RELATO DE CASOS
RESSECÇÃO DE CORDOMA SACRAL COM ABAIXAMENTO DE CÓLON: RELATO DE CASO
Sacral Chordoma Resection With Colo Anal Anastomosis: Case Report
Kanthya Arreguy de Sena*; Fábio Lopes de Queiroz*; Leonardo Silluzio Ferreira**; Ramon Teodoro Silveira**; Isabela Pessoa Elias*; Frederico Gusmão Câmara*; Antônio Lacerda Filho*
RESUMO: O cordoma é uma lesão maligna da medula espinhal, que se origina nos remanescentes ectópicos de tecido notocordial. Trata-se de neoplasia rara e sua localização preferencial é o sacro. Tem crescimento lento, mas comportamento localmente agressivo. Relatamos um caso de ressecção de cordoma sacral com abaixamento de cólon. Para extirpação oncológica da lesão foi necessária a abordagem colorretal e ortopédica. Novas técnicas preconizando cirurgias mais agressivas melhoraram significativamente a expectativa de vida dos pacientes portadores de cordoma, bem como o tempo de vida livre de doença. Na busca dessa cirurgia oncológica ideal, a abordagem multidisciplinar é essencial.
Descritores: Cordoma sacral, abordagem multidisciplinar.
O cordoma é uma lesão maligna que se
origina nos remanescentes notocordiais e, por isso,
localiza-se quase sempre no esqueleto axial.
Aparece freqüentemente nas extremidades cefálica e caudal
da coluna vertebral. Cerca de 50% localiza-se na
região sacral e constitui a neoplasia primária mais
comum dessa região. É cerca de duas vezes mais
freqüente no sexo masculino e ocorre predominantemente da
5ª à 7ª décadas de vida, apresentando crescimento
lento com baixo poder metastatizante. Sua evolução
desfavorável decorre do seu comportamento
localmente agressivo e da sua proximidade com a medula
espinhal e a cauda eqüina que prejudicam o controle
cirúrgico da doença.
Relatamos um caso de ressecção
oncológica multidisciplinar de cordoma sacral com
abaixamento de cólon por via abdomino-sacral.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 62 anos,
procurou avaliação médica devido a dor em
região lombossacra de forte intensidade e de caráter
progressivo nos 6 meses anteriores à consulta, que
aliviava parcialmente com uso de antiinflamatórios
não esteróides e analgésicos comuns. Relatava
ainda sangramento anal ocasional durante evacuação
e algúria. Ao exame proctológico, percebia-se
mucosa retal íntegra, mas abaulada por lesão
arredondada, subestenosante, a 7cm da margem anal. Ao exame
ortopédico não se percebia déficit motor ou
sensitivo. Tomografia abdominal mostrou lesão óssea lítica
na pelve. Ressonância magnética (RM) de sacro
mostrou grande massa retro-retal com infiltração óssea de
cóccix, S5, S4 e S3, medindo 8 x 6,1 x 9 cm e com
componente extracortical se estendendo para a pelve em
íntimo contato com o reto, mas sem evidências de
invasão do mesmo. Ausência de infiltração das demais
estruturas pélvicas ou linfonodomegalia associada (Figura 1).
Figura 1 - Ressonância magnética de sacro: massa expansiva pélvica compatível com cordoma. |
Realizado tratamento cirúrgico com
equipe multidisciplinar (Cirurgia Colorretal e Ortopedia).
Em função do íntimo contato entre o tumor e a parede
posterior do reto, optou-se pela abordagem abdominossacral para ressecção do tumor e do
reto ,mantendo a integridade da pseudocápsula tumoral.
O paciente foi submetido a analgesia peridural e anestesia geral, balanceada com monitorização
contínua invasiva, e posicionado em decúbito dorsal
horizontal (DDH). Realizada laparotomia mediana
supra-infra-umbilical com identificação da porção distal
do reto firmemente aderida à fascia pré-sacral.
Liberado cólon esquerdo da goteira parieto-cólica e ligadura
dos vasos mesentéricos inferiores para abaixamento
do ângulo esplênico do cólon. Seccionado cólon
esquerdo ao nível da transição com o sigmóide com
preservação da arcada vascular. Protegidos cotos colônicos
para prevenção de contaminação. Dissecção anterior e
lateral do reto com identificação dos ureteres, bexiga
e vesículas seminais até o nível do assoalho pélvico,
guiada por abordagem perineal. Posicionado paciente
em decúbito ventral com flexão de 70º ao nível da
coluna lombar. Marcação por radioscopia, segundo
imagens da RM, do nível da secção sacral. Ressecção
ampliada de pele, tecido celular subcutâneo e musculatura
da região glútea até identificação do segmento ósseo
com retirada de toda a peça cirúrgica em monobloco
(Figura 2). Com o paciente novamente em DDH, feito
abaixamento do cólon com anastomose grampeada
colo-anal. Revisão dos procedimentos e
hemostasia. Posicionamento de dreno pélvico, confecção
de ileostomia protetora em flanco direito e laparorrafia
por planos. O tempo cirúrgico total foi de 9 horas e o
paciente manteve estabilidade hemodinâmica, tendo
recebido 600ml de concentrado de hemácias, 11 litros
de cristalóides e 2 litros de colóides. As primeiras 48
horas de pós-operatório foram monitoradas em nível
de CTI. A evolução pós-operatória foi satisfatória e o
paciente permaneceu hospitalizado por 11 dias. Não
houve seqüelas motoras. Apresentou retenção
urinária, necessitando sondagem vesical de alívio por cerca
de 1 mês após a retirada da sonda de demora.
Figura 2 - Ressecção posterior com paciente posicionado em decúbito ventral com flexão de 70º ao nível da coluna lombar. Hastes de metal na parte superior representam marcação por radioscopia, segundo imagens da RM, do nível da secção sacral. |
Estudo anatomopatológico mostrou peça
cirúrgica medindo 18x17x11 cm constituída por
tecidos cutâneo, adiposo e músculo-esquelético com
segmentos de osso sacral (S5, S4 e S3) e de intestino
grosso (Figura 3). Os cortes histológicos
identificaram tumoração branco-amarelada com áreas de tecido
fibroso, tecido mixocondróide e focos de necrose
compatíveis com cordoma, envolvendo o osso sacral
e infiltrando partes moles e tecido muscular. A parede
do reto encontrava-se firmemente aderida à lesão,
mas livre de neoplasia.
Figura 3 - Peça cirúrgica retirada em monobloco contendo pele, tecido celular subcutâneo, musculatura da região glútea, cóccix, sacro (S5, S4 e S3) e reto. |
Realizou-se o fechamento da ileostomia no
3º mês de pós-operatório sem intercorrências. No
acompanhamento ambulatorial, o paciente encontra-se
sem queixas álgicas e assintomático do ponto de
vista urinário, mas nega ereção. Apresenta hipoestesia
em região perianal e hipotonia esfincteriana moderada.
DISCUSSÃO
O cordoma sacral é um tumor de
crescimento lento. Ele pode estender-se em direção proximal
no canal medular ou pode destruir o osso sacral e
acometer os tecidos frouxos adjacentes e a junção
sacro-ilíaca. O periósteo e a fáscia pré-sacral constituem
barreiras anatômicas à progressão anterior do tumor. Esse
comportamento insidioso e seus sintomas
inespecíficos freqüentemente atrasam o diagnóstico
6. O tempo médio entre o início dos sintomas e o diagnóstico varia
de 4 a 24 meses. O sintoma mais comumente
produzido pelo cordoma é a dor secundária à destruição óssea
e/ou compressão dos nervos ou órgãos adjacentes
4. Ao diagnóstico, os cordomas sacrais são
geralmente estagiados em IB 1 com o tumor protundindo
anteriormente a parede do reto, sem, no entanto, infiltrá-lo.
Na propedêutica pré-operatória, torna-se
essencial a determinação do nível de invasão tumoral
e, neste sentido, alguns trabalhos têm mostrado a
superioridade da RM em relação à tomografia. Imagens
de RM em T1 têm boa resolução para detecção de
infiltração do canal medular e em T2 mostram,
adequadamente, a infiltração da musculatura glútea
5. A realização de biópsia transretal encontra-se proscrita visto
que este procedimento viola as barreiras anatômicas e
favorece a invasão da mucosa retal pelo tumor
9.
Devido à sua localização junto a
estruturas nobres, a ressecção do cordoma expõe o cirurgião
a um dilema na escolha da melhor estratégia
cirúrgica: ressecção subtotal com piora da sobrevida ou
excisão agressiva com aumento das morbidades motora,
urinária e na função sexual. Atualmente, os cirurgiões têm
optado pela ressecção completa da lesão, tendo em
vista que a recidiva tumoral vem acompanhada da sintomatologia ainda mais agressiva do que a
decorrente da denervação sacral intra-operatória
3. Na escolha da via de acesso, a abordagem
abdominossacral tem se mostrado a mais segura e de melhor
exposição 7. A tentativa de preservação do reto, às custas de
dissecção romba quando a massa pré-sacral
encontra-se firmemente aderida, pode cursar com ruptura
da pseudocápsula e disseminação de células tumorais,
ou lesão da parede intestinal e contaminação do
campo cirúrgico, ou, ainda, lesão dos vasos pré-sacrais
e sangramento de difícil controle.
Stener e Gunterberg, em 1975, estabeleceram que a preservação do controle esfincteriano anal,
da função urinária e da habilidade motora está
diretamente relacionada com o nível de ressecção neural
8. Eles afirmaram que, se pelo menos um terço dos
nervos sacrais permanecerem intactos, a seqüela será
mínima. Secções ao nível de S1 promovem
incontinência anal, necessidade de cateterismo vesical
intermitente e suportes externos de deambulação. Cerca de
50% dos pacientes submetidos a ressecções do nível de
S2 para baixo evoluem sem alterações motoras e são
capazes de manter bom controle intestinal e urinário.
A radioterapia não é utilizada como
tratamento isolado devido às grandes dimensões do
tumor ao diagnóstico. Está bem indicada
após ressecções subtotais visto que sua função é
promover o controle local da neoplasia. Parece não
melhorar o prognóstico no pós-operatório das
cirurgias com peças com margens livres de doença
2. A quimioterapia tem se mostrado ineficaz no
combate à recidiva tumoral.
O desenvolvimento do arsenal
propedêutico, representado pelo advento da RM, e das novas
técnicas cirúrgicas que surgiram a partir dos anos 60 e
70, preconizando ressecções mais agressivas,
melhoraram significativamente a expectativa de vida dos
pacientes portadores de cordoma, bem como o tempo de
vida livre de doença. Na busca dessa cirurgia
oncológica ideal, a abordagem multidisciplinar é
essencial.
ABSTRACT: Chordoma is a rare malignant lesion of spinal cord originated from ectopic remnants of notocordial tissue. Its presentation is characterized by slow growth in spite of locally aggressive behaviour. We report a case of multidisciplinary oncologic resection with coloanal anastomosis. Extended and aggressive resections improved significantly the disease free survival in patients with chordoma. The multidisciplinary oncologic approach is essential in order to reach this goal.
Key words: Chordoma sacrococcygeal, multidisciplinary approach.
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Endereço para correspondência:
Fábio Lopes de Queiroz
Rua Paracatú, 838 sala 506- Barro Preto
30.180-090- Belo Horizonte (MG) - Brasil
E-mail: fabiolopesq@hotmail.com
Tel: (31) 3291-2064
Cel: (31) 9959-3979
Recebido em 08/03/2006
Aceito para publicação em 12/04/2006
* Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Felício Rocho - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil.
** Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Felício Rocho - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil.