CARTA AO EDITOR
LÚcia Camara Oliveira
ANÁLISE CRÍTICA DA COLONTERAPIA: FATOS E VERDADES
A medicina como ciência, tem demonstrado
importantes avanços em diferentes áreas, sempre
baseando-se em evidências científicas,
comprovadas empiricamente. A comprovação envolve a
demonstração e consagração de determinada técnica operatória ou
eficácia de medicamentos através de estudos
randomizados e prospectivos, comparando-se a droga estudada com
uma substância placebo, ou comparando-se duas maneiras
diferentes de se abordar o mesmo problema. Estas
evidências são então estatisticamente validadas e para tal,
um número grande de casos deve ser estudado.
O recente avanço dos meios de
comunicação tem permitido um amplo e rápido acesso a
informações, especialmente através da internet,
facilitando imensamente o intercâmbio de conhecimento na
área médica e da ciência. Entretanto, é também
através dos modernos meios de comunicação, que
encontramos muitas vezes informações contraditórias e
por vezes contrárias a prática adequada da medicina.
A coloproctologia é uma área interessante
da medicina. Embora o fruto da digestão e produto
final encontrado no interior do órgão que trabalhamos
(intestino grosso ou cólon ) seja inicialmente
considerado repugnante, o número de situações desafiantes e
com resultados satisfatórios torna a especialidade
gratificante para os que bem a praticam.O número de
indivíduos acometidos por distúrbios funcionais , como
a síndrome do intestino irritável e suas variantes,
constipação e diarréia, atinge cerca de 10 a 20% dos
atendimentos ambulatoriais. O câncer colorretal, cada
vez mais encontrado no mundo industrializado, tem
mecanismos genéticos já conhecidos, e portanto com
uma perspectiva de controle a longo prazo muito
diferente do que se poderia oferecer há 20 anos.
O nosso "segundo cérebro" propicia
uma apaixonante gama de situações onde o adequado e
científico entendimento de seus mecanismos pode de
fato levar à cura ou à melhora da sintomatologia do
paciente. Isto é medicina ética e baseada em evidências.
O cólon tem como principais funções a
absorção de água e sódio e a formação e eliminação do
bolo fecal, fruto da digestão dos alimentos. Este órgão
apresenta ritmos diferentes que variam de indivíduo
para indivíduo e, embora o funcionamento intestinal ideal
seja o de uma evacuação diária, em algumas pessoas
este ritmo pode ser mais lento. O cólon é povoado por
um grande número de bactérias, que convivem
harmoniosamente, constituindo a flora intestinal normal.
A prática da colonterapia ou
hidrocolonterapia ou lavagem do intestino grosso, deriva da teoria
da "auto-intoxicação" que relaciona a estagnação de
fezes no cólon com a formação de toxinas que ao
serem absorvidas causariam um envenenamento para o
organismo. Há também os que propõe que a
constipação, levaria a um maior contato das fezes com a parede
do cólon, ficando estas aderidas e impedindo a
absorção ou eliminação dos alimentos. Estas teorias foram
abandonadas por volta do ano de 1920 quando diversas
evidências científicas demonstraram que os sintomas
apresentados pelos pacientes constipados, tais como dor
de cabeça, fadiga, inapetência na verdade eram
decorrentes da distensão mecânica do cólon causada
pela impactação das fezes. Do mesmo modo, estudos
de autópsias realizadas em pacientes constipados ou
observações durante operações intestinais jamais
demonstraram a ocorrência de aderência fixa de fezes
nas paredes do cólon.
Há no mundo um número crescente de
profissionais que lidam com terapias alternativas e que
advogam o uso da limpeza , lavagem ou hidroterapia do
cólon, com a finalidade de detoxicação do
organismo, livrando o cólon de toxinas, venenos, e parasitas
intestinais. Não há entretanto nenhuma licença ou
treinamento exigidos para operar um equipamento de
irrigação do cólon. Esta prática foi condenada na
Califórnia em 1985 pelo "National Council Against
Health Fraud". Da mesma forma, o órgão americano que
regulamenta os medicamentos e equipamentos
médicos (FDA- Federal Drug Administration) não aprova
os equipamentos disponíveis para realização de tal
prática, proibindo sua comercialização legal, exceto
quando a limpeza intestinal tiver uma indicação diagnóstica
ou terapêutica e for realizada por um médico. No
Brasil também não há registro para este tipo de prática e
a Sociedade Brasileira de Coloproctologia não a
reconhece dentro da especialidade. Há alguns anos, a
discussão sobre colonterapia na "list service" de
nossa Sociedade, demonstrou claramente que os
membros de nossa Sociedade não são adeptos a tal prática.
Todos sabemos que a limpeza intestinal é
necessária para a realização de determinados
exames, como a colonoscopia, a colonografia e o clister opaco.
O melhor preparo utilizado para a limpeza do cólon
reduz o número de bactérias que normalmente
habitam o nosso intestino de 109 para apenas
103 em número de bactérias. Isto já foi comprovado através
de biópsias de intestinos submetidos a limpeza
mecânica. Desta forma, fica claro então, que a promessa de
"esterilização", "desintoxicação"e "depuração de
toxinas" não é verdadeira. A realização destas lavagens
também traz uma série de riscos , que obviamente não
são previamente comunicados aos pacientes. Há
relatos publicados de perfurações do reto e peritonite
secundária com necessidade de intervenção cirúrgica
em casos de colonterapia. Há também casos descritos
de insuficiência cardíaca e transmissão de doenças
como a amebíase quando o equipamento utilizado não
foi adequadamente esterelizado. Estas complicações
aumentam muito quando o indivíduo é portador de
uma patologia inflamatória ou de um tumor, que não foi
previamente diagnosticado. Muitos pacientes
procuram estas clínicas sem passar por nenhuma avaliação
médica prévia. Além dos riscos mecânicos, os
pacientes também são expostos ao risco de desidratação,
alterações eletrolíticas, síncope e distensão abdominal.
Mais ainda, não existem na literatura, trabalhos
científicos adequadamente desenhados demonstrando a
eficácia deste método para o tratamento da constipação.
Muito menos pode ser, este método, considerado eficaz
para a desintoxicação de nosso organismo.
A constipação deve ser tratada após
minuciosa avaliação, descartando-se o hipotireoidismo, o
câncer, o diabetes, a dieta inadequada, os distúrbios
de motilidade, a impactação fecal do idoso, todos
estes mecanismos que podem estar envolvidos e serem
a causa da constipação. O tratamento inicial da
constipação envolve medidas clínicas simples e podem
resolver o problema. Para os casos mais difíceis,
existem métodos funcionais que auxiliam o diagnóstico
e orientam o tratamento.
A ciência médica tem um profundo
respeito pelos conhecimentos tradicionais. Afinal vieram de
lá as informações básicas que, cientificamente
estudadas e comprovadas, levaram à produção de um
grande número de medicamentos que hoje abastecem
a farmacopéia de todo o mundo. Não há evidência
médica cientificamente comprovada de que a
colonterapia tenha qualquer efeito terapêutico positivo contra a
constipação intestinal ou qualquer outra patologia. Por
outro lado , existe substancial comprovação dos
riscos deste procedimento para a saúde dos pacientes,
especialmente quando aplicado por pessoal sem a
devida especialização.
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