apical de distribuição tecidual
do CEA em doentes com câncer colorretal vem
sendo relacionado a menores níveis de CEA sérico e
portal, quando comparado aos padrões de
distribuição citoplasmática e estromal
28,30-32. Os resultados da presente casuística parecem confirmar estas
suspeitas. Dos 14 doentes com câncer colorretal cujo padrão
de distribuição tecidual do CEA foi classificado
como apical, 12 apresentavam intensidade de
expressão moderada ou forte e, mesmo assim, os níveis
séricos de CEA foram menores quando comparados
àqueles dos doentes com padrão citoplasmático
que apresentavam a mesma intensidade de expressão (p
= 0,0008). É possível que os menores níveis de
CEA sérico nos doentes com padrão de distribuição do
tipo apical ocorresse, pois apesar de existir
importante concentração tecidual do CEA no pólo apical da
célula, a maior parte do antígeno estaria sendo eliminada
para a luz intestinal, resultando em menor
contingente drenado para a circulação sangüínea. Estes
achados sugerem que o padrão de distribuição tecidual na
célula neoplásica possa estar tão relacionado à presença do
CEA no sangue e nas fezes, quanto à própria capacidade
de produção tecidual. Pesquisas que relacionem o
conteúdo sérico e fecal do CEA em indivíduos sadios e
em portadores de câncer colorretal com diferentes
padrões de distribuição tecidual ainda merecem ser realizadas.
Já se demonstrou que a maior
concentração do CEA no citoplasma celular e no estroma
tecidual do carcinoma colorretal, em virtude de atingir
com maior facilidade a circulação sistêmica, geralmente
é acompanhada de valores séricos mais elevados
8,30. Sete dos 10 enfermos com padrão de distribuição
tecidual citoplasmática apresentavam intensidade de
expressão classificada como moderada e em três ela era
forte. Verificou-se que esses, doentes apresentavam
valores médios de CEA sérico significativamente mais
elevados que os doentes com distribuição do tipo apical com
a mesma intensidade de expressão (p =
0,0005), reforçando a idéia de que o padrão de
distribuição tecidual encontra-se mais relacionado a
valores elevados de CEA sérico do que a intensidade
de produção. No momento estamos iniciando estudo
com maior número de casos em que a quantificação do
CEA tecidual está sendo mensurada por meio de
método morfométrico computadorizado e através
de espectrometria de massa. O objetivo desse estudo
é verificar, de forma mais precisa, se os níveis
séricos do CEA encontram-se mais relacionados à
capacidade produtora da célula neoplásica ou à dificuldade
em secretar o antígeno para a luz intestinal devido
ao fenômeno de inversão da polaridade de migração.
Existem dúvidas se o padrão de
distribuição tecidual e os níveis séricos do CEA nos
doentes portadores de carcinoma colorretal também possam
estar relacionados ao grau histológico do tumor
(diferenciação celular)
8,9,28. Evidenciou-se que a maioria dos
doentes portadores de tumores bem diferenciados e com
padrão de distribuição do tipo apical cursava com níveis
séricos baixos de CEA. Por outro lado, portadores de
tumores moderadamente ou pouco diferenciados e de
padrão citoplasmático ou estromal cursavam com níveis
séricos elevados. Entretanto, já se demonstrou que à
medida que a neoplasia torna-se cada vez mais
indiferenciada, pelo distanciamento progressivo da célula
normal especializada, perderia a capacidade de
produção tecidual do
CEA7,14,33. Dessa forma, nos tumores indiferenciados poderia ocorrer uma menor
produção tecidual do CEA, fazendo com que sua
mensuração sérica possuísse menor importância no seguimento
pós-operatório14.
Na presente casuística, quando se
compararam os valores séricos do CEA, nos diferentes graus
de diferenciação do tumor, verificou-se que não
havia diferença significante entre os doentes portadores
de tumores bem ou moderadamente diferenciados (p = 0,5849). Apesar de dois doentes portadores de
tumores pouco diferenciados apresentarem em média
valores séricos do CEA mais elevados que os doentes
com tumores bem ou moderadamente diferenciados, em virtude do tamanho da amostra o estudo
comparativo ficou prejudicado. Ao se estudar o grau histológico
do tumor e o padrão de distribuição tecidual do
CEA, relacionando-os com a média dos níveis séricos
do antígeno, verificou-se que, dos oito doentes com
tumores bem diferenciados, quatro apresentavam distribuição
do tipo apical e quatro, citoplasmática. Comparando-se
os valores séricos do CEA nesses doentes observou-se
que os doentes com tumores bem diferenciados com
padrão de distribuição apical apresentavam valores
séricos significativamente menores que os doentes com
padrão citoplasmático (p = 0,0209). Dos 14 doentes
portadores de tumores moderadamente diferenciados,
nove apresentavam padrão de distribuição do tipo apical
e cinco, citoplasmática. Comparando-se os valores
séricos do CEA nesses doentes constatou-se que os doentes
com tumores moderadamente diferenciados com padrão
de distribuição apical apresentavam valores
séricos significativamente menores que os doentes com
padrão citoplasmático (p = 0,0041). Dos dois doentes
com tumores pouco diferenciados, um apresentava
padrão apical de distribuição tecidual e outro
citoplasmático. O doente com padrão apical apresentava valor sérico
do CEA menor que o doente com padrão citoplasmático.
Ao se estudar o padrão de distribuição
tecidual do CEA e o grau histológico do tumor,
relacionando-os com os níveis séricos do antígeno, verificou-se
que dos 14 doentes com distribuição apical,
quatro apresentavam neoplasia bem, nove moderadamente
e um pouco diferenciada. Ao se analisar os valores
do CEA sérico nestes doentes constatou-se, apesar de
se tratar de um único caso, que o doente com
neoplasia pouco diferenciada apresentava níveis séricos bem
mais elevados em relação àqueles que possuíam
tumores moderadamente ou bem diferenciados. Os
enfermos com padrão de distribuição apical, portadores
de tumores bem diferenciados apresentavam em
média valores séricos de CEA semelhantes aos doentes
com padrão apical e portadores de tumores
moderadamente diferenciados (p =0,7383).
Dos 10 pacientes com padrão de
distribuição tecidual do tipo citoplasmática, quatro eram
portadores de tumores bem diferenciados, cinco
moderadamente, e apenas um pouco diferenciado. Doentes com
padrão de expressão tecidual do tipo citoplasmática
e portadores de tumores bem diferenciados
apresentavam em média valores séricos do CEA menores
quando comparados àqueles portadores de
tumores moderadamente diferenciados, sem contudo
existirem diferenças significantes (p = 0,8065). O único
doente com carcinoma pouco diferenciado e com padrão
de expressão tecidual citoplasmático apresentava nível
de CEA sérico bem mais elevado, quando comparado
ao dos doentes com tumores bem ou moderadamente diferenciados; todavia, como se tratava de um
único enfermo, a avaliação fica comprometida.
A importância do padrão de distribuição
tecidual nos valores séricos do CEA ficou evidente quando
se constatou que, independente do grau histológico
da neoplasia, foi possível demonstrar nos doentes
com expressão tecidual do tipo apical, valores médios do
CEA sérico, significativamente menores do que os
valores dos doentes com expressão tecidual de
padrão citoplasmático. Estes resultados sugerem que o
padrão de expressão tecidual possa influir de maneira
até mesmo mais importante que o grau histológico
da neoplasia nos valores sangüíneos do CEA. Contudo,
é importante destacar que grau de diferenciação
celular do câncer colorretal é definido como o grau
dominante na lâmina estudada, cabendo lembrar que em um
mesmo tumor é possível encontrarem-se áreas
bem, moderadamente e até mesmo pouco diferenciadas.
Com o intuito de tentar padronizar a leitura e estabelecer
uma relação mais real entre os valores séricos
encontrados com o padrão imunoistoquímico de distribuição
tecidual do CEA, o local selecionado para interpretação
da lâmina foi aquele com a graduação
histológica previamente definida pela técnica
histológica convencional. Estudos relacionando os
diferentes padrões de expressão tecidual de um mesmo tumor
com os valores séricos do CEA ainda merecem ser
realizados, com objetivo de verificar se os níveis sangüíneos
do antígeno são determinados pelo grau histológico
mais prevalente ou pelo maior grau encontrado. Da
mesma forma, pesquisas relacionando o conteúdo sérico e
fecal do CEA em indivíduos sadios e em portadores de
câncer colorretal com diferentes graduações histológicas,
ainda merecem ser realizadas com o objetivo de verificar
se tumores com mesma graduação histológica, mas
com padrões de distribuição distintos, apresentam
diferenças nos níveis séricos e fecais do CEA.
O estádio anátomo-patológico do
tumor também vem sendo relacionado com os níveis
séricos do CEA, pois à medida que a neoplasia
invade progressivamente a parede cólica, o acesso do
antígeno à corrente sangüínea encontra-se facilitado devido
a infiltração venosa e
linfática34,35. Quanto mais
avançado o estádio da classificação de Dukes, maiores são
os valores encontrados do CEA
sérico30. Já se
demonstrou que neoplasias com estádios mais avançados
da classificação de Dukes estão mais
comumente associadas aos padrões citoplasmático e estromal
de distribuição tecidual e a valores de CEA sérico
elevados 8,12,35. Tokunaga e
col.35, estudando 49 portadores de carcinoma colorretal, nos quais a neoplasia invadia
a camada submucosa da parede cólica, verificaram que
o comprometimento linfonodal não ocorria em
doentes com padrão de expressão do tipo
ápico-luminal, ocorrendo, contudo, em 11,6% dos tumores com
padrão de distribuição citoplasmático e em 16,7%
dos estromais. Os resultados obtidos no presente
estudo parecem estar de acordo com esses achados. Dois
dos 24 doentes em que a neoplasia foi estagiada como A
da classificação de Dukes, apresentavam valores médios
de CEA sérico de 2,90 ng/ml, já os classificados como B
e C apresentavam em média valores de 13,43 ng/ml e
32,60 ng/ml, respectivamente. Quando se compararam os
níveis séricos do CEA em doentes com tumores restritos
à parede cólica (estádios A e B de Dukes), com
àqueles em que já existia comprometimento linfonodal,
verificou-se que os valores séricos do antígeno
eram significativamente menores nos enfermos com
doença restrita à parede cólica (p = 0,0139). Estes
resultados sugerem que o grau de penetração do tumor na
parede intestinal, além da quantidade de massa produtora
do antígeno e da presença de tecido produtor de CEA
fora da parede cólica, também possa estar relacionado
aos níveis séricos do antígeno. Cabe destacar que não
foi possível demonstrar-se diferenças significantes
(p= 0,0725) quando se comparavam tumores maiores
ou menores que cinco centímetros, talvez devido ao
tamanho da amostra.
Os valores séricos do CEA podem sofrer influência de múltiplas variáveis e dentre as
analisadas, foi possível encontrar-se correlação positiva
e significante, entre o padrão de
expressão imunoistoquímica tecidual do CEA, seus níveis
séricos e o estádio da doença segundo a classificação de Dukes.
Os resultados iniciais do presente estudo,
apesar do pequeno número de doentes avaliados, sugerem
que os diferentes padrões de distribuição tecidual
encontram-se relacionados aos níveis sangüíneos pré-operatórios
do CEA, ao estadiamento anátomo-patológico
e, indiretamente, ao prognóstico da doença. A
determinação das características de distribuição tecidual do CEA
pode dessa maneira, incrementar a importância da
dosagem sérica do antígeno como fator prognóstico nos
doentes portadores de carcinoma colorretal. Estudos com
maior número de enfermos e com maior tempo de
seguimento pós-operatório devem ser empreendidos, com o
intuito de verificar se o padrão de distribuição tissular do
CEA pode ser considerado como variável independente
no prognóstico dos doentes portadores de câncer colorretal.
CONCLUSÃO
Considerando a metodologia empregada, os resultados do presente estudo permitem concluir
que tumores com padrão citoplasmático de
distribuição tecidual do CEA apresentam valores séricos
do antígeno significativamente mais elevados que
os tumores com padrão de distribuição apical, e que
existe correlação positiva, e estatisticamente
significante, entre os diferentes padrões de distribuição celular
do CEA, seus níveis séricos e estadiamento da
doença segundo a classificação de Dukes.
SUMMARY: The correlation between different cell expression patterns of CEA and the quantities of this antigen in serum is still a controversial subject. Objective _ The objective of the present study was to verify whether there is a correlation between the distribution pattern of CEA in the neoplastic tissue and CEA levels in serum. Method _ Twenty-four patients with colorectal cancer were studied. Their mean age was 62.6 years. The measurement of CEA in serum was done by quimioluminiscence technique. To study the tissue expression pattern, the immunohistochemical method with the streptavidin-biotin peroxidase technique was utilized with the use of anti-CEA monoclonal antibodies. The tissue expression pattern was classified as apical, cytoplasmic or stromal, according to the predominant localization of the CEA distribution in the neoplastic tissue. The intensity of the immunoexpression of CEA in the neoplastic tissue was classified as slight, moderate or strong. The Mann-Whitney test was used to compare the CEA levels in serum with the tissue distribution pattern and histological tumor grade. The Kruskal-Wallis test was used to variance analysis and Spearman test was used to analyze the correlation among the studied variables. The significance level of 5% (p<0.05) was adopted. Results - Two patients (8.3%) were classified in Dukes stage A, 12 (50.0%) in B and 10 (41.6%) in C. The mean CEA values in serum in patients with tumors restricted to the intestinal wall (Dukes A + B) were significantly lower than did the tumors with lymph node involvement (p=0.0139). In the 14 patients (58.3%) who presented an apical tissue expression pattern, the mean CEA value in serum was 4.0 ng/ml, while in the 10 patients (41.6%) with expression of cytoplasmic type, the mean CEA value in serum was 31.0 ng/ml (p=0.0002). Independent of the histological grade, the tumors with tissue expression of apical type presented CEA values in serum that were significantly lower than did the tumors with the cytoplasmic pattern (p<0.05). No patients were found to have the stromal pattern of CEA distribution. There was a statistically significant correlation between the tissue expression pattern, CEA values in serum and the Dukes classification. Conclusion _ The results from the present study allow concluding that tumors with the cytoplasmic pattern of CEA distribution presented serum values of the antigen significantly higher than apical pattern. There is a positive and statistically significant correlation between the different cell distribution patterns of CEA, its levels in serum and the staging of the disease.
Key words: Colorectal neoplasm, Carcinoembryonic antigen, Immunohistochemistry, Neoplasm staging.
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Endereço para correspondência:
Carlos Augusto Real Martinez
Rua Rui Barbosa, 255 apto. 32 - Vila Gilda
09.190-370 - Santo André (SP)
E-mail: caomartinez@uol.com.br
Recebido em 13/01/2006
Aceito para publicação em 16/02/2006
Trabalho realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade São Francisco, Bragança Paulista, São Paulo.