ARTIGOS ORIGINAIS
HISTÓRIA FAMILIAL E CÂNCER COLORRETAL EM IDADE PRECOCE: DEVE-SE INDICAR COLECTOMIA ESTENDIDA?
Family History of Colorectal Cancer at Early Age: Should Extended Colectomy be Indicated?
Renato de Araújo Bonardi 1, Maria Cristina Sartor
2, Antonio Baldin Jr. 3, GUILHERME
MATTIOLI Nicollelli4, João Ricardo Duda
4, MÁRCIA Olandoski5
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RESUMO: Objetivo - avaliar a história familial e as características dos tumores em dois grupos distintos por sua faixa etária, bem como questionar quanto à necessidade de colectomia estendida, baseando-se nestas características. Método _ Em estudo retrospectivo analisaram-se 106 pacientes por meio do prontuário e de contato telefônico com o próprio doente e/ou familiares, operados no HC-UFPR. Foram divididos em 2 grupos: Grupo A (n=51) com 55 anos ou menos, e Grupo B (n=55) com mais de 55 anos. Avaliou-se o número de doentes com parentes de 1º. grau com câncer colorretal e em outros sítios; o número de parentes com CCR; o sítio do tumor; o estadiamento TNM; os óbitos no período e a presença de neoplasias associadas. Resultados - No grupo A, 16 (31,4%) pacientes tinham parentes com câncer colorretal. No grupo B, sete (12,7%) (p=0,032). No grupo A houve 16 (31,4%) pacientes de familiares com outro tipo de neoplasia. No grupo B, 19 (34,5%) doentes (p=0,837). Ao incluírem-se apenas as neoplasias associadas à Síndrome do HNPCC, como endométrio e estômago, houve 5 (9,8%) pacientes no grupo A e 3 (5,9%) no grupo B (p=0,477). No grupo A, 3 (5,8%) doentes apresentaram neoplasias associadas ao CCR, sendo elas estômago, rim e bexiga. No grupo B, 3 (5,4%) doentes, mas os tumores eram de mama e próstata (p=0,624). Predominou no grupo A pacientes com estádio III (41,2%) e no grupo B, o estádio II (51,9%) (p=0,480). Houve 19,6% de óbitos no grupo A e 32,7% no Grupo B (p=0,185). Conclusão - Pacientes com idade = 55 anos possuem história familial mais representativa para o CCR que pacientes mais idosos, podendo fazer parte da síndrome do HNPCC. Possivelmente se beneficiem de colectomia estendida.
Descritores: história familial, idade, câncer colorretal, colectomia.
INTRODUÇÃO
O câncer colorretal (CCR) é a terceira
causa mais comum de mortes por câncer
1,2. A hereditariedade é responsável por 3 a 5% dos casos de
câncer colo-retal.2,3. A Síndrome de Lynch, também
conhecida como HNPCC (câncer colorretal hereditário
não polipóide), representa modelo importante deste
mecanismo. Nestes casos, observa-se o surgimento
da neoplasia em idades mais precoces, em média aos
45 anos, e predileção pelo cólon direito
.2,4,5,6.
A história familial e a faixa etária abaixo de
50 anos podem fornecer dados importantes para a
presença da síndrome de Lynch. No entanto, o
número reduzido e de registro adequado das famílias atuais,
pode dificultar o diagnóstico, baseando-se apenas na
história familial (critérios de Amsterdam
II)2. A avaliação genética pode ser necessária. Porém, devido aos
custos, não está disponível para a maioria da população.
Instabilidade de microssatélite está presente em 90 a
95% dos pacientes com a síndrome de Lynch e, como
primeiro estudo, podem direcionar a avaliação para a
pesquisa de alterações nos genes de reparo do DNA
relacionados à Síndrome de Lynch, como o MLH1,
MSH2 e MSH6 2,7,8. Pacientes em que o diagnóstico de
câncer colorretal é feito antes dos 55 anos devem
sempre ser investigados para uma história familial bem
detalhada, pois podem ser portadores das Síndromes
do HNPCC ou da Polipose Adenomatosa Familial. Outros cânceres devem ser investigados, pois fazem
parte da Síndrome do HNPCC, como o de
endométrio, ovário, gástrico, ou do trato urinário
.2,7,9,10.
A maioria dos autores recomenda que os exames de rastreamento para os familiares se iniciem
aos 40 anos ou 10 anos antes da idade do familiar
afetado. 7,10,11,12 No Brasil existem deficiências para
realizar exames de rastreamento para o câncer colorretal,
seja por fatores financeiros ou desinformação dos
médicos e da
população13. Baseado nesta afirmação, este
estudo objetiva avaliar o perfil dos pacientes com
câncer colorretal dentro de dois grupos etários
distintos, enfatizando a história familial e a síndrome do
HNPCC como análises principais. Objetivou-se também
realizar o seguinte questionamento: estaria
indicada colectomia estendida em pacientes jovens e com
história familial positiva?
MÉTODO
Realizou-se estudo longitudinal,
retrospectivo, por meio de revisão de prontuários e de contato
direto com pacientes e/ou respectivos familiares que
foram submetidos à ressecção de câncer colorretal
por adenocarcinoma, de janeiro de 2001 a março de
2006, na Unidade de Coloproctologia do Hospital de
Clínicas da Universidade Federal do Paraná. (HC
UFPR) O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética
e Pesquisa em Seres Humanos do HC UFPR.
Foram avaliados 106 pacientes operados por adenocarcinoma colorretal. Todas as ressecções
foram realizadas através de laparotomia
convencional. Indivíduos com Polipose Adenomatosa Familial
foram excluídos do estudo.
Os pacientes foram divididos em 2 grupos: Grupo A (n=51) de pacientes com 55 anos ou menos,
e Grupo B (n=55), com idade maior que 55 anos,
num total de 106 pacientes. Em cada grupo foi avaliado
o número de doentes com parentes de 1º. grau (pais,
irmãos e filhos) com câncer colorretal e em outros
sítios. Também foram analisados o número de
parentes com CCR; o sítio do tumor; o estadiamento TNM;
o número de óbitos no período e a presença de
neoplasias associadas. Estes dados relacionavam-se ao
momento da operação.
No grupo A, a média de idade dos
pacientes foi de 45 ± 7 anos. No grupo B, a média de idade
foi de 70 ± 7 anos.
Os dados foram submetidos à análise
estatística. Para a comparação entre os grupos quanto ao
número de pacientes com parentes portadores de
câncer de intestino, utilizou-se o teste exato de Fischer
bilateral. O mesmo teste foi utilizado para análise dos
óbitos no período. O teste do Qui-Quadrado foi o
escolhido para análise do sítio tumoral e do estadiamento. O
valor p=0,05 foi considerado estatisticamente
significativo.
RESULTADOS
No grupo A, 16 (31,4%) pacientes tinham parentes com câncer colorretal. No grupo B, sete
(12,7%). Esta diferença foi estatisticamente significativa
(tabela1).
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Outro dado observado foi o fato de que 5
dos 16 pacientes com CCR do Grupo A possuíam dois
parentes de 1º. grau com CCR. Foi estatisticamente
significativa a diferença entre os grupos em relação a
ter dois parentes de 1º. grau com CCR (tabela 2).
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Ao avaliar-se o número de pacientes com
familiares com outros tipos de neoplasia, observou-se
que no grupo A houve 16 (31,4%) pacientes com
história positiva para tal. Já no grupo B, foram 19 (34%)
doentes (p=8368). No entanto, ao incluirem-se apenas
as neoplasias associadas à Síndrome do HNPCC,
como endométrio e estômago, houve 5 (9,8%) pacientes
no grupo A. No grupo B, apenas 3 (5,4%) doentes.
Este dado não mostrou significância estatística (p=0,4772).
No grupo A, houve 3 (5,8%) doentes com neoplasias associadas ao CCR, sendo elas
estômago, rim e bexiga. Por outro lado, no grupo com idade
maior que 55 anos, houve também 3 (5,4%) doentes
com estas características, mas os tumores eram de mama
e próstata (p=1).
Quanto ao sítio do tumor, comparando-se
os grupos, notou-se a seguinte distribuição. No grupo
A, 35% localizavam-se no cólon direito, 15 % no
cólon transverso, 12% no cólon esquerdo, 20% no
cólon sigmóide e 29% no reto. No grupo B 34%
situavam-se no cólon direito, 5% no cólon transverso, 11% no
cólon esquerdo, 34% no sigmóide e 20 % no reto (tabela
3). A soma dos percentuais é maior do que 100% devido
à presença de tumores sincrônicos, que se
encontravam em 7,8% (4) dos pacientes do grupo A e em 7,2%
(4) pacientes do grupo B.
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A avaliação comparativa do estadiamento
TNM também não mostrou diferença estatisticamente
significativa. Os dados são estratificados na tabela 4:
|
O número de óbitos no período foi
proporcionalmente maior no grupo B, como mostram os
valores na tabela 5:
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DISCUSSÃO
O câncer colo-retal corresponde a uma
parcela importante de mortes e doenças relacionadas
ao câncer no mundo. A população geral tem sido
orientada a iniciar exames de rastreamento aos 50 anos.
Indivíduos com síndromes familiares como o HNPCC e
a Polipose Adenomatosa Familial devem iniciar rastreamento com colonoscopia mais brevemente.
No entanto, tais síndromes respondem por apenas 5 %
dos CCR. A história familial deve sempre ser obtida
com atenção para detectar possíveis pacientes com
estas síndromes e submetê-los a exames de
rastreamento com colonoscopia 1-12.
Este estudo traça um perfil de uma
população de pacientes operados por câncer colorretal
baseando-se principalmente na história familial e na idade
dos pacientes.
Por meio deste estudo foi possível
demonstrar que grupos mais jovens de pacientes com CCR
possuem maior número de parentes com câncer colorretal
e maior probabilidade destes pertencerem à
síndrome familiar do HNPCC. Estudos como os de Eissen
et al., Kievit et al., Hampel et al., Lynch et al e
Mueller-Koch et al. relatam estas características. No tocante
à média de idade, nossa população mais jovem
apresentou a média de 45 anos para o diagnóstico do
câncer, de acordo com a maioria dos estudos.
2,7, 8,10, 14.
Quanto à distribuição do sítio tumoral
observou-se uma discreta migração dos tumores para
sítios mais proximais no grupo mais jovem, em especial
para os tumores do cólon transverso. No entanto, a
maioria dos estudos ressalta a predominância dos tumores
do cólon direito nos pacientes com a síndrome do
HNPCC, chegando a valores de até 70% 14,
15. Em referência ao estadiamento TNM, o estudo
mostrou que os pacientes do grupo A tiveram seu
diagnóstico em fases mais avançadas. Este dado, porém,
não foi significativo. Apesar disso, a mortalidade foi
menor no grupo mais jovem, o que vem corroborar com
a literatura _ a qual cita que, apesar dos indicadores
de mau prognóstico, o resultado é relativamente bom
com o tratamento cirúrgico e complementar
16,17.
Não houve significância estatística quanto
às neoplasias associadas. Porém, no grupo de
pacientes mais jovens, estas foram de estômago, rim e bexiga
_ pertencentes à síndrome de Lynch; enquanto que
nos mais idosos foram de mama e próstata
9.
Este estudo comprova que se deve dar atenção ao histórico familiar e à idade do doente, uma
vez que o acesso aos exames de estudo genético, como
de instabilidade microssatélite e imunohistoquímica
para avaliação de deleções de genes de reparo do
DNA, como o MLH1, MSH2 e MSH6, é difícil. Além
disso, estima-se que 15,8% dos pacientes com história
familiar de CCR são parte do HNPCC.
18. Assim, é necessário orientar os pacientes e suas famílias a
participarem de programas de prevenção desde idades
mais precoces e de maneira mais rígida.
Em casos de pacientes jovens e com história familial para CCR ou outros tumores
pertencentes à síndrome do HNPCC, deve-se atentar
para a realização de ressecções colônicas
estendidas, seja em cirurgias eletivas, ou principalmente
quando admitidos na emergência e sem estudo do
cólon. Isso porque pacientes com HNPCC têm
30% de chance de desenvolver um segundo CCR em 10 anos e 50% em 15 anos
19,20. Quando os estudos genéticos confirmam a síndrome, a maioria
dos autores preconiza colectomia subtotal com anastomose ileoanal
21,22. Dessa forma, pode-se prevenir a negligência de não tratar possíveis
tumores sincrônicos ou metacrônicos, afetando
significativamente o prognóstico.
CONCLUSÃO
Pacientes com idade menor ou igual a 55 anos possuem história familial mais representativa para
o CCR que pacientes mais idosos, podendo fazer
parte da síndrome do HNPCC. Possivelmente se
beneficiem de colectomia estendida.
ABSTRACT: Aim _ To evaluate the family history and the characteristics of the tumors in two different groups of patients, divided by age, questioning the necessity of extensive colectomy for the adequate treatment. Method _ One hundred and six patients were analyzed retrospectively by hospital chart review or phone contact either with the patient or a next of keen; all were operated at the University Hospital of the "Universidade Federal do Paraná" (Brazil).These patients were divided in Group A (n=51) below 55 years old, and Group B (n=55) with age above 55 years. All patients were analyzed for first degree relatives with history of colon and rectal cancer and cancer history in other organs; number of relatives with colon and rectal cancer; the location of the tumors in the colon; the TNM staging; the occurrence of other malignant neoplasias for each patient; and the death rate for the period of the study. Results _ On group A, 16 (31.4%) patients had relatives with colorectal cancer; on group B, 7 (12.7%) (p=0,032). On group A, 16 (31.4%) patients had relatives with other types of malignant neoplasias, and on group B, 19 (34.5%) (p=0.837). When it was considered only cancers related to the HNPCC syndrome, as endometrium and stomach, 5 (9.8%) patients were found on group A and 3 (5.9%) on group B (p=0.477). On group A, 3 (5.8%) patients had tumors related to colon and rectal cancers, as stomach, kidney and bladder. On group B, 3 (5.4%) patients, but these tumors were in the breast and prostate (p=0.624). On group A, there were more patients with stage III cancers (41.2%) and on group B, stage II cancers were more prevalent (51.9%) (p=0.480). The death rate was 19.6% on group A and 32.7% on group B (p=0.185). Conclusion _ Patients under 55 years of age have an increased family history of colon and rectal cancer when compared to the ones above the age of 55; those could be related to the HNPCC syndrome. These patients can benefit from an extended colectomy.
Key words: family history, age, colorectal cancer, colectomy.
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Endereço para correspondência:
Renato de Araújo Bonardi
Rua Olavo Bilac, 680
80.440-040 - Curitiba (PR)
Fone: (41) 3244-8963 - (41) 3232-1262
FAX: (41) 32438827
E-mail: rbonardi@onda.com.br
Recebido em 14/06/2006
Aceito para publicação em 08/08/2006
Trabalho realizado na Unidade de Coloproctologia do Hospital de Clínicas da UFPR - Paraná - Brasil.