ARTIGOS ORIGINAIS
É NECESSÁRIO O ESTUDO DO CÓLON NO FECHAMENTO DE COLOSTOMIAS?
HENRIQUE FRANCISCO DE SOUZA E SOUZA1, HERNÁN AUGUSTO CENTURIÓN SOBRAL1, ENZO MARTINS TAGLIETTI1, ELISÂNGELA PLAZAS MONTEIRO1, MARÍLIA REZENDE VON SONNLEITHNER GAMA1, GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA1
1Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo-SP, Brasil
Resumo: O estudo pré-operatório do cólon para fechamento de colostomias em alça devido a trauma ainda é controverso. A pesquisa de alterações anatômicas pós-traumáticas do cólon entra em conflito com os custos, o desconforto e a morbidade dos exames. Objetivo: avaliar o fechamento de colostomia em alça, sem estudo pré operatório do cólon Método: foram analisados 51 pacientes do sexo masculino, no período de janeiro a junho de 2005, portadores de colostomia em alça confeccionada após traumatismo. Todos foram submetidos a fechamento de colostomia sem estudo do cólon, seja por colonoscopia ou enema opaco. Resultados: a média de idade foi de 26,5 anos. O tempo de permanência da colostomia foi, em média, 42,2 meses, sendo o flanco esquerdo a localização mais comum (66,7%). Houve 16 casos (31,4%) de hérnia para-colostômica e 14 casos (27,5%) de procidência de colostomia. A morbidade foi de 13,7% e mortalidade ausente. As complicações mais freqüentes foram hematoma (7,8%) e infecção (3,9%) de ferida operatória e um caso de deiscência de anastomose (1,9%). Conclusão: não é necessário o estudo do cólon pré-operatório de forma rotineira no paciente portador de colostomia em alça, após lesão traumática.
Descritores: Fechamento de colostomia, colostomia em alça, enema opaco, colonoscopia.
INTRODUÇÃO
Desde a Segunda Guerra Mundial, as colostomias temporárias vêm sendo utilizadas de
forma rotineira como tratamento para ferimentos
traumáticos colorretais1.
O fechamento de colostomia em alça
é geralmente visto pela maioria dos cirurgiões
como procedimento de fácil execução, entretanto, a
literatura relata taxas de morbidade que variam de 10 a 49%
2,3.
O estudo pré-operatório do cólon,
radiológico ou endoscópico, ainda é controverso,
porém publicações recentes vêm questionando a real
necessidade destes exames 4,5.
O objetivo deste trabalho é avaliar
fechamento de colostomia em alça pós lesão traumática sem
o estudo pré-operatório do cólon .
PACIENTES E MÉTODO
Foi realizado estudo prospectivo de 51
pacientes do sexo masculino procedentes do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo e portadores
de colostomia em alça por ferimento traumático
colorretal, sendo submetidos ao fechamento de colostomia
no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis,
no período de janeiro a junho de 2005.
Procedeu-se ao exame clínico admissional
de rotina, que consistia em avaliação da ostomia e
exame proctológico com inspeção, toque retal, anuscopia
e retoscopia. Hemograma, coagulograma e
radiografia simples do tórax foram solicitados em todos os casos
e demais exames complementares, nos casos em que
eram pertinentes. Os pacientes não realizaram estudo
pré-operatório do cólon por enema opaco ou colonoscopia.
Todos os pacientes realizaram preparo do
cólon via anterógrada e retrógrada. Foi administrado
1000 ml de solução de manitol 10% na véspera da
cirurgia. O segmento excluso foi irrigado com 1000 ml
de solução glicerinada a 12%, quer por via retal ou
via colostomia, o que nos dava noção da perviedade
intestinal.
A anestesia utilizada foi geral e todos os pacientes receberam antibioticoprofilaxia com 500
mg de metronidazol, 1g de amicacina e 1g de
ampicilina, 30 minutos antes da indução anestésica.
As variáveis estudadas foram idade, tipo
do trauma colorretal, local do estoma, tempo de
permanência e avaliação ectoscópica da ostomia,
técnica cirúrgica e evolução pós-operatória.
RESULTADOS
A média de idade foi de 26,5 anos,
variando de 17 a 42 anos. O trauma que levou a confecção
da ostomia foi ferimento por arma de fogo em 49
pacientes (96%).
A localização mais freqüente da ostomia foi
o flanco esquerdo em 34 pacientes (66,6%), seguido
pelo hipocôndrio direito (15,6%), flanco direito e
fossa ilíaca direita (7,8%) e hipocôndrio esquerdo
(1,9%). (Figura-1).
Figura 1 - Localização da ostomia na parede abdominal. |
O tempo médio de permanência da
colostomia foi de 42,2 meses, variando de 2 meses a 10
anos. Aproximadamente 50% dos pacientes tinham a
ostomia há mais de três anos. (Figura-2)
Figura 2 - Tempo de permanência da ostomia. |
As complicações tardias da confecção
da ostomia mais prevalentes foram procidência e
hérnia paracolostômica, em 12% e 16% dos casos,
respectivamente, estando associadas em 16%.
O fechamento da colostomia foi feito com anastomose em plano único extra-mucoso com
pontos contínuos ou separados de fio inabsorvível
(nylon, polipropileno ou algodão 3-0) ou em dois
planos, sendo o primeiro muco-mucoso contínuo com
fio absorvível (poligalactina 4-0) e o segundo
plano conforme descrito anteriormente. Em 8
pacientes (16%), houve a necessidade de realizar ressecção
de pequeno segmento intestinal, não mais que
5cm, devido à lesão inadvertida durante a dissecção
por intensa fibrose peri-colostômica e pontos de
fixação aponeuróticos ou por desproporção das bocas a
serem anastomosadas.
Setenta e seis por cento dos pacientes receberam dieta no primeiro dia de
pós-operatório, seguido de 16% no segundo e 8% no terceiro. A
dieta era introduzida na vigência de ruídos
hidroaéreos propulsivos, ausência de vômitos e presença de
eliminação de gases ou fezes.
Houve sete complicações
imediatas, totalizando 13,7% da amostra, sendo quatro
hematomas, duas infecções de ferida operatória e
uma deiscência de anastomose, que foi abordada
cirurgicamente. Não houve mortalidade. (Figura-3)
Figura 3 - Distribuição das complicações. |
A alta hospitalar foi concedida após
boa aceitação dietética e funcionamento
intestinal adequado. Desta forma, 84% dos pacientes
receberam alta entre o 3º e 5º pós-operatório (PO) e apenas
16% após o 5º PO.
DISCUSSÃO
A Segunda Guerra Mundial foi um marco histórico para o tratamento dos ferimentos
traumáticos colorretais, quando se popularizou a utilização
das colostomias1.
A exteriorização do cólon, apesar de
comum na urgência, acaba por gerar um novo
procedimento cirúrgico para o restabelecimento do trânsito
intestinal. Apesar de muitos cirurgiões considerarem que
as cirurgias para fechamento de colostomia são
procedimentos simples, as taxas de complicação variam
de 10 a 49%2,3.
Outro aspecto controverso é a necessidade
do estudo intestinal radiológico ou endoscópico
pré-operatório, sobretudo do segmento excluso. A
utilização destes exames tem sido recomendada para
certificar-se da integridade intestinal e avaliar a existência de
alguma doença
concomitante6-9. No entanto, enema opaco
e colonoscopia, apesar da baixa morbidade,
ocasionam aumento dos custos, desconforto para o paciente e
atraso para o fechamento da colostomia. Além disso,
tais exames estão normais na sua maioria, não alterando
a conduta terapêutica. Deste modo, vários autores
têm sugerido a não realização destes exames de
forma rotineira 2,4,6,10,11.
Maximiano e cols, em 1995, após
estudarem 89 pacientes, encontraram anormalidades no
enema opaco pré-operatório em apenas 4,5% dos casos.
Estes pacientes apresentavam ferimentos complexos ou
algum tipo de sintoma que sugeririam tais alterações
11.
Outro aspecto relevante quanto à
realização rotineira do estudo pré-operatório do cólon é o fato
de a amostra estudada ser jovem, com média de idade
de 26,5 anos, onde a possibilidade de encontrar
doença colônica associada é
baixa 5.
O tempo de permanência da ostomia foi, em média, 42,2 meses, contrapondo ao da
literatura consultada que variou de 5,7 a 9,8 meses
4,11. Justifica-se o tempo prolongado de permanência da
ostomia, por se tratar de pacientes oriundos do
sistema penitenciário.
Como os pacientes participantes não
foram submetidos a nenhum estudo pré-operatório do
cólon, a realização de preparo retrógrado com
solução glicerinada a 12% nos dava noção da
perviedade intestinal.
A taxa de morbidade deste estudo foi de 13,7%, sendo, na sua maioria, complicações de
menor gravidade, como hematoma e infecção de
ferida operatória, semelhante à de autores que
utilizaram estudo do cólon, como Pokorny e Madiba,
com morbidade de 15 e 14,5%, respectivamente
6,12.
Apesar de a idade do paciente, o motivo
para confecção da colostomia, o local e o tempo de
permanência do ostoma, bem como a utilização de
drenos serem considerados fatores relacionados com
a morbidade operatória, o único fator que reduz
o índice de complicações pós-operatórias é
a antibiótico-profilaxia5. O nosso único caso
de deiscência de anastomose foi abordado cirurgicamente, sendo realizada nova
colostomia derivativa, visto que a anastomose já se
encontrava integrada e bloqueada.
Concluímos que o estudo pré-operatório
do cólon possívelmente não é necessário, de
forma rotineira, no paciente portador de colostomia em
alça, após lesão traumática colorretal.
SUMMARY: Colorectal study for loop colostomy closure after traumatic injuries has been considered unnecessary, because of the cost, the patient's discomfort and the exams morbidity. Objective: to evaluate the real need of colorectal study preceding colostomy closure in trauma patients. Methods: fifty-one male patients were submitted to colostomy closure between January to June 2005. None of them were submitted to colorectal study before the surgery, neither barium enema nor colonoscopy. Results: the mean age was 26.5 years and the mean interval between colostomy creation and closure was 42.2 months. The left flank was the most common colostomy location (66.6%). The morbidity rate was 13.7%, with no mortality. Conclusion: routine colorectal study preceding colostomy closure is not necessary after colorectal injuries.
Key words: Colostomy closure, loop colostomy, barium enema, colonoscopy.
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Endereço para correspondência:
Galdino José Sitonio Formiga
Hospital Heliópolis - Serviço de Coloproctologia
Rua Cônego Xavier, 276 - Vila Heliópolis
04231-030 - São Paulo-SP
Tel: (11) 274-7600 (Ramal 244)
Recebido em 23/12/2005
Aceito para publicação em 13/02/2006
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo-SP, Brasil