ATUALIZAÇÃO
O EMPREGO DA COLA DE FIBRINA NO TRATAMENTO DAS FÍSTULAS ANAIS
Francisco Lopes-Paulo1
1Faculdade de Ciências Médicas da UERJ, Rio de Janeiro, Brasil
Lopes-Paulo f. O Emprego da Cola de Fibrina no Tratamento das Fístulas
Anais. Rev bras Coloproct, 2006;26(1):86-88.
RESUMO: O emprego de cola de fibrina no tratamento de fístulas anais tem sido relatado em diversos estudos, com a finalidade de obliterar o trajeto fistuloso, criando uma matriz para sua cicatrização definitiva. O método consiste na curetagem e lavagem do trajeto fistuloso, seguidas pela injeção da cola. Esse procedimento pode ser associado ao avanço de retalhos endorretais ou outros métodos para obliteração do orifício interno, o que pode aumentar sua eficácia. Os índices de cicatrização descritos variam de 30 a 50 % em média. A sua utilização não prejudica a realização de outros procedimentos, em caso de insucesso, o que pode torná-lo uma opção para o tratamento inicial das fístulas anais.
Descritores: Fístula anal, cola de fibrina, tratamento
Introdução
As fístulas anais constituem uma
das patologias orificiais mais freqüentes, podendo
variar desde casos simples, com trajetos
superficiais facilmente palpáveis, que cursam para uma cripta
anal facilmente identificável, até casos complexos,
com trajetos profundos, atravessando porções
consideráveis do aparelho esfincteriano, cuja secção pode levar
a graus variáveis de incontinência, durante
uma fistulotomia.
Para contornar esses problemas, no caso de fístulas complexas, diversas técnicas têm
sido utilizadas como alternativa à fistulotomia, tais como
a fistulectomia e avanço de retalho mucoso,
todos trabalhosos, possuindo também algum risco
de alteração da continência
1.
Recentemente, o uso de cola de fibrina tem
sido proposto para obliteração do trajeto
fistuloso, promovendo sua cicatrização e fechamento definitivo
2. Os primeiros trabalhos mostravam
resultados extremamente variáveis quanto à taxa de cicatrização
3.
Um estudo retrospectivo levantou 19 trabalhos realizados sobre esse tema, no período de 1966 a
2004, através das bases de dados Medline, Cochrane
e EMBASE. Desde o início do estudo, a comparação
dos dados tornou-se difícil, devido à grande variação
da metodologia e seleção dos pacientes, além da
inclusão ou não de fístulas complexas e recidivadas nos
estudos. Os índices de sucesso variaram de 0 a 100 %.
Apesar dessas discrepâncias metodológicas, pode-se
concluir que o método é de fácil execução, com
mínimas complicações e não afeta as opções de
tratamento posteriores, em caso de insucesso do método.
Pode ser, portanto, uma opção atrativa como
primeiro método de tratamento de fístulas anais
4.
O procedimento básico consiste na
curetagem do trajeto fistuloso, que é então lavado, antes da
injeção da cola. Na Cleveland Clinic da Flórida, foram
revistos retrospectivamente 37 pacientes portadores de
fístulas anais complexas tratados por esse método
5. Vinte e quatro pacientes foram submetidos à injeção de
cola de fibrina, enquanto 13 receberam essa
injeção associada a avanço de retalho endorretal. As taxas
de cicatrização foram de 33 % para os pacientes
que receberam apenas a cola de fibrina e de 54 %
para aqueles que receberam a cola associada a avanço
de retalho endorretal. A origem das fístulas
era criptoglandular em 42 % dos casos, associada à
Doença de Crohn em 19% e trauma em 38 % dos pacientes.
Os pacientes com fistulas de origem
criptoglandular tiveram taxa de cicatrização maior, embora
esse resultado não seja estatisticamente
significativo. Concluem que apesar do sucesso moderado com
o tratamento, o método envolve um risco mínimo e
deve ser considerado no tratamento de fístulas
anais complexas.
Recentemente, foi realizado um estudo prospectivo multicêntrico, envolvendo
sessenta pacientes portadores de fístulas anais complexas
de origem criptogênica 6. Os pacientes recebiam
preparo intestinal com fosfato sódico, na véspera
do procedimento, assim como antibioticoterapia profilática, com cefonicid (1 g) e metronidazol
(500 mg), administrados antes da indução da anestesia.
O trajeto fistuloso era lavado com soro fisiológico e
em seguida era feita a injeção de cola de fibrina. Essa
cola apresentava concentração de 1000 U de trombina
por ml, sendo acrescentado um antibiótico
(ceftazidima, 25 mg / ml de trombina). Os pacientes foram
revistos após duas semanas, um mês, dois meses e seis
meses. A cicatrização completa ocorreu em 32 pacientes
(53 %). Dentre os 28 pacientes que não
apresentaram cicatrização completa, 8 (29 %) apresentaram
melhora significativa dos sintomas.
Outra possibilidade de utilização
desse método é em pacientes portadores de
fístulas associadas à Doença de Crohn, quando a
fistulotomia tradicional apresenta riscos adicionais de
não cicatrização. Um estudo realizado na França
7, utilizou a cola de fibrina em 14 pacientes
portadores de fístulas anais associadas à Doença de
Crohn, refratárias ao uso de imunossupressores. A cola
de fibrina foi injetada no trajeto fistuloso sob
anestesia geral e acompanhamento por
ultrassonografia endorretal. Os pacientes foram acompanhados
por exame proctológico e ultrassonográfico após
três meses do procedimento e posteriormente a
intervalos regulares. Após esse período, as fistulas estavam
sem secreção em 71 % dos pacientes, houve
diminuição da secreção em 7 % e nenhuma melhora em 21
% dos casos. No exame ultrassonográfico, o
trajeto fistuloso havia desaparecido completamente em
14 % dos casos, aparecia obliterado em 57 % e
nenhuma alteração foi observada em 29 % dos pacientes.
Ao término do estudo, com média de 23,4 meses
de acompanhamento, 57 % dos pacientes apresentavam-se assintomáticos, sem secreção ou efeitos
colaterais do procedimento. Concluiu-se que o método é
de grande valia em pacientes com Doença de
Crohn, quando os tratamentos convencionais têm
altos índices de complicação, obtendo índices de
cura superiores a 50 %, sem complicações significativas.
Comentários
A injeção de cola de fibrina em fístulas anais
é um método de simples realização e praticamente
isento de efeitos colaterais. Seus índices de
cicatrização variam de 30 a 50 % na maioria dos trabalhos.
Apesar desses índices relativamente baixos, o
procedimento pode ser uma opção interessante em casos de
fístulas anais complexas ou em fístulas recidivadas, pois
não interferem em procedimentos posteriores, no caso
de insucesso. É particularmente atrativa a sua
utilização em fistulas associadas à Doença de Crohn, em
face das dificuldades terapêuticas que esses
casos apresentam. Aguardam-se resultados de
estudos prospectivos com maior casuística e padronização
da técnica, para uma avaliação mais fidedigna
dos resultados.
SUMMARY: The use of fibrin glue in the treatment of anal fistulas has been reported. The aim of this method is to close the fistulous tract, creating a matrix able to promote definitive healing. The thecnique is simple, the fistulous tract is curetted and washed before fibrin glue injection. The procedure can be associated with endorectal advancement flap that enhances cicatrization rates. Healing rates from 30 to 50 % are described. Further treatment options are not compromised by this method.
Key words: Anal fistula, fibrin glue, treatment.
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Endereço para correspondência:
Francisco Lopes Paulo
Rua Ferreira Pontes, 430 / 404 bloco I
20541-280 - Rio de Janeiro (RJ)
Recebido em 20/01/2006
Aceito para publicação em 23/02/20006
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia da Faculdade de Ciências Médicas da UERJ