ARTIGOS ORIGINAIS
EFEITO DA DESNUTRIÇÃO NA CICATRIZAÇÃO DE ANASTOMOSES COLÔNICAS: ESTUDO EXPERIMENTAL EM RATOS*
Effects of Malnutrition on Colonic Anastomosis Healing: An Experimental Study in Rats
Manuela Molina Ferreira1; Jean Marc
Scialom1; Antônio Dorival
Campos2; Leandra L. Z.
Ramalho3; Júlio Sérgio
Marchini4; Omar
Féres5; José Joaquim Ribeiro da
Rocha5
1
RESUMO: A deiscência de anastomose é uma das mais graves complicações advindas de operações do tubo gastrintestinal. Algumas condições gerais podem prejudicar o processo de cicatrização, tais como: desnutrição e hipoalbuminemia. Este estudo experimental teve como objetivo avaliar a cicatrização de anastomoses colônicas na vigência de desnutrição protéico-calórica e hipoalbuminemia. Dividimos os animais em dois grupos, sendo um deles o controle e o outro desnutrido (ingestão diária de metade da ração do grupo controle por vinte dias). O peso corporal, a albumina sérica, a evolução clínica, a cavidade abdominal, os aspectos macro e microscópicos da anastomose, a esteatose hepática e a concentração tecidual de hidroxiprolina foram observadas em cada animal. Pudemos notar que o método utilizado para desnutrir os animais mostrou-se eficaz, uma vez que houve redução significativa do peso do grupo experimental. Observamos que o grupo desnutrido apresentou dados necroscópicos de pior prognóstico e mortalidade superior ao grupo controle. Concluímos que a desnutrição influencia negativamente na cicatrização de anastomoses colônicas e aumenta significativamente a mortalidade.
Descritores: desnutrição, anastomose colônica, cicatrização.
Introdução
A cirurgia do aparelho digestivo com anastomose é realizada no tratamento de diversas
patologias. Dentre outras complicações, a deiscência
de anastomose tem lugar de destaque no que se refere
ao aumento da mortalidade de pacientes
1,2,3. Nas anastomoses colônicas, particularmente, a
ocorrência de deiscência tem maior gravidade pela presença
de fezes na cavidade peritoneal, levando a peritonites
críticas4,5.
Existem vários estudos a respeito de
condições que possam interferir na freqüência da deiscência
de anastomoses colônicas, como fatores inerentes à
técnica cirúrgica, condições locais, uso de
agentes farmacológicos e condições gerais do
paciente6.
HALSTED, em 1887, afirmou que a submucosa é a camada intestinal mais importante a
ser incluída na sutura. Este princípio continua aceito
como verdadeiro por ser a submucosa a camada que
possui o maior teor de colágeno, proteína que confere
sustentação à parede intestinal e que é fundamental no
processo cicatricial7.
Certas condições gerais podem prejudicar
o processo de cicatrização, tais como hipertensão
arterial, hipovolemia, isquemia intestinal, baixa tensão
de oxigênio, neoplasia maligna avançada,
desidratação, uremia, desnutrição
8,9,10,11,12,13,14. Existem relatos de que a hipoalbuminemia e a desnutrição podem levar
a uma diminuição na efetividade do processo
cicatricial, o que leva a um aumento das deiscências de
parede abdominal e das anastomoses colônicas
16. No entanto, os trabalhos até agora realizados no sentido
de pesquisar esse fato, foram feitos através da medida
da pressão necessária para romper a cicatriz
anastomótica 17,18,19,20,21.
Há situações em que é necessária a
realização de cirurgia com anastomose de cólon em
pacientes portadores de desnutrição e hipoalbuminemia.
Isto acontece, por exemplo, em cirurgias de urgência
quando não existe a possibilidade de correção de
déficit nutricional. Este fato motivou-nos a realização do
presente trabalho, para testar a influência da
desnutrição e hipoalbuminemia na cicatrização de
anastomoses colônicas.
OBJETIVO
O objetivo deste estudo experimental é
avaliar a cicatrização de anastomoses colônicas em ratos,
na vigência de desnutrição protéico-calórica
e hipoalbuminemia.
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizamos 46 ratos Wistar inicialmente
hígidos, provindos do Biotério Central da Faculdade de
Medicina de Ribeirão Preto-USP. Neste estudo, os
animais foram separados em dois grupos
experimentais, que foram avaliados ao término do estudo em
função da anastomose colônica. Todos os animais foram
submetidos, após a anestesia, à ressecção de um
segmento padronizado do intestino grosso, com
confecção imediata da anastomose para
restabelecimento do trânsito intestinal, de acordo com as
normas institucionais para os cuidados com animais de
experimentação.
· Grupo I (Grupo controle): avaliação
da anastomose colônica em 15 ratos previamente
hígidos, sem desnutrição.
· Grupo II (Desnutrição
protéico-calórica): avaliação da anastomose colônica em 33 ratos
previamente hígidos, com desnutrição
protéico-calórica provocada por alimentação restrita à metade da
ração normalmente ingerida pelos ratos.
Para conseguirmos a desnutrição do
grupo em estudo, administramos metade da ração
oferecida ao grupo controle durante 21
dias22. A ração utilizada foi de um mesmo lote de ração,
usualmente utilizada pelo biotério (Nuvital
Nutrientes, LTDA Colombo/PR®).
Delineamento Experimental
Grupo I (Controle):
1o dia: Pesagem e alimentação com ração
à vontade durante 7 dias. Pesagem da quantidade de
ração ingerida.
7o dia: Pesagem, realização de
laparotomia mediana e secção segmentar de cólon; confecção
de anastomose colônica término-terminal com sutura
contínua com fio mononylon 6-0 e rafia da parede
abdominal. Coleta de 2 ml de sangue para dosagem
de albumina, coleta de material hepático para biópsia.
14o dia: Realização do sacrifício do animal,
com exame necroscópico para avaliação macroscópica
da anastomose colônica e cavidade abdominal.
Ressecção de segmento com anastomose para
avaliação histopatológica e dosagem de hidroxiprolina.
Grupo II (Desnutrição):
1o dia: Pesagem e alimentação com metade
da ração ingerida pelo grupo controle, durante 21 dias.
21o dia: Pesagem, realização de
laparotomia mediana e secção segmentar de cólon;
confecção de anastomose colônica término-terminal com
sutura contínua com fio mononylon 6-0 e rafia
da parede abdominal. Coleta de 2 ml de sangue para dosagem de albumina, coleta de material
hepático para biópsia.
28o dia: Realização do sacrifício do animal,
com exame necroscópico para avaliação macroscópica
da anastomose colônica e cavidade abdominal.
Ressecção de segmento com anastomose para
avaliação histopatológica e dosagem de hidroxiprolina
semelhante à do grupo I.
Avaliação
Aspecto da cavidade abdominal e da anastomose colônica
Ao exame necroscópico do animal foram
avaliados os achados na cavidade abdominal, tais
como: sinais de peritonite, aderências, abscessos,
deiscências anastomóticas.
Avaliação histopatológica
Cólon: Após o sacrifício do animal, a peça
de necropsia retirada do colón foi fixada em
formol tamponado a 10% e coradas por hematoxilina-eosina
e por tricrômio de Masson. A avaliação
histopatológica foi feita analisando indicadores de cicatrização
através de microscopia óptica.
Fígado: Após o sacrifício do animal, a
peça de necropsia retirada do fígado foi fixada em
formol tamponado a 10% e coradas por hematoxilina-eosina
e por tricrômio de Masson. A avaliação
histopatológica foi feita através da análise da porcentagem do
parênquima hepático com esteatose, atribuindo um
escore de 0 a 4. O escore 0, equivale em 0 a 5%
do campo marcado, o escore 1, entre 5 e 25% , o
escore 2, entre 25 e 50% , o escore 3, entre 50 e 75% e
o escore 4, entre 75 e 100%. Foi determinado um
escore médio para cada rato.
Estudo bioquímico
Foi realizada a dosagem de hidroxiprolina do segmento ressecado durante a necropsia,
observando a retirada cuidadosa dos fios de sutura. O processo
de extração de hidroiprolina foi realizado segundo a
proposta de Stegemann & Stalder23 e modificada
por Medugorac24, suprimindo-se a fase de secagem
em estufa a vácuo.
Análise Estatística
Utilizamos a análise de Ridits para os
dados qualitativos. Também foi utilizado o teste de
Mann-Whitney e o teste não paramétrico de
Kruskal-Wallis, aproximado para grandes amostras, para
comparações de mais de duas amostras independentes. Usamos
um nível de significância menor que 5% (p<0,005).
RESULTADOS
A evolução do peso dos animais dos
grupos controle e desnutrido (fig. 1) indica diferença
estatística significativa (p<0,001). Em relação à albumina e
à presença de esteatose hepática não foi encontrada
diferença. A mortalidade durante o processo de
desnutrição foi de 15%. Já a mortalidade pós-operatória
(fig. 2), no grupo controle foi de 6% e no grupo
desnutrido de 53%, o que nos levou a aumentar o número de
animais deste grupo, visando a uma amostra
significativa para comparação. Na figura 3, observa-se que o
grupo desnutrido apresentou maior quantidade de
abscessos, deiscências e peritonite, quando comparado ao
grupo controle. Em relação à aderência, o grupo controle
não diferiu estatisticamente do grupo desnutrido. A figura
4 mostra que, em relação à hidroxiprolina, não houve
diferença estatística nos grupos estudados. Os
dados histopatológicos (crosta fibrina-leucocitária,
necrose focal, depósito de fibrina, exsudato neutrofílico,
edema, dilatação linfática, congestão vascular, hemorragia
focal, exsudato eosinofílico, regeneração
mucosa, infiltrado mononuclear, infiltração
macrofágica, granulomas, neoformação vascular,
proliferação fibroblástica e fibrose) não apresentaram
diferença estatística. O grupo desnutrido apresentou
tendência maior ao edema, enquanto o grupo controle
apresentou maior tendência à congestão vascular.
Figura 1 - Evolução do peso dos animais durante o experimento. | Figura 2 - Mortalidade comparando-se os animais do grupo |
Figura 3 - Avaliação macroscópica da cavidade abdominal e da anastomose colônica. | Figura 4 - Valores da hidroxiprolina nos dois grupos. |
Discussão
A deiscência de anastomose é uma
complicação importante no pós-operatório de cirurgia do
aparelho digestivo, aumentando a morbi-mortaliadde de
pacientes. Certas condições gerais podem prejudicar
o processo de cicatrização, como o fator estudado:
desnutrição protéico-calórica. O método utilizado
para desnutrir os animais se mostrou eficaz, uma vez
que houve redução significativa do peso do grupo
experimental. Não foi encontrada diferença significativa
em relação à albumina sérica e a presença de
esteatose hepática, provavelmente devido ao curto período
de desnutrição a que os animais foram submetidos,
não havendo tempo hábil para mudança desses
parâmetros. A mortalidade foi claramente maior no grupo, o
que mostra o efeito deletério da desnutrição nesses
animais. O maior número de deiscência, peritonite e
abscessos encontrados neste grupo confirma esta afirmação.
Em relação aos dados histopatológicos, o grupo
desnutrido apresentou maior tendência ao edema e menor
tendência à congestão vascular. Não foi encontrada
diferença em relação aos outros parâmetros histopatológicos e
nem em relação à hidroxiprolina, fato esse
provavelmente devido à grande mortalidade do grupo desnutrido,
ficando essa comparação prejudicada.
Conclusão
Podemos concluir que a desnutrição
influencia negativamente na cicatrização de
anastomoses colônicas e aumenta significativamente a mortalidade.
ABSTRACT: Dehiscence of colonic anastomosis is one of the most severe complications after gastrointestinal surgery. The intestinal anastomosis healing complication is associated to several factors like malnutrition and hypoalbuminemia. This is an experimental study that aimed to evaluate the colonic anastomosis healing in malnutrition and hypoalbuminemia conditions. Animals were separated in two experimental groups: control and submitted to malnutrition (daily food intake as half of the control group per 20 days). Body weight, clinical outcome, serum albumin, abdominal cavity aspects, gross and microscopic aspects of the anastomosis, hepatic steatosis and tissue hydroxyproline dosage were compared between groups. Our results show that malnutrition development was efficient since a significant loss of body weight was observed in the experimental group. The malnutrition group of rats presented pathologic data all suggestive of lower prognostic and higher mortality rate. In conclusion, malnutrition interferes with the normal colonic anastomosis healing and increases the mortality rate.
Key words: malnutrition, colonic anastomosis, healing.
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Endereço para correspondência:
OMAR FÉRES
Av. Santa Luzia, 630
14025-090 - Ribeirão Preto - SP
Recebido em 15/08/2006
Aceito para publicação em 18/09/2006
Trabalho realizado no Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo_
São Paulo - Brasil.
* Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia e Anatomia da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto - Universidade de São Paulo (FMRP-USP) - Brasil.