ARTIGO CLÁSSICO
PRURIDO ANAL - ASPECTOS PSICANALÍTICOS
Danilo Perestrelo1 (+)
1Setor de medicina psicossomática da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, do Serviço de Gastroenterologia do Prof. Clementino Fraga Filho
Palestra do Prof. Danilo Perestrelo, psicanalista que teve destacada atuação no Rio de Janeiro, pronunciada por ocasião do 23º Congresso Brasileiro de Proctologia em 1973, sob presidência do Dr. Décio G. Pereira.
O Prof. Perestrelo foi chefe do setor de medicina psicossomática da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, do Serviço de Gastroenterologia do Prof. Clementino Fraga Filho.
Em geral, os pruridos em medicina reconhecem uma origem de prurido anal ou vulvar que
se deslocou para qualquer outra zona em que se
manifesta. Há quem afirme que clinicamente sempre se
encontra a fase original, se houver uma pesquisa bem orientada.
Quando ele permanece localizado no ânus
é porque a intensidade do conflito emocional do
paciente que resulta neste prurido, é muito acentuada.
O prurido é em regra um equivalente masturbatório, impregnado de elementos
regressivos hostis com os indivíduos que por razões
óbvias (étnicos-morais) não se permitiriam ter tais
satisfações conscientemente.
Num plano mais profundo podemos verificar o prurido anal como uma forma de expressão
pré-verbal pertencente á época em que a criança, ainda sem
a possibilidade de falar, exprime seus desejos,
temores e demais emoções através das funções corporais.
O prurido anal pode então significar um tipo de
relação com a mãe, possuindo em seu bôjo toda uma gama
de fantasias que outra coisa não quer dizer senão a
maneira de seu relacionamento com a mãe.
Na consulta ao proctologista, não raro o paciente reproduz êste tipo de relacionamento e a
ele vai para gratificar-se e, ao mesmo tempo para
defender-se do impulso de gratificar-se diretamente.
Este tipo de relacionamento se estrutura quase sempre pela existência de uma mãe cujas
preocupações se centralizam nas funções excretórias, sobretudo
a defecação.
Esquematicamente, no exame proctológico,
o indivíduo se relacionaria com o médico, no sentido
de satisfazer sua necessidade de gratificação sexual
localizada no ânus, de uma forma direta, embora
sem consciência do fato.
O proctologista, nestes casos, terá que
ser extremamente cauteloso para não manter ou
cultivar tal relação, já que inconscientemente o que o
paciente procura é a conivência do médico como um par
social e psicologicamente lícito, acobertador de sua
homossexualidade inconsciente.
Os casos de proctologistas do sexo feminino não invalidam tal afirmação: recordemos que, na
evolução psico-sexual da criança, existe uma fase na
qual as fantasias inconscientes se polarizam para
uma mulher provida de pênis: mãe fálica.
O perigo pois é o da iatrogenia. Devemos focalizar não apenas o doente, mas também, e
principalmente, o médico, desconhecedor total de
suas próprias fantasias inconscientes e que poderá, sem
o perceber, manter uma ligação neurótica, gratificando
a si próprio.
Forma-se-á, assim uma relação
mórbida médico-paciente, iatrogênica, que receberá todo
o beneplácito da medicina.
Mesmo no caso em que fatores de ordem material evidente são os tidos como
desencadeadores e mantenedores do prurido anal
(hemorróidas prolabadas, fissuras, fístulas, etc) os fatos se
passam da maneira assinalada, já que, obviamente, sem
a condição biológica melhor expressando,
bio-psicológa subjacente, a reação individual não poderia
se manifestar.
Tudo isso se torna mais compreensível,
se recordarmos que nos primeiros contatos do ser
humano com o mundo (contactos que condicionarão
sua maneira de reagir futura), durante uma longa fase
ele se relaciona através de suas mucosas.
Quanto ao tratamento, ao lado da
remoção daqueles fatores evidentes de ordem material,
deverá ser norteado pelo bom manejó da relação
médico-paciente, baseada na compreenção das
problemáticas emocionais do paciente e do próprio médico.
Sempre que possível, este manejo deveria
ficar a cargo do proctologista que só deve enviar ao
psico-terapeuta quando se sentir incapaz de dissolver a
má relação médico-paciente, impossibilitadora de
bom êxito terapêutico.
Os casos refratários, via de regra, são
justamente estes.