ARTIGOS ORIGINAIS
TRATAMENTO AMBULATORIAL DA PROCTORRAGIA - IMPORTÂNCIA DA FOTOCOAGULAÇÃO COM RAIO INFRAVERMELHO
José Ribamar Baldez1
1Clínica de Proctologia do Maranhão
RESUMO: Um grande número de pacientes são encaminhados ao Coloproctologista em virtude da ocorrência de sangramento retal. O sangramento retal vermelho vivo usualmente traduz a presença de uma patologia localizada até a flexura esplênica, sendo então necessária para a sua avaliação a realização de uma retossigmoidoscopia flexível. Durante esta propedêutica, na grande maioria dos pacientes, são encontradas Hemorróidas Internas, estabelecendo-se então o seguinte dilema: se realmente não existe outra causa mais séria da hemorragia e se temos a obrigação de tratar todas as Hemorróidas Internas encontradas como causa isolada do sintoma. Temos seguido a conduta de tratar todos os pacientes que apresentam episódios de sangramento retal devido a Hemorróidas. Eles têm a base de seus plexos hemorroidários internos coagulados com Raio Infravermelho. Dos 250 pacientes atendidos na Clínica de Proctologia do Maranhão em virtude da ocorrência de sangramento retal, 200 foram submetidos à fotocoagulação com Infravermelho, somente em uma sessão de tratamento. Concluímos que a fotocoagulação é um método simples e eficaz de tratamento, pode ser aplicado ao final de qualquer avaliação para sangramento retal rutilante devido a Hemorróidas Internas e que tal conduta possibilita que a maioria dos pacientes possam ser tratados em sua única consulta.
Descritores: Hemorragia retal, Hemorróidas, Fotocoagulação
INTRODUÇÃO
Muitos pacientes encaminhados para
consulta coloproctológica por apresentarem hemorragia retal
com sangue vermelho vivo, habitualmente sofrem de Hemorróidas. Sem dúvida, posto que padecer
de Hemorróidas é quase universal, o achado de
plexos hemorroidários congestionados não significa que
estes sejam a causa da hemorragia. Por conseguinte,
é necessário explorar minuciosamente o intestino
grosso distal, pelo menos até o cólon sigmóide.
Resulta obviamente econômico e para os pacientes cômodo,
que a avaliação e o tratamento sejam realizados em
uma única consulta, seja em consultório ou em
hospital. Depois de excluir, através da
retossigmoidoscopia flexível, outras causas de hemorragia, como podem
ser pólipos, carcinoma, enfermidade intestinal
inflamatória, divertículos e angiodisplasias, certificando-se
o examinador que o sangramento retal é
devido exclusivamente à doença hemorroidária, é
conveniente tratá-la neste mesmo momento inicial, sempre que
se disponha de um método terapêutico seguro e
indolor. Numerosos estudos1,2 têm comprovado que o método
da Fotocoagulação com Infravermelho é indolor, seguro
e eficaz para todas as Hemorróidas não prolapsadas e
para algumas com pequenos prolapsos.
A Fotocoagulação Infravermelha foi
descrita por Nath e col. (1977) para a coagulação de
vasos sangrantes, evitando a aderência dos tecidos
ao cautério, algo normalmente obtido com a
diatermia. Este método foi adaptado ao tratamento eletivo
da Doença Hemorroidária por Neiger ( 1979).
O tratamento fundamenta-se no emprego de pulsos de 1,5 segundos de irradiação infravermelha
para aumentar a temperatura tecidual até 100ºC e
produzir uma área de coagulação proteica de 3mm de
diâmetro por 3mm de profundidade. O tecido queimado
reage da mesma forma que o tecido criodestuído ou que
o tecido estrangulado por um anel de ligadura. A
resposta tecidual ocorre no plano existente entre o
tecido necrótico e o preservado.
Após 10 a 14 dias, o tecido necrótico
separa-se deixando uma úlcera recoberta por tecido
de granulação. O índice de reepitelização varia de
acordo com o tamanho da úlcera, mas em geral, se
completa ao cabo de 4 semanas.
METODOLOGIA
Pacientes
O presente trabalho corresponde à
observação e análise de resultados da aplicação de
Fotocoagulação Infravermelha, já na primeira consulta, em
250 pacientes consultados na Clínica de Proctologia
do Maranhão, por apresentarem proctorragia supostamente devida a Hemorróidas, no
período compreendido entre março/2001 a outubro/2004.
A idade variou entre 20 a 58 anos, sendo a média de
39 anos. Quanto ao sexo, houve predominância
do masculino (120) sobre o feminino (80),
correspondendo a 60 e 40% respectivamente.
Foram excluídos 50 pacientes (20%)
por apresentarem crises de hemorragia retal vermelho
vivo, devido ao achado à retossigmoidoscopia flexível,
com abrangência até a flexura esplênica, das
seguintes patologias.
Tumores retais e sigmoidianos 10 (20%)
Divertículos sigmoidianos 20 (40%)
Pólipos 10 (20%)
Enfermidade Intestinal Inflamatória 8 (16%)
Angiodisplasias 2 (4%)
EQUIPAMENTO E TÉCNICA DA APLICAÇÃO
A fonte da radiação infravermelha é
uma lâmpada halogena de 15V tipo Woolfram cujos
raios são refletidos por um refletor folheado a ouro
e dirigidos a uma haste de cristal de quartzo.
Através de um condutor luminico, esta radiação é levada
até a ponte da haste, a qual é recoberta por uma
capa polímera, que evita a aderência da sonda aos
tecidos. O aparelho possui um temporizador que
permite regular o tempo de emissão da radiação. Diferente
do que ocorre com a crioterapia hemorroidária, há
muito pouca irradiação energética, pois o tempo de
emissão dos raios é muito curto, não sendo,
portanto, necessária a utilização de um anuscópio
termo resistente.
Todos os pacientes, com exceção dos
que apresentam repleção de fezes no reto, podem
ser imediatamente tratados já na primeira consulta.
A técnica é realizada com o paciente em decúbito
lateral esquerdo (posição de Sims), sendo que a duração
do tratamento não costuma passar de 2 minutos.
Com a base do mamilo projetada para o interior da extremidade do anuscópio, a ponta
da sonda é aplicada exercendo-se uma suave
pressão sobre a mucosa da base da hemorróida interna,
assim como também lateralmente, perfazendo um total de
3 pontos de fotocoagulação para cada plexo
hemorroidário. O pulso da irradiação é
automaticamente controlado. Se não houver um contato total entre
a ponta da sonda e a mucosa, o muco ou material
fecal que eventualmente se interpuser entre a sonda e
a mucosa, aderirá àquela e o aumento da
temperatura no material acolado abrirá um orifício sob
a extremidade do polímero. É muito importante que
a ponta esteja em contato completo com a mucosa.
Ao se retirar a ponta da sonda da mucosa, pode-se imediatamente ver uma pequena área de
coagulação. Todo o procedimento na base de cada mamilo
leva menos de 30 segundos para ser realizado.
Todos os pacientes são orientados a
aumentarem a ingesta de fibras nos dias subseqüentes,
assim como também notificarem qualquer ocorrência de
dor mais intensa não controlada através de
analgésicos comuns. Os pacientes são também avisados
da possibilidade de ocorrerem pequenos
sangramentos retais na primeira semana após a realização do
tratamento, devido à queda da escara nos
pontos fotocoagulados.
Recomenda-se uma visita de revisão após
8 semanas do tratamento, sendo os pacientes sempre alertados para notificar qualquer ocorrência
de sangramento após este período.
Resultados
Estudos de longa duração a respeito
deste método ainda não estão disponíveis. Leicster e
Col. (1981) 8 relatam ter seguido 25 pacientes por 3
meses, sendo que 21 deles ou estavam assintomáticos
ou referiram ter melhorado de seus sintomas. Apenas
um paciente relatou dor de grande intensidade e
seis descreveram sangramento após o tratamento.
Nenhum outro efeito colateral foi relatado e todas as
ulcerações estavam completamente cicatrizadas após 6 semanas.
Ambrose e Col. (1983) 10 trataram
pacientes por meio da fotocoagulação como parte de um
estudo que a comparava com a ligadura elástica. Os
pacientes eram portadores de Hemorróidas de primeiro
grau (70%) e de segundo grau (30%). A
fotocoagulação associou-se a um número menor de efeitos
colaterais do que a ligadura elástica, embora os resultados
clínicos tenham sido semelhantes para os dois procedimentos.
Templeton e Col. (1983) 10 realizaram um
estudo muito semelhante em Belfast com destinação
randômica dos pacientes ou para o grupo de ligadura elástica
ou para o da fotocoagulação. 66 pacientes foram
tratados pela fotocoagulação infravermelha e
observaram resultados satisfatórios em 85% deles. Houve
menor complicação com a fotocoagulação, sendo concluído
que é um método simples, rápido e eficiente.
No presente trabalho, dos 200 pacientes tratados, 158 (79%) precisaram de uma única
sessão de tratamento. 42 pacientes (21%) regressaram após
8 semanas, sendo que 25 (59%) por apresentarem hemorragia continuada, foram submetidos a
uma segunda sessão de fotocoagulação. 17 pacientes
(41%) necessitaram mais de duas sessões de tratamento.
Do total de 42 pacientes que necessitaram de mais de
uma sessão de fotocoagulação, 12 (28%) tiveram que
ser submetidos a Hemorroidectomia, em virtude da
falha do tratamento. Comparando-se com o número total
dos pacientes tratados por este método, ou seja,
200 pacientes, tivemos uma percentagem de insucesso
em torno de 6%. Em todos os pacientes, nos quais o tratamento não surtiu os resultados desejados,
não existiam causas associadas da proctorragia.
Nenhum dos nossos pacientes necessitou ser hospitalizado ou transfundido por causa de
hemorragia secundária ao procedimento, assim como também
não foi observado nenhum tipo de complicação
urinária ou infecciosa. Não tivemos nenhum caso de estenose.
DISCUSSÃO
Os aspectos mais importantes a serem considerados no presente trabalho são a
baixa morbimortalidade causada por este procedimento e
a quase completa ausência de dor. Se não são
aplicadas mais que 3 coagulações em cada plexo
hemorroidário, parece que o procedimento está completamente
livre de complicações. O método de seguimento não
é perfeito, podendo ocorrer a possibilidade de
algum paciente, não satisfeito, procurar outro especialista.
Posto que a proctorragia é um
sintoma intermitente e a razão principal para realizar
uma consulta, e o temor de que a hemorragia possa ter
um significado grave, é possível que, uma vez
dissipado este temor, os pacientes negligenciem seu
tratamento. Também é possível que o próprio procedimento
de investigação, incluindo a ligeira dilatação que se
produz pela passagem do retossigmoidoscópio ou
anuscópio, possa controlar a hemorragia.
A principal conclusão que se pode extrair
deste estudo é que uma vez realizadas as
explorações pertinentes aos pacientes que apresentam
uma hemorragia retal de sangue vermelho vivo, se não
se detecta outra causa desta, um procedimento
terapêutico rápido e desprovido de inconvenientes, consiste
em fotocoagular os plexos hemorroidários principais.
Este tratamento é capaz de aliviar a sintomatologia
da maioria dos pacientes.
COMPLICAÇÕES
Durante as três primeiras semanas após
o tratamento, muitos pacientes podem apresentar proctorragias ocasionais, não tendo sido
registrado nenhum caso de hemorragia vultuosa que
necessitasse hospitalização. Dos pacientes
especificamente interrogados, a maioria manifesta ausência ou dor
de intensidade mínima controlada com administração
de analgésicos comuns. A dor é avaliada utilizando-se
a escala de descritores numéricos e verbais, assim
como a escala analógica visual.
A proctoscopia realizada durante a
recuperação mostra uma área de necrose circular de
diferentes intensidades, porém apesar disto, a cicatrização
é satisfatória, sem estenose ou sequelas a longo prazo.
CONCLUSÃO
Vários estudos comparativos6, 10,
11 têm comprovado que a fotocoagulação com
infravermelho ocasiona menos dor que a ligadura elástica
ou crioterapia para hemorróidas internas e que, no
controle da hemorragia é tanto ou mais eficaz que
a escleroterapia por injeção retal submucosa. A
maioria dos autores7 recomenda 3 aplicações de
fotocoagulação ao redor de cada plexo hemorroidário, perfazendo
um total de 9 pontos de coagulação, considerando
a existência anatômica de 3 plexos hemorroidários,
todos tratados em uma única sessão.
Um desconforto transitório durante a
aplicação da sonda é comum, porém não é freqüente ocorrer
dor prolongada. A fotocoagulação provavelmente é o
método menos doloroso dentre os métodos conservadores
do tratamento das hemorróidas. Não é necessária a
aplicação de anestesia regional, nem costuma haver
necessidade de prescrição de analgésicos orais no período
pós procedimento. Se o paciente queixa-se de
desconforto contínuo é porque o local escolhido para a
aplicação dos raios estava situado muito próximo da linha pectínea.
Como o tecido é apenas
superficialmente lesado, a incidência e gravidade de
sangramento secundário são extremamente raras, pois a duração
da emissão da radiação limita a destruição tecidual a
3mm de profundidade, de forma que estruturas mais profundas não podem ser lesadas.
Comparando-se com outras formas de tratamento conservador para hemorróidas
internas sangrantes, como a escleroterapia por injeção, o
anel elástico e a crioterapia, podemos concluir que
a Fotocoagulação Infravermelha é o método mais
seguro, rápido e eficaz. O aparelho não é necessariamente
caro e resulta essencial para o tratamento das
proctorragias devidas à Doença Hemorroidária Interna.
SUMMARY: A great number of patients are frequently referred for specialist advice because they have experienced rectal
bleeding. The bright rectal bleeding usually does not come from anywhere more proximal than the splenic flexure. Complete
evaluation should include a flexible sigmoidoscopy. During evaluation many patients are found to have Internal Haemorrhoids that could
well be the source of bleeding. There is always a dilemma: whether or not to reassure the patients that the bleeding is caused by
nothing more serious than simple haemorrhoids or whether to consider that the reference of the diagnosis included an obligation to treat.
I have pursued a policy of treating all patients referred for assessment of the cause of bleeding when the only source of
bleeding seems to be piles. They have the base of their internal haemorrhoids coagulated with the photocoagulator. Of 250 patients
attended at the Clinic of Proctology of Maranhão because of rectal bleeding, 200 were treated with minimal morbidity and needed just
one treatment stage. It is proposed that photocoagulation is such a simple trouble-free form of treatment that it can safely be applied
at the end of any evaluation for bright red rectal bleeding and that such policy enables the majority of those referred patients to
be managed in a single visit.
Key words: Anal bleeding, Haemorrhoids, Photo Coagulation
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12. Weinstein SJ, Rypins EB, Houck J, Thrower S (1987)
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Gynecol Obstet 165: 479-482
Endereço para correspondência:
José Ribamar Baldez
Clínica de Proctologia do Maranhão
Avenida Colares Moreira, 555 - 5º andar
Edifício Renascença Medical Center - Renascença II
65.075-441 - São Luís (MA)
Tel: (98) 3268-2929 / 3217-4458
e-mail: cpm@elo.com.br
Recebido em 30/03/2006
Aceito para publicação em 25/04/2006
Trabalho realizado na Clínica de Proctologia do Maranhão