ARTIGOS ORIGINAIS
APENDICECTOMIA EM PACIENTES COM IDADE SUPERIOR A 40 ANOS - ANÁLISE DOS RESULTADOS DE 217 CASOS
Antonio Sérgio Brenner1; Juliana Santin2; Frederico Virmond Neto2; Tania Boursheid2; Rubens Valarini2; Ricardo Rydygier1
1 Hospital Evangélico da Faculdade Evangélica de Medicina do Paraná; 2 Hospital Universitário Evangélico de Curitiba
BRENNER AS; SANTIN J; VIRMOND NETO F; BOURSHEID T; VALARINI R; RYDYGIER
R. Apendicectomia em Pacientes com Idade Superior a 40 Anos - Análise dos Resultados de 217 Casos.
Rev bras Coloproct, 2006;26(2):128-132.
RESUMO: Introdução: A baixa freqüência de apendicite aguda em pacientes acima de 40 anos indica que uma melhor análise desse grupo torna-se necessária. Método: Realizamos um estudo de Coorte em 1343 pacientes submetidos a apendicectomia entre 2001 a 2005. Duzentos e dezessete pacientes apresentavam idade superior a 40 anos. Os pacientes foram divididos em 2 grupos: pacientes com idade superior (n=217) e inferior (n=1126). O Banco de Dados do Serviço em Cirurgia do Hospital Universitário Evangélico foi utilizado para fornecer os achados operatórios, os exames histopatológicos e o resultado clínico imediato. Resultados: No grupo com idade acima de 40 anos, os achados cirúrgicos demonstraram o apêndice em fase edematosa em 42,85% e em 26,72% foi identificada supuração. A incisão mediana foi realizada em 39,17% e o tempo de internação médio foi de 4,65 dias. No grupo com idade abaixo de 40 anos, os achados cirúrgicos demonstraram o apêndice em fase edematosa em 24,5% e supuração em 32,6%. A incisão mediana foi utilizada em 11,90% dos pacientes e o tempo de internação médio foi de 3,35 dias. Conclusão: Nos pacientes acima de 40 anos, observamos casos mais complexos, provavelmente pelo baixo índice de suspeição.
Descritores: apendicite, apendicectomia, cirurgia, idoso
INTRODUÇÃO
A apendicite aguda é uma das patologias cirúrgicas mais freqüentes. O diagnóstico ainda
é notadamente baseado no exame clínico, mas
estudos de imagem, como a ultrassonografia, a
tomografia computadorizada e exames laboratoriais,
como contagem de leucócitos, proteína C reativa e
percentagem de neutrófilos são de grande
auxílio diagnóstico. A abordagem cirúrgica ganhou a
opção da cirurgia laparoscópica, mas o diagnóstico
preciso permanece um desafio. Os sintomas são subjetivos e
o exame clínico muito variável.1
A apendicite é usualmente uma patologia
de jovens. Entretanto, o aumento da sobrevida
populacional com desvio da pirâmide etária para
uma população cada vez mais idosa, tornou a ocorrência
de apendicite aguda em pacientes acima de 40 ou 60
anos mais freqüente.2
É importante lembrar que a apendicite
aguda apresenta índices elevados de morbidade
quando passada despercebida pelo médico menos
cauteloso.3 Como agravante, o erro diagnóstico proporciona
maior risco nos pacientes portadores de doenças
associadas4.
Percebemos uma escassez de
publicações recentes. Decidimos, portanto, investigar os
resultados imediatos do tratamento cirúrgico da apendicite
aguda em faixas etárias mais elevadas, nos pacientes
do Serviço de Cirurgia Geral e Coloproctologia
do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC).
MATERIAL E MÉTODO
Foram estudados 1343 pacientes, submetidos a apendicectomia com diagnóstico clínico
de apendicite aguda, entre fevereiro de 2001 a outubro
de 2005, nos Serviços de Cirurgia Geral e
Coloproctologia do Hospital Evangélico de Curitiba. Num estudo
retrospectivo de Coorte, 217 apresentavam idade superior ou igual a 40 anos e destes, 37
pacientes apresentavam idade acima de 60 anos.
Para fins comparativos, dividimos os pacientes em 2 grupos: GRUPO > 40 - pacientes acima de
40 anos de idade no momento do diagnóstico e GRUPO
< 40 - para os pacientes que no momento
diagnóstico apresentavam menos de 40 anos de idade.
Também analisamos, isoladamente, os resultados do
tratamento cirúrgico de 37 pacientes idosos (acima de 60 anos)
de idade.
O Banco de Dados em Coloproctologia do Serviço de Coloproctologia do Hospital
Universitário Evangélico de Curitiba (HUEC) foi utilizado
para fornecer os seguintes dados: sexo, idade, tempo
de internação, tempo de permanência hospitalar, tipo
de incisão abdominal, achados operatórios (com ou
sem supuração), opção cirúrgica e o resultado
cirúrgico imediato. Foram excluídos do estudo os pacientes
que foram a óbito durante o seguimento.
Todos os pacientes foram operados pelos médicos do Serviço de Cirurgia Geral
e Coloproctologia do HUEC. O diagnóstico foi
realizado por avaliação clínica, exames laboratoriais e de
imagem pelo cirurgião responsável.
A apendicite foi considerada como edematosa quando o achado operatório foi de edema,
hiperemia ou presença de liquido seroso periapendicular,
mas ausência de coleção purulenta; ou como
supurada, quando o achado foi de coleção purulenta
peri-apendicular, caracterizando apendicite perfurada.
Os achados foram determinados pelo cirurgião
no momento da laparotomia e confirmados por estudo anatomopatológico.
Não incluímos os casos de
apendicectomia laparoscópica na série.
RESULTADOS
No momento do diagnóstico, 217 pacientes apresentavam idade superior a 40 anos (GRUPO >
40) e 1126, idade inferior (GRUPO < 40). Trinta e
sete pacientes apresentavam idade superior a 60 anos.
O tempo médio de internação variou de 1 a 94 dias
com média de 2.2 dias. A idade variou de 10 a 84 anos.
No GRUPO > 40, 98 pacientes pertenciam ao sexo feminino e 119, ao masculino. O tempo médio
de internação foi de 4.65 dias (1-94). Oitenta e
três pacientes (38,24%) necessitaram de 4 ou mais dias
de internamento. Oitenta e cinco incisões foram
medianas (39,17%) e 116 (53,45%) tipo McBurney. O
achado cirúrgico foi de apendicite edematosa em 93
(42,85%) e supurada em 58 (26,72%). Não foram
obtidas informações sobre a fase de inflamação do
apêndice em 66 (30,41%) pacientes do GRUPO > 40.
(Tabelas 1, 2 e 3)
Tabela 1 - Achados Anatomopatológicos. |
Tabela 2 - Tipos de incisões por grupo. |
Tabela 3 - Sexo e Idade |
No GRUPO < 40, 554 pacientes eram do sexo masculino e 572 do feminino. O tempo médio
de internação foi de 3,35 (1-94) dias. Cento e cinqüenta
e um (13,41%) pacientes necessitaram de 4 ou mais
dias de internação. A incisão utilizada foi do tipo
mediana em 134 (11,9%) e McBurney em 874 (77,61%).
O achado cirúrgico foi de apendicite edematosa em
276 (24,5%) e supurada em 368 (32,6%). Não foram
obtidas informações sobre a fase de inflamação do
apêndice em 482 (42,80%) pacientes do GRUPO < 40.
(Tabelas-1, 2 e 3)
Quando comparamos os 1126 pacientes submetidos a apendicectomia, observamos que
a freqüência de supuração é menor nos pacientes
mais idosos. Por outro lado, a indicação da incisão
mediana é maior, bem como o tempo de internação hospitalar.
Trinta e sete pacientes apresentavam mais de 60 anos de idade (variando de 60 a 84 anos - média
de 66.1 anos). Em 14 pacientes a incisão foi do
tipo McBurney e em 18, do tipo mediana. Não
obtivemos informação sobre o tipo de incisão realizada em
5 pacientes. Foi observada supuração em 17 pacientes
e somente edema apendicular em 7 casos. Nos 18
casos em que a opção cirúrgica foi de laparotomia
mediana, observou-se apendicite em fase edematosa
(sem abscesso) em apenas 2 pacientes.
DISCUSSÃO
Apesar da evolução crescente e notável
de equipamentos, técnicas cirúrgicas e
exames diagnósticos nos últimos 30 anos, na prática
poucas mudanças foram observadas no procedimento
cirúrgico adotado5. A evolução dos exames complementares
nos induziria ao raciocínio simplista de que o
diagnóstico mais precoce, associado à técnica menos
invasiva, resultaria em menores índices de complicações
e mortalidade pós-operatória. "Quanto mais as
coisas mudam, mais permanecem as mesmas". Com
essa frase, HALE et al. em 19973 já alertavam a
evolução, apenas lenta, do resultado cirúrgico final - fato
também observado na cirurgia abdominal em geral.
O diagnóstico diferencial é
especialmente importante para os pacientes adultos acima de 40
anos e os mais idosos. As doenças ginecológicas no
sexo feminino, a freqüente ocorrência de patologias
do sistema urinário, a doença inflamatória intestinal,
a síndrome do intestino irritável e até o câncer do
cólon confundem o médico atendente no diagnóstico
da apendicite aguda, o qual deve lembrar-se desta patologia como uma das possibilidades diagnósticas.
Comparando os resultados atuais com
épocas mais longínquas (décadas de 40 e 50), observamos
uma marcante melhora em termos de mortalidade. Entretanto, dos anos 60 em diante os
resultados parecem não evoluir.
As taxas de laparotomia branca (negativa) tenderiam a diminuir com a evolução dos
métodos diagnósticos, mas um fato marcante é a constatação
de que postergar a cirurgia não aumenta a mortalidade
na apendicite aguda. A cirurgia precoce foi
preconizada por muitos e uma taxa de até 20% para
apendicectomia branca era então aceita como "recomendável".
Operar precocemente evitaria o risco de perfuração,
formação de abscesso e conseqüente peritonite, reduzindo-se
a morbidade. Por outro lado, segundo HALE et
al3 aguardar até que uma apresentação clínica seja
mais convincente, não aumenta a mortalidade. Talvez
seja esta a grande mudança na abordagem
médica. Permanecemos inseguros no diagnóstico,
mas tranqüilos na forma de tratamento e suporte
pós-operatório.
O uso da Tomografia Abdominal Computadorizada (TAC) no diagnóstico do abdome
agudo (associado ou não à ecografia abdominal) é
de utilização crescente na
prática6. Em relação
ao ultrassom, além de coleções intra-abdominais, a
TAC possibilita melhor visualização da parede do
órgão, diferenciando de possíveis doenças associadas,
com provavelmente melhor especificidade e
sensibilidade7.
Uma nova proposta foi o estabelecimento de um sistema de escores que incorporam o
ultrassom, exames clínicos e laboratoriais para auxilio
no diagnóstico da apendicite aguda. Quatro variáveis
entre 15 analisadas foram correlacionadas à
apendicite aguda: Ultrassom que demonstre apendicite
aguda; sensibilidade abdominal; contagem de leucócitos
e sensibilidade abdominal à
descompressão8. Yang e
colaboradores9 chamaram a atenção sobre a
importância da dosagem sérica de proteina C reativa como
de auxilio no diagnóstico da apendicite.
Do ponto de vista técnico, a cirurgia
vídeo-endoscópica foi, provavelmente, a grande
evolução. Seu benefício mais evidente é observado em
pacientes do sexo feminino, pois possibilita o
diagnóstico diferencial com as doenças ginecológicas e
na apendicite complicada. A laparoscopia
está relacionada a um menor tempo de internação,
menos dor pós-operatória e até redução de
custos10. Por questões operacionais, nossa experiência
em apendicectomia laparoscópica não é
grande. Realizamos poucos e selecionados casos que
não foram incluídos nessa série.
O uso mais freqüente de incisão mediana
no grupo > 40 anos demonstra uma maior
dúvida diagnóstica, provavelmente em pacientes com
tempo de evolução no mínimo semelhante, já que a
ocorrência de supuração foi maior nos pacientes mais jovens.
A incidência de apendicite aguda foi a mesma entre
os sexos, mas o tempo de internação foi maior. Os
nossos resultados complementam dados da literatura,
alertando a ocorrência de apendicite aguda também em
pacientes idosos.
CONCLUSÃO
A apendicite aguda em pacientes acima de 40 anos e especialmente acima dos 60 anos de
idade demanda uma atenção especial. Os pacientes são
em geral tratados em fase mais tardia, forçando o uso
mais freqüente da laparotomia mediana. O aumento
da morbidade, o maior tempo de internação e a
elevação nos custos poderiam ser minimizados.
Precisamos lembrar da hipótese de apendicite nos casos de
abdômen agudo, principalmente nos pacientes mais idosos.
SUMMARY: Introduction: The low frequency of acute appendicitis in patients over 40 years old suggests that a better analysis is necessary. Method: We have made a Cohort in 1343 patients submitted to appendectomy from 2001 to 2005. Patients were divided in two groups: over (n = 217) and under (n = 1126) 40 years old. The Evangelico Hospital Colorectal Data Base was accessed to give surgical, histopathologic and clinical outcome. Results: In the over 40 group, surgical findings demonstrated edematous appendicitis in 42.85% and suppuration in 26.72%. Median incision was used in 39.17% and the average hospital stay was 4.65 days. In the under 40 group, surgical findings demonstrated edematous appendicitis in 24.5% and suppuration in 32.6%. Median incision was used in 11.90% and average admission time was 3.35 days. Conclusion: Patients over 40 presented more complexes cases, probably because of the low suspicion index.
Key words: appendicitis; appendectomy; aged; surgery
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Endereço para correspondência:
Antonio Sérgio Brenner
Rua da Paz, 156
80.060-160 - Curitiba (PR)
Fax: 41 32629865
E-mail: asbrenner@ufpr.br
Recebido em 15/05/2006
Aceito para publicação em 09/06/2006
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba - HUEC