RELATO DE CASO
NEOPLASIA NO SÍTIO DA COLOSTOMIA: RELATO DE TRÊS CASOS E REVISÃO DA LITERATURA
Valdemir José Alegre Salles1, Pedro Roberto de Paula1, Deomir Germano Bassi1, Manlio Basílio Speranzini1
1Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO: Carcinomas raramente ocorrem no sitio da colostomia. O risco para o desenvolvimento de neoplasia maligna é semelhante a qualquer outro segmento colônico, porém se a ressecção inicial foi devida a câncer, há um significativo aumento na incidência de tumor metacrônico quando comparado à população em geral. A incidência do carcinoma metacrônico colônico é geralmente de 3 a 5%. A recorrência do tumor primário, quando associada à ostomia, pode se manifestar com sangramento ou obstrução. Relatamos três doentes com tumor no sitio da colostomia, sua manifestação clínica e a conduta terapêutica adotada.
Descritores: câncer colorretal, colostomia, tumor metacrônico, complicações das colostomias.
Introdução
A confecção de uma colostomia, com a
finalidade de desvio temporário ou definitivo do
trânsito intestinal colônico, não é um procedimento isento
de complicações, mesmo realizada com técnica
cirúrgica adequada.
As complicações locais podem ocorrer
tanto no pós-operatório imediato, precoce ou
tardio, apresentando incidência variável de 15 a 30%,
sendo as mais freqüentes: a necrose da colostomia,
dermatite, abscesso, hemorragia, retração, estenose, hérnia
para-ostômica, prolapso, fistula colo-cutânea,
perfuração para a cavidade peritoneal e mais raramente
o surgimento de neoplasia 1,2,3.
O aparecimento de neoplasia benigna ou maligna na colostomia parece estar relacionado
a diversos fatores, entre os quais a metaplasia
colônica secundária a uma doença inflamatória crônica
4. A presença de lesão neoplásica metacrônica, a
colectomia com margem de ressecção inadequada
5, a polipose colônica
2 e o implante ou recidiva da doença
tumoral 6,7 , também são fatores que levam ao aparecimento
de neoplasia na colostomia.
Diante da importância do fato e da sua
baixa freqüência, relatamos 3 casos de doentes
que desenvolveram lesão neoplásica na
colostomia, descrevendo a sua manifestação clínica e as
opções terapêuticas adotadas.
RELATO DOS CASOS
Caso 1: ECS, 27 anos, sexo feminino, negra, submetida a colectomia esquerda com
colostomia terminal há dois anos, devido a neoplasia
obstrutiva de cólon sigmóide. O exame
anátomo-patológico concluiu tratar-se de adenocarcinoma tubular
moderadamente diferenciado, estenosante, com invasão
do tecido adiposo peri-cólico, associada à presença
de extensa invasão perineural, porém não se
detectando invasão vascular, com margens cirúrgicas livres
e ausência de metástases em doze linfonodos
mesocólicos analisados. A doente foi estadiada como
Dukes B e Astler-Coller B2, sendo encaminhada ao
serviço de oncologia clínica para a realização de
tratamento de radioterapia e quimioterapia adjuvante.
Admitida, há dois meses, no nosso serviço
com queixa de dor e sangramento na região
peri-colostômica e dificuldade para a eliminação de fezes após
o surgimento, de uma tumoração na colostomia
que impedia a saída do efluente (Figura-1 e 2).
Foi submetida a exames para o estadiamento da
doença, tendo sido constatado que a doente encontrava-se
com carcinomatose peritoneal.
Frente a este achado, optou-se pela
realização do tratamento cirúrgico local associado ao
suporte clínico oncológico. Realizou-se a ressecção local
da tumoração na colostomia, cujas dimensões eram de
4,7 x 3,5 x 3,0 centímetros, com o diagnóstico
anatomo-patológico de adenocarcinoma
moderadamente diferenciado metastático. A doente faleceu por
evolução da doença dois meses após o procedimento.
Figura 1 |
Figura 2 |
Caso 2: GVP, 53 anos, sexo masculino, branco, aposentado. Há três meses foi submetido
a sigmoidectomia com anastomose primária
colorretal, seguida de colostomia em alça de proteção, devido
a diverticulite aguda de sigmóide. No
acompanhamento ambulatorial notou o surgimento de tumoração
na colostomia, associado a episódios freqüentes
de sangramento, durante o último mês. Na inspeção
local havia uma lesão polipóide de aproximadamente
três centímetros. Foi investigada a presença de outras
lesões por meio da realização de uma colonoscopia,
cujo resultado foi considerado normal, não
evidenciando outras lesões polipóides. Foi indicada a ressecção
local da lesão, cujo exame anatomo-patológico
concluiu tratar-se de um pólipo inflamatório, hiperplásico.
Posteriormente o doente retornou ao ambulatório para a programação do fechamento da
colostomia, que se realizou após um mês da polipectomia.
Caso 3: TAF, 63 anos, sexo masculino, submetido à Cirurgia de Miles por adenocarcinoma
de reto em 1993, associada à quimioterapia e
radioterapia adjuvante, não retornando para acompanhamento
por dez anos. Em 2003, apresentou-se com massa na
parede abdominal em região para-colostômica, hérnia
para-colostômica e uma lesão úlcero-vegetante
intra-luminal localizada a seis centímetros da margem cutânea,
sendo biopsiada por colonoscopia. O exame anatomo-patológico concluiu tratar-se de
adenocarcinoma moderadamente diferenciado. A
tomografia computadorizada abdominal mostrou uma
massa heterogênea, medindo 7,6 x 5,8 centímetros,
comprometendo a parede abdominal para-colostômica, sem
o comprometimento de órgãos intra-cavitários (Figura-3).
Submetido à ressecção ampla da
neoplasia, incluindo a colostomia e a parede abdominal
adjacente, cólon descendente e 2/3 distais do cólon
transverso; com uma nova colostomia terminal no
quadrante superior direito. O doente apresentou boa
evolução, tendo realizado quimioterapia adjuvante e
está atualmente assintomático.
Figura 3 |
DISCUSSÃO
No cólon os carcinomas múltiplos
podem ocorrer de maneira sincrônica ou
metacrônica8, com uma incidência respectivamente, de 2 a 3% e de 3
a 5% 9. Considera-se como tumor metacrônico
aquele que reincide no mesmo órgão ou em
segmentos remanescentes que foram parcialmente ressecados,
uma vez tendo encerrado o tempo considerado de cura
do tumor inicial, que é de cinco anos. Entretanto,
este período de tempo não é aceito completamente,
podendo variar de dois a quatro anos o intervalo necessário
para o aparecimento do segundo tumor, denominado metacrônico
10.
Sabe-se que o tempo mínimo necessário
para que ocorra a transformação de um pólipo
adenomatoso em adenocarcinoma é de dois anos, portanto
toda neoplasia desenvolvida neste período não deveria
ser denominada como metacrônica, devendo ser
definida como sincrônica ao primeiro tumor
11.
A presença de carcinoma no sítio da
colostomia não é freqüente; entretanto, o seu surgimento
pode ocorrer ao longo do tempo e cursa com altos
índices de morbi-mortalidade 5,8.
Considerando que a colostomia é um
segmento exteriorizado do cólon, com os mesmos
fatores predisponentes e desencadeantes para o
desenvolvimento de tumor colônico primário, admite-se que
o risco neoplásico é semelhante à de qualquer
outra porção do cólon, sendo significadamente
elevado quando associado à lesão metacrônica
12. Este fato ocorreu no caso 3, em que houve o aparecimento
de nova lesão neoplásica junto à colostomia dez anos
após a intervenção cirúrgica primária.
No caso 1, devido ao curto período de
tempo existente entre a ressecção cirúrgica e o
desenvolvimento da neoplasia no sitio da
colostomia, devemos considerá-la como uma lesão sincrônica.
A recorrência de uma lesão pode ocorrer
pelo desenvolvimento de um novo tumor
(metacrônico), como conseqüência de uma ressecção incompleta,
pelo implante cirúrgico de células malignas na linha
de anastomose ou em superfícies cruentas
6, pela associação de lesão sincrônica
5, e secundária ao trauma local imposto à mucosa colônica
4,8. Pode haver um período de latência de 20 a 25 anos após a
realização da colectomia para o surgimento da neoplasia no
sitio da colostomia 13 e fatores distintos, como
observado nos três casos, em que as causas da
recorrência apresentavam etiologias diferentes.
O processo infamatório crônico encontrado
na mucosa intestinal de doentes portadores de
doença inflamatória, especialmente na retocolite
ulcerativa inespecifica, é considerado a base estrutural para
a degeneração maligna encontrada nos doentes
portadores de ostomias 4. Estes doentes são mais propensos
às complicações colostômicas, assim como os
portadores de polipose adenomatosa familiar, que apresentam
na evolução adenoma-adenocarcinoma a possibilidade
do desenvolvimento do carcinoma na ostomia
14.
Atualmente o emprego difundido da colonoscopia, no estudo de doenças colorretais ou no
acompanhamento pós-operatório de ressecções
oncológicas, diagnosticando e removendo lesões pré-malignas,
fez com que houvesse uma redução significativa
na incidência do câncer colorretal metacrônico.
Clinicamente pode-se identificar a presença
de tumoração local, sangramento intestinal e/ou
obstrução intestinal no curso da recorrência tumoral no sitio
da colostomia 4, fato presente individualmente nos
três casos descritos e que nos chamou a atenção para
o correto diagnóstico clinico-cirúrgico.
Apresentamos três casos distintos de neoplasia
da colostomia, com tratamentos particularizados em decorrência das características clínicas de cada
doente e do exame anatomo-patológico. No primeiro caso,
pelo fato da doente encontrar-se numa fase avançada
da doença neoplásica (carcinomatose
peritoneal), optamos pela ressecção local, objetivando apenas
a melhora da função da colostomia, fato ocorrido
no período pós-operatório de forma satisfatória.
No segundo caso a realização de polipectomia foi
adotada em virtude da característica benigna da lesão, que
foi confirmada pelo exame anatomo-patológico,
e também porque o doente encontrava-se no
pré-operatório de fechamento da colostomia, que
ocorreu num breve período de tempo.
A conduta recomendada pela literatura, que é
a da ressecção local ampla, incluindo a parede
abdominal, com relocação da colostomia
2,4,5,9,15, foi adotada no terceiro caso, com ampla ressecção dos
folhetos músculo-aponeuróticos da parede
abdominal, necessitando da colocação de prótese de
polipropileno para a sua reconstrução, pois a lesão estava restrita
ao sitio da colostomia.
A neoplasia de colostomia é um evento
raro, cursando com pouca manifestação clínica,
porém evidente e apresenta no seu diagnóstico precoce
a melhor forma de controle da doença, cuja
intervenção atenta do estomaterapeuta e do cirurgião,
podem determinar uma baixa morbidade ao doente ostomizado, com melhor índice de sobrevida.
SUMMARY: Carcinomas rarely occur at the site of a colostomy. Colostomies are risk for malignancy, just as in any other portion of the colon. If the initial resection was for cancer, then the risk of metachronous colon adenocarcinoma is significantly higher than for the general population. Metachronous colorectal carcinoma occurs from 0.1 to 3.6 percent of patients who undergo surgery for colorectal carcinoma and the recurrence of the primary bowel malignancy that necessitated the stoma may present with signs of bleeding or obstruction. We report three cases of this rare neoplasia occurring at the site of a colostomy, and we review the literature.
Key words: Metachronous colorectal carcinoma, colostomy, stoma complications.
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Endereço para correspondência:
Valdemir José Alegre Salles
Rua José Bonani, 199 - Bairro Independência
12.031-260 - Taubaté (SP)
E-mail: valiris@horizon.com.br
Recebido em 28/07/2005
Aceito para publicação em 26/08/2005
Trabalho realizado na Disciplina de Clínica Cirúrgica do Departamento de Medicina da Universidade de Taubaté, São Paulo.