ARTIGOS ORIGINAIS
MORBIMORTALIDADE DA RECONSTRUÇÃO DE TRANSITO INTESTINAL COLÔNICA EM HOSPITAL UNIVERSITÁRIO - ANÁLISE DE 42 CASOS
Luiz Carlos Von Bahten1, João Eduardo Leal Nicoluzzi1, Fábio Silveira1, Guilherme Matiolli Nicollelli1, Lillian Yuri Kumagai1, Vanessa Zeni de Lima1
1 Serviço de Cirurgia Geral - Hospital Universitário Cajuru
- Curitiba PR - PUCPR. Trabalho apresentado no
XXVI Congresso Brasileiro de Cirurgiões, 2005
Von Bahten LC, Nicoluzzi JEL, Silveira F, Nicollelli GM, Kumagai LY, Lima
VZ. Morbimortalidade da
Reconstrução de Transito Intestinal Colônica em Hospital Universitário
- Análise de 42
Casos. Rev bras Coloproct, 2006;26(2):123-127.
RESUMO: OBJETIVOS - Analisar as características demográficas, a mortalidade e morbidade associada ao procedimento. MÉTODOS - Estudo retrospectivo dos casos de reconstrução intestinal colônica um hospital universitário. Todos os pacientes tiveram o cólon preparado por solução de manitol. RESULTADOS - Do total de 42 pacientes, 80,9% (n=34) eram do sexo masculino com idade média de 42 anos. Causas que levaram a confecção da ostomia: 50% traumáticas, 29% abdome agudo clínico. A colostomia terminal foi o tipo de ostomia preferencialmente realizada em 65% dos casos acompanhado pela colostomia em alça com 35% dos casos. A técnica empregada para a anastomose foi predominantemente a manual, realizada em 69,05% dos casos (n=29). O tempo médio de internação hospitalar foi de 8,74 dias. O índice de morbidade global foi de 26,2% (n=11), destacando-se a reoperação em 9,52% (n=4) e a fístula em 7,14% (n=3) dos casos. Não ocorreu infecção de ferida operatória nessa série. A mortalidade foi de 2,38% (n=1). CONCLUSÕES - Os resultados obtidos em um hospital universitário são semelhantes aos relatados na literatura mundial. Cuidados pré e pós operatórios adequados se somam a experiência do cirurgião nas cirurgias de reconstrução de trânsito. A escolha da técnica cirúrgica deve ser padronizada através de trabalho randomizado, permitindo adoção de protocolo.
Descritores: colostomia, fechamento colostomias, morbidade.
INTRODUÇÃO
Desde a primeira descrição da realização
de colostomia pelo francês
Littré1, a utilização de
estomas e suas indicações foram modificadas conforme
a evolução da medicina. Sua utilização como
auxílio terapêutico das afecções colorretais é bem
definido, porém a carga de morbi-mortalidade associada
à reconstrução do trânsito intestinal é ainda motivo
de preocupações.
As particularidades técnicas das cirurgias
de reconstrução de trânsito, desde o preparo
pré-operatório, meios de reconstrução e cuidados
pós-operatórios são partes integrantes e importantes
nos currículos das residências médicas em cirurgia
geral. Relata-se na literatura taxas de morbidade
variando de 0-50% e de mortalidade de
0-4,5%2,3 associadas a esse procedimento cirúrgico, dessa forma
o conhecimento dos resultados obtidos permite o conhecimento dos fatores relacionados a esses
índices e sua análise a melhora do serviço prestado.
OBJETIVOS
Analisar as características demográficas,
a mortalidade e morbidade associada ao
procedimento em um ambiente de hospital universitário.
PACIENTES E MÈTODOS
Análise retrospectiva dos prontuários
dos pacientes submetidos à cirurgia de reconstrução
do trânsito intestinal colônico em um período de dois
anos (2002-04) em um ambiente de hospital
universitário. Todos os pacientes submetidos à reconstrução
de trânsito tiveram suas ostomias confeccionadas
no serviço, com programação de reconstrução
via ambulatorial. O protocolo foi preenchido
procurando-se avaliar os dados demográficos, a causa
indicadora da ostomia, o tempo de permanência da mesma,
tipo de ostomia realizado, fatores relacionados ao procedimento cirúrgico per si, período de internação
e fatores causadores de morbi-mortalidade.
O protocolo de preparo pré-operatório
envolve solução de manitol a 20% (500ml) + 500 ml de
líquidos sem resíduos 12 horas antes da cirurgia, seguida
de mais 1 litro de água, sendo os 2 litros ingeridos em
um período de 2 horas. Nos casos indicados
(colostomia terminal) uma lavagem com solução de glicerina
via retal era realizado concomitantemente. Todos
os paciente eram submetidos a exame contrastado
(enema opaco) antes das intervenções cirúrgicas.
Antibioticoprofilaxia utilizada consiste em gentamicina (240mg EV) e metronidazol (500mg
EV) na indução anestésica mantidas por um período de
24 horas.
RESULTADOS
Foram estudados 42 prontuários de
pacientes submetidos à reconstrução de trânsito intestinal.
Desses 42 pacientes, 34 (80,95%) eram do sexo
masculino (Tabela-1). Idade média de 42,04 anos. Dentre as
causas que levaram a confecção da colostomia
destacam-se as causas traumáticas em 45,23% dos casos,
seguida das causas clínicas em 35,72% dos casos
(Tabela-2). As causas de ostomia denominadas como
"outras" incluem fístulas complexas, síndrome de Fournier
e fístulas reto-vaginais. Os ferimentos por arma de
fogo predominam nas causas traumáticas em 23,8%
dos casos.
|
|
O tipo de colostomia mais frequentemente realizada foi a terminal em 64,3% (n=27) dos
casos, seguida da colostomia em alça nos restantes
35,7% (n=15). Não foram observadas complicações
(prolapso, hérnia para-estomal) relacionadas à ostomia no
período de pré-fechamento. O tempo médio de
permanência com a ostomia antes do fechamento foi de 6,53 meses.
O tipo de anestesia predominantemente utilizada foi a geral em 90,47% casos (Gráfico-1).
|
Gráfico 1 |
Em relação à técnica cirúrgica empregada
para a anastomose houve predomínio da sutura manual
em 69,05% dos casos, utilizando-se anastomose
mecânica (endoluminal) nos restantes 30,95%. Dentre
os pacientes submetidos à anastomose manual, a
realizada em 2 planos predominou em 68,97% dos
casos, cabendo aos restantes 31,03% dos casos a sutura
em plano único. A drenagem da cavidade não foi
realizada em 61,91% dos casos.
O índice de morbidade global em nossa
série foi de 26,18%, com predomínio das reoperações
em 9,52% e fístula anastomótica em 7,14% dos
casos (Tabela-3).
|
Não observamos infecção de ferida
operatória e deiscência de sutura abdominal em nossa série.
Houve um caso de óbito em um paciente de 76 anos que no pós-operatório apresentou fístula
da anastomose, drenado, que após a reoperação evolui
com sepse sem sucesso no tratamento.
Dos quatro pacientes reoperados, três
haviam sido drenados, sendo que apenas um assim não o
havia. Dos 3 casos de fístula, uma ocorreu em caso de
sutura em 2 planos e duas em sutura mecânica. Todas
as complicações ocorreram em pacientes submetidos
à reconstrução de trânsito após cirurgia de Hartmann.
DISCUSSÃO
A reconstrução do trânsito intestinal é
considerada uma cirurgia de execução
difícil(4,5), com vários fatores e detalhes técnicos a serem
observados(6). Seus não desprezíveis índices de
morbi-mortalidade relatados na literatura corroboram com o
consenso acerca da dificuldade de sua realização (Tabela-4).
|
Vários fatores de risco tem sido
implicados na literatura no desenvolvimento de complicações
após o fechamento de colostomia, por exemplo,
experiência do
cirurgião(5,11), doença
primária(2), localização
do estoma(12), técnica
operatória(13) e o tempo de intervalo entre a primeira operação e o seu
fechamento(3,11,14-16). Infelizmente os resultados são conflitantes entre
as séries relatadas.
Em nosso estudo, assim como em outros(17)
, encontramos uma predominância do sexo masculino
e tendo a violência como a principal indutora
da confecção de colostomias, o que reflete a
realidade social e a vocação de nosso hospital para o
atendimento de emergências.
As ostomias além de desagradáveis para
o paciente(18), trazem uma série de complicações pela
sua presença, como infecção de parede, prolapso,
oclusão intestinal e hérnias para-estomais, variando
sua incidência de 10-60%(19,20). A ausência
dessas complicações em nossa série não corrobora com
alguns dados da literatura(21) que demonstram um maior
índice de complicações nos pacientes operados por
cirurgiões gerais, visto que todos os pacientes de nossa série
foram operados em um âmbito de residência médica
em cirurgia geral.
Outros fatores considerados importantes na diminuição de complicações pós-operatórias, como
a antibioticoprofilaxia e preparo mecânico do
cólon(22) são realizados de maneira rotineira e uniforme
em nosso serviço.
O período médio de fechamento de
uma colostomia aceito pela comunidade médica varia
de 12 a 16 semanas, pelo fato que ocorreriam
maiores índices de complicações se o fechamento ocorresse
em um período inferior a 3
meses(3,23). Esses dados são questionados por alguns centros, que preconizam
uma reconstrução mais precoce sem um
aumento significativo nas taxas de complicações
(10,11,22,25). Os trabalhos ainda não demonstram claramente
uma diferença significativa nos dois tipos de
abordagem, levando ainda em consideração a diferença
de reconstrução de uma colostomia terminal ou em
alça em relação ás
complicações(26,27). Nosso serviço
adota a prática de aguardar 90 dias para o fechamento
de uma ostomia, nossos números de 6,53 meses para
o fechamento reflete a sobrecarga do sistema de saúde
o que atrasa a reoperação desses pacientes,
talvez refletindo em um aumento da morbidade.
Quando consideramos a técnica empregada para a reconstrução do trânsito observamos que
nosso serviço ainda não possui um consenso na
realização das anastomoses manuais em um ou dois
planos. Observamos que os casos de fístula
envolveram anastomoses mecânicas e uma realizada em
dois planos, porém sem atingir nível de
significância estatística. As anastomoses em 2 planos são
consideradas pela literatura mais propensas a
desenvolverem estenoses(28,29) e as suturas mecânicas são
consideradas seguras e propensas a complicações em
taxas semelhantes às suturas
manuais(30).
As complicações mais comuns da cirurgia
são as infecciosas e a
fístulas(4-6,31,32), nosso índice
de complicações de 26,18% está de acordo com
o verificado na literatura.
A utilização de drenagem, questão de
eternas controvérsias entre especialidades e cirurgiões, não
foi capaz de prevenir reoperações em nossa série,
visto que 3 dos 4 pacientes reoperados foram
drenados. Todos os pacientes que fistulizaram estavam
drenados e todos necessitaram reoperação.
CONCLUSÕES
A reconstrução de trânsito intestinal
continua sendo uma cirurgia com índices elevados de
morbidade. Porém, com adequada orientação, preparo
pré-operatório e respeito aos princípios cirúrgicos adequados
e consistentes resultados podem ser obtidos em um ambiente de hospital universitário de cirurgia
geral. Isso leva a crer que outros fatores além da
experiência do cirurgião e sua especialidade influenciam
nesses índices.
Nossos resultados ainda nos obrigam a manter a tendência já crescente no serviço de se evitar
a drenagem da cavidade abdominal e realizar as
anastomoses manuais em plano único.
SUMMARY: OBJECTIVES _ To study demographyc caractheristics, morbidity and mortality associated to the procedure. METHODS _ Retrospective study of colostomy closure in 42 patients. Male sex was predominant (80,9%) with median age of 42 years. Causes of colostomy were traumatic in 50% and clinic acute abdomen in 29% of the cases. Terminal colostomy was the more frequent procedure (65%) followed by loop colostomy in 35% of the cases. The predominant anastomotic technique was manual (69,05%). The morbidity rate was 26,2%, including reoperation (9,52%) and colonic fistulae in 7,14% cases. No postoperative wound infection was observed. Overall mortality rate was 2,38%. CONCLUSION _ The results observed in a university hospital are as good as reported in world literature. Adequate pre and postoperative care works together with surgeon experience on colostomy closure surgeries. The surgical technique must be adopted using a randomized study, allowing establishment of a protocol.
Key words: colostomy, colostomy closure, morbidity.
Referências Biliográficas
1. Kretschmer, P. Estomas Intestinais. 1a.ed.,Rio de Janeiro
, Interamericana, 1980.
2. Pittman DM, Smith LE. Complications of colostomy
closure. Dis Colon Rectum 1985; 28: 836-43.
3. Knox AJ, Birkett FDH, Collins CD. Closure of
colostomy. Br J Surg 1971;58:669-72.
4. Thal ER, Yeary EC. Morbidity of colostomy closure
following colon trauma. J Trauma 1980; 20: 287-91.
5. Demetriades D, Pezikis A, Melissas J et al. Factors
influencing the morbidity of colostomy closure. Am J Surg 1988;
155: 594 -6.
6. Curi A, Moreira Júnior H, Mascarenhas JCS, Moreira
JPT, Almeida AC, Azevedo IF, Louza LR, Moreira H. Morbimortalidade associada à reconstrução de trânsito
intestinal _ Análise de 67 casos. Rev Bras Coloproct
2002; 22(2):88-97.
7. Bocic GA, Jensen CB, Abedrapo MM, Garrido RC,
Pérez GO, Cúeneo AZ. Colostomías e Ileostomías: 8 Años
de experiencia clínica. Rev Hosp Clin Univ Chile
1999; 10(3):195-200.
8. Bannura GC, Perales CG, Contreras JP, Valencia CE,
Melo CL. Reconstituición del tránsito intestinal luego de
la operación de Hartmann: análisis de 100 pacientes. Rev
Chil Cir 1999; 51(4):359-66.
9. Habr-Gama A, Teixeira MG, Vieira MJF, Miléu LF,
Laurino Neto R, Pinotti HW. Operação de Hartmann e
suas conseqüências. Rev Bras Colo-proctologia 1997; 17(1):5-10.
10. Carreiro PRL, Lázaro da Silva A, Abrantes WL.
Fechamento precoce das colostomias em pacientes com trauma do
reto: Um estudo prospectivo e casualizado. Rev. Coleg. Bras.
Cir 2000;27 (5):298-304.
11. Aston, C.M., Everett, W.G.: Comparison of early and late
closure of transverse loop colostomies. Ann. R. Coll. Surg.
Engl. 66:331, 1984
12. Anderson, E., Carey, L.C., Cooperman, M.: Colostomy
closurea simple procedure? Dis. Colon Rectum 22:466, 1979
13. Kohler, A., Athanasiadis, S., Nafe, M.Postoperative
results of colostomy and ileostomy closure: a retrospective
analysis of three different closure techniques in 182 patients.
Chirurg 65:529, 1994.
14. Salley, R.K., Bucher, R.M., Rodning, C.B.: Colostomy
closure: morbidity reduction employing a semi-standardized
protocol. Dis. ColonRectum 26:319, 1983.
15. Parks, S.E., Hastings, P.R.: Complications of
colostomy closure.Am. J. Surg. 149:672, 1985
16. Freund, H.R., Raniel, J., Muggia Sulam, M.: Factors
affecting the morbidity of colostomy closure: a retrospective
study. Dis. Colon Rectum 25:712, 1982.
17. Burch JM, Feliciano DV, Mattox KL. Colostomy and
drainage for civilian rectal injuries: is that all? Ann Surg
1989;209; 600-11.
18. Velmahos GC, Degiannis E, Wells M et al. Early closure
of colostomies in trauma patients - a prospective
randomized trial. Surg 1995; 118: 815-20.
19. Abcarian H, Pearl RK. Estomas. (1a ed.),Clínicas da
América do Norte. Rio de Janeiro, Interlivros, 1988; pp. 1365-1376.
20. Pearl RK, Prasad ML, Orsay CP. et al: Early local
complications from intestinal stomas. Arch Surg 1985; 120:1145-1147.
21. Park JJ , Del Pino A, Orsay CP, Nelson RL, Pearl RK,
Cintron JR, Abcarian H. Stomas complications: The Cook county
hospital experience. Dis Colon Rectum. 1999;42:1575-1580.
22. Riesener KP, Lehnen W, Hofer M, Kasperk R, Braun
JC, Schumpelick V. Morbidity of ileostomy and colostomy
closure: impact of surgical technique and perioperativa
treatment. World J Surg 21, 103-108, 1997.
23. Yakimets WW: Complications of closure of loop
colostomy. Can J Surg 1975; 18:366-70.
24. Lewis A, Weeden D. Early closure of transverse
loop colostomies.Annals R Coll Surg Engl 1982; 64: 57-8.
25. Geoghegan JG, Rosemberg IL. Experience with early
anastomosis after the Hartmann procedure. Ann R Coll Surg
Engl 1991; 73: 80-2.
26. Parks SE, Hastings PR. Complications of
colostomy closure.Am J Surg 1985; 149: 672-5.
27. Varnell J, Pemberton LB. Risk factors in
colostomy closure.Surg 1981; 89: 683-6.
28. Dunn DH, Decanini CO, Delaney JP: Colonic
anastomosis: inverted and everted, sutured and stapled. Surg Forum
1980; 31:159-161.
29. Ravitch MM, Brolin R, Kolter J, et al: Studies in the
healing of intestinal anastomosis. World J Surg 1981; 5:627-637.
30. Barnett JE, Pheils M: Closure of colostomy. Aust. N Z J
Surg 1976;46: 131-3.
31. Goligher JC, Morres C, McAdam WAF, et al: A
controlled trial of inverting versus everting intestinal suture in
clinical large bowel surgery. Br J Surg. 1970; 57:817-822.
32. Adan YG, Volk H, State D: Low colorectal anastomosis
after resection for cancer. Surg Gynecol obstet 1967;125;1259-1264
Endereço para correspondência:
Luiz Carlos Von Bahten
Rua Martin Afonso 2642, ap 1902
80530-030 Curitiba (PR)
vonbahten@yahoo.com.br
Recebido em 21/03/2006
Aceito para publicação em 31/05/2006
Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Geral - Hospital Universitário Cajuru _ Curitiba PR _ PUCPR. Trabalho apresentado no XXVI Congresso Brasileiro de Cirurgiões, 2005