ARTIGOS ORIGINAIS
NEOPLASIA COLORRETAL ATÉ 40 ANOS - EXPERIÊNCIA EM CINCO ANOS
ELISÂNGELA PLAZAS MONTEIRO1, JULIANA BARRETO SALEM1, ENZO MARTINS TAGLIETTI1, IDBLAN CARVALHO ALBUQUERQUE1, GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA1
1Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo, SP, Brasil
RESUMO: Neoplasia colorretal é incomum em menores de 40 anos, ocorrendo numa freqüência de 2,1 a 14,6%. Neste estudo retrospectivo demonstramos a experiência com pacientes portadores de neoplasia colorretal, submetidos a tratamento cirúrgico ao longo de cinco anos. Dos 453 pacientes operados por neoplasia colorretal no período, 48 (10,6%) tinham 40 anos ou menos. A faixa etária média foi de 32,5 anos, predominando no sexo masculino (60,4%). O tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico foi de sete meses. História familiar foi positiva em oito (16,7%), negativa em 28 (58,3%) e desconhecida em 12 (25%). Sangramento foi o sintoma mais comum e o reto a principal localização (62,5%). Cirurgia com intenção curativa foi realizada em 30 casos (62,5%). A maioria encontrava-se em estádio III e IV (66,7%). O seguimento ambulatorial médio foi de 26,7 meses, ocorrendo 12 óbitos neste período.
Descritores: câncer colorretal, idade, pacientes menores de 40 anos, câncer, estadio
INTRODUÇÃO
A incidência de neoplasia colorretal
vêm aumentando nos últimos anos,
ocorrendo predominantemente na população idosa,
sendo incomum em menores de 40 anos1-3. De todos
os cânceres colorretais, 2,1 a 14,6% ocorrem nesta
faixa etária4,5 .
Jovens com câncer colorretal são
considerados como tendo pior evolução, porém controvérsias
ainda existem quanto às características destes tumores
e prognóstico nesta
população6. Atraso no
diagnóstico, estadiamento da doença e agressividade do
tumor foram explicações sugeridas para a
evolução
desfavorável6.
Em virtude disto, o nosso objetivo foi demonstrar a experiência do serviço neste grupo
de pacientes ao longo de cinco anos.
PACIENTES E MÉTODO
O estudo retrospectivo descritivo foi
realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital
Heliópolis, São Paulo - SP, entre janeiro de 2000 a janeiro de
2005, em pacientes com idade menor ou igual a 40
anos, portadores de neoplasia colorretal e submetidos
a tratamento cirúrgico.
Os dados foram coletados através de
revisão rigorosa de prontuários. As variáveis analisadas
foram idade, sexo, tempo entre início dos sintomas
e diagnóstico, história familiar,
sintomatologia, localização do tumor, tipo histológico, grau
de diferenciação, percentual de mucina, conduta
cirúrgica, estadiamento e seguimento ambulatorial.
Todos os pacientes foram submetidos
a cirurgia por membros da mesma equipe e o estadiamento realizado de acordo com o sistema
TNM do AJCC (American Joint Committee of Cancers).
O seguimento foi realizado em ambulatório
específico de câncer colorretal.
RESULTADOS
Dos 453 doentes operados com diagnóstico
de câncer colorretal no período, 48 (10,6%) tinham
idade menor ou igual a 40 anos. A idade variou de 18 a
40 anos com média de 32,5 anos (Tabela - 1), sendo
29 (60,4%) do sexo masculino e 19 (39,6%) do sexo feminino.
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Tabela 1 - Distribuição da incidência de câncer |
O tempo entre o início dos sintomas e
admissão hospitalar foi em média de 7 meses. História
familiar foi positiva em 8 (16,7%), negativa em 28 (58,3%)
e 12 (25%) desconheciam antecedentes. Polipose adenomatosa familiar (PAF) esteve presente em
3 (6,2%) casos.
A grande maioria apresentava
multiplicidade de sintomas, sendo os mais comuns
sangramento (67,3%) e alteração do hábito intestinal (59,6%).
O reto foi a principal localização, 30
(62,5%) casos, sendo 14 no reto inferior, 11 no médio e 5
no superior. Das 18 (37,5%) lesões localizadas em
cólon, 7 ocorreram no sigmóide, 6 no cólon direito, 4
no descendente e 1 no transverso (Figura -1).
Tumores sincrônicos estiveram presentes em apenas um
caso, com associação de neoplasia de cólon direito
e sigmóide.
Figura 1 - Localização dos tumores nos cólons e reto |
Quanto à diferenciação celular, 29
(60,4%) foram moderadamente diferenciados e os
indiferenciados perfizeram um total de 12,5% (Tabela -2).
A presença elevada de mucina foi encontrada em
14 (29,1%) casos de adenocarcinoma.
Foram realizadas nesta série 84
intervenções cirúrgicas, com média de 1,75 cirurgias por paciente.
Cirurgia com intenção curativa foi feita em 30
(62,5%) casos. Ressecção com anastomose primária ocorreu
em 23 (48%) e ostomia terminal em 17 (35,4%) casos.
A cirurgia mais comum foi retossigmoidectomia
anterior seguida pela amputação abdômino-perineal do
reto (Tabela - 3). Três doentes foram submetidos a
terapia neoadjuvante, 18 a terapia adjuvante e 5
receberam quimioterapia paliativa.
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Tabela 3 - Intervenções cirúrgicas |
Quanto ao estadiamento pós operatório,
oito (16,7%) pacientes encontravam-se em estádio I,
7 (14,6%) em estádio II, 19 (39,6%) em estádio III e
13 (27,1%) em estádio IV, sendo uma peça
cirúrgica negativa após neoadjuvância (Tabela - 4 ).
|
A média de seguimento ambulatorial foi
de 26,7 meses, com perda de oito casos por causa desconhecida. Não ocorreram óbitos no per
operatório e 12 (25%) pacientes faleceram neste período
(Tabela - 5).
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Tabela 5 - Óbitos durante o seguimento |
DISCUSSÃO
O câncer colorretal é
classicamente considerado como doença de indivíduos idosos,
com pico de incidência na sexta década de
vida7-9. Mais de 90% de todos casos de câncer de cólon e reto
ocorrem em pacientes maiores de 50 anos
3,10. A incidência desta afecção na população jovem (menores de 40 anos)
varia de 2,1 - 14,6%3-5, sendo encontrados em
nossa casuística 10,6%. Em menores de 30 anos a
incidência encontrada na literatura é ainda menor (em torno
de 1%)11, nesta série ocorreu em 20 (4,41%) casos. A prevalência é ligeiramente maior em homens, com
taxas médias de 1,2-3 homens / 1
mulher10. Observamos prevalência de 1,47 homens / 1 mulher. O
tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico
varia de 2,3 a 10 meses3,6,10,12 ; no grupo estudado foi de
7 meses, não significando atraso no diagnóstico.
A história familiar, bem como a
associação sindrômica do HNPCC (câncer colorretal
hereditário não polipóide) e FAP (polipose adenomatosa
familiar), é pouco observada, talvez devido às dificuldades de
rastreamento3 . Lee PY et al6
observaram 39% de fatores de risco associados, como doença
inflamatória intestinal, pólipos e FAP, não encontrando casos
de HNPCC. Os autores afirmaram ainda que traços
de FAP estiveram associados a uma incidência de
58% de câncer colorretal antes dos 28 anos. Liang JT et
al13 não encontraram maior incidência de história
familiar quando compararam jovens e idosos. mucinoso,
ao passo que Lupinacci RM et al5 encontraram
proporção de 28,8%, o que é semelhante ao encontrado
neste estudo (29,2 % dos adenocarcinomas). Comparada
à população geral, 10-20% dos adenocarcinomas
são mucinosos27. Os sintomas predominantes, nas
séries analisadas, foram dor abdominal, sangramento
e alteração do hábito intestinal
3-6,9,14,15. A multiplicidade de sintomas foi relacionada a pior
prognóstico5,16. Prognóstico melhor tem sido observado em
tumores com localização em cólon
direito17, e, quanto mais distal a localização tumoral, pior o
prognóstico17. Observa-se maior predominância de envolvimento
do reto 5,6,14 , assim como encontrado por nós.
Tumores sincrônicos ocorreram em 2% de nossos pacientes,
taxa inferior à encontrada na literatura
consultada6,18,19.Numerosos estudos têm relatado que
ao diagnóstico pacientes jovens encontram-se em
estádio avançado, associado a um
comportamento bioloicamente agressivo e distribuição tumoral
diferente, tem conferido pior prognóstico
5,11,20-22. Em nossa série, 66,7% encontravam-se em estádio avançado (III e
IV) no momento do diagnóstico, semelhante ao
encontrado na literatura. Em suas séries, Lee PY et
al6 e Parramore JB et al3 encontraram incidência de doença
avançada em 71% e 78% respectivamente. A incidência
em doentes idosos, encontrada por outros autores,
foi inferior ao grupo jovem, variando de 53 a
57%23. Segundo alguns autores, o estadiamento no
momento do diagnóstico foi o melhor indicador prognóstico
24,25. A maior proporção de doença avançada neste grupo
vêm sendo atribuída a atraso no diagnóstico ou demora
na procura ao médico 19,26. Adenocarcinoma mucinoso,
em qualquer grau de diferenciação, é considerado
como fator localmente agressivo e de pior
prognóstico9,15. Kam MH et
al2 descreveram incidência de 18%
de adenocarcinoma mucinoso, ao passo que Lupinacci
RM et al5 encontraram proporção de 28,8%, o que
é semelhante ao encontrado neste estudo (29,2 %
dos adenocarcinomas). Comparada à população geral,
10-20% dos adenocarcinomas são
mucinosos27.Cirurgia com intenção curativa foi realizada em 62,5%
dos casos, com ausência de óbitos per
operatórios,. indicando que tais pacientes toleram bem
complicações cirúrgicas, dado compatível com a
literatura consultada15. Durante seguimento médio de 26,7
meses, 36 a 50% dos pacientes evoluíram com
recidiva neoplásica13. No mesmo período ocorreram 12
(25%) óbitos, seja por doença inicialmente avançada ou
por recidiva tumoral.
CONCLUSÕES
Apesar de idade jovem sugerir ausência
de neoplasia maligna, em nossa casuística, não
foi observado retardo no diagnóstico em relação ao
início dos sintomas, quando comparado ao tempo
de diagnóstico em população mais idosa, encontrado
na literatura. Isto sugere este fator como não
sendo responsável pela maior agressividade dos tumores
nesta faixa etária.
Ainda assim, a maioria dos pacientes encontrava-se em estádio mais avançado (III e IV),
não sendo encontrada nenhuma variável relacionada a
este achado.
Um elevado índice de suspeita, com
análise cuidadosa da história familiar, aliada aos avanços
da genética, podem influenciar positivamente
no rastreamento e diagnóstico mais precoce
destes pacientes.
SUMMARY: Colorectal cancer is an unusual disease in patients under 40 years of age, occurring with a frequency of 2.1 to 14.6%. In this retrospective study, we reviewed all patients with colorectal cancer under 40 years of age, submitted to surgery over a 5 year period. From all the 453 patients operated on with this disease at that period 48 (10.6%) were 40 years old or less. The average age was 32.5 years and the majority of patients were male (60.4%). The average time between the appearance of the symptoms and the diagnosis was 7 months. Family history was positive in eight (16.7%), negative in 28 (58.3%) and unknown in 12 (25%) patients. Rectal bleeding was the most important symptom and the rectum was the main location of the disease (62.5%). Thirty patients (62.5%) were submitted to curative surgery. The majority of patients (66.7%) presented the disease in advanced stages (III and IV). The average follow -up was 26.7 months with 12 deaths occurring in this period.
Key words: colorectal cancer, age, patients under 40 years, cancer, stage
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Endereço para correspondência:
GALDINO JOSÉ SITONIO FORMIGA
Hospital Heliópolis - Serviço de Coloproctologia
Rua Cônego Xavier, 276 - Vila Heliópolis
04.231-030 - São Paulo-SP
Tel: (11) 2274-7600 (Ramal 244)
E-mail: eliplazas@terra.com.br
Recebido em 23/05/2006
Aceito para publicação em 09/06/2006
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis, São Paulo, SP, Brasil