RELATO DE CASOS


DOENÇA DE CROHN METASTÁTICA PARA AXILA

Metastatic Crohn's Disease to the Axilla

FlÁvia Balsamo1; JoÃo Baptista de Paula Fraga2-3; Wladimyr Dias Moreno3-4; Galdino JosÉ Sitonio Formiga5

1Médica Assistente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - SP; 2 Ex-residente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - SP; 3 Médico Coloproctologista do Hospital Monte Sinai - Juiz de fora - MG;4 Médico Coloproctologista da Clínica Gastro Center de Cuiabá - MT; 5 Chefe do Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - SP - Brasil.


BALSAMO F; FRAGA JBP; MORENO WD; FORMIGA GJS. Doença de Crohn Metastática para Axila. Rev bras Coloproct, 2007;27(1): 089-092.

RESUMO: Relata-se um caso de doença de Crohn com manifestação cutânea axilar extremamente rara, bem como suas peculiaridades em relação ao diagnóstico e tratamento.

Descritores: doença de Crohn; manifestações cutâneas.

INTRODUÇÃO
A doença de Crohn é uma entidade crônica, multisistêmica e que ocasiona desordens inflamatórias de etiologia obscura, podendo comprometer qualquer parte do trato gastrointestinal da boca até o ânus.1-7
    Há manifestações extra-intestinais que acometem cerca de 25 a 30% dos pacientes e que são mais comuns naqueles com doença do cólon, em relação aos que apresentam doença do intestino delgado.3,6,8,9
    Estas manifestações podem acometer a pele, as articulações, o trato biliar, os olhos, entre outras menos comuns. É freqüente que vários órgãos sejam afetados simultaneamente. O curso das manifestações extra-intestinais segue geralmente o de sua enfermidade intestinal, tanto nas crises, remissões, como na resposta terapêutica. Em algumas raras ocasiões, as manifestações extra-intestinais da doença de Crohn apresentam-se com maior severidade e precedem o quadro clínico, sendo indispensável considerar diagnósticos diferenciais.3,4,6
   O termo "doença de Crohn metastática", descrito inicialmente por Parks, em 1965, é uma rara manifestação da doença de Crohn que se caracteriza por alterações específicas e com substrato histopatológico semelhante ao encontrado na parede intestinal, porém localizada à distância do trato gastrointestinal.4,5,7-14
   O objetivo deste relato é demonstrar doença de Crohn em região axilar sem o acometimento intestinal simultâneo.

RELATO DO CASO
S.A.B., 22 anos, feminino, branca, estudante, natural e procedente de São Paulo, S.P.
   Desde fevereiro de 1996 com manifestação de fístula anorretal, porém com associação de ulcerações atípicas perianais, principalmente na região anterior. Evoluiu com fístula reto-vaginal e ulcerações de sulco infraglúteo e, em março de 1996, foi submetida à drenagem de abscesso anorretal submucoso e fistulotomia anorretal, cuja análise anátomo-patológica demonstrou processo inflamatório granulomatoso sem caseificação (Figura 1).
   O inventário sobre o hábito intestinal revelou regularidade do mesmo com consistência normal das fezes e sem associação de dores abdominais ou febre. Não foi evidenciada atividade da doença no trato gastrointestinal desde o início do tratamento, quer por parâmetros clínicos ou exames subsidiários, como a colonoscopia de junho de 1996 que revelou normalidade da mucosa intestinal até o íleo terminal. Permaneceu em tratamento com metronidazol 1,2g/dia, oligossintomática, até agosto do mesmo ano, quando então iniciou o aparecimento de lesões eritematosas, ulceradas, abscedadas e fistulizadas em região axilar direita (Figura 2)
   Foi submetida inicialmente a tratamento cirúrgico com drenagem higiênica das lesões axilares e o resultado das biópsias revelou reação granulomatosa não caseosa de células gigantes.
   Em acompanhamento ambulatorial, o controle clínico das lesões foi realizado com infiltração local com corticosteróide (metilprednisolona) mensalmente, associado à terapia sistêmica com ciprofloxacino 1g/dia e corticosteróides tópicos (Dexametasona e Betametasona).
   Em julho de 1997, foi submetida a fistulotomia anorretal com boa evolução, mas apresentou abscesso em axila esquerda, sendo drenado cirurgicamente, cujo anátomo-patológico demonstrou etiologia semelhante à apresentada em axila direita (Figuras 3 e 4).
   Evoluiu com períodos de remissão e recrudescimento da doença, tanto em região axilar como perianal, vulvar e pubiana, alternando períodos de adesão e abandono ao tratamento. Manteve-se assintomática em relação ao trato gastrointestinal, porém demonstrou grande labilidade emocional e psicológica e relatou prejuízo da esfera social.
   As lesões axilares apresentaram aumento de secreção sero-purulenta e odor fétido a partir do início de 2000, quando foi introduzida a azatioprina na dosagem de 100 mg/dia com melhora progressiva e diminuição da dosagem de corticosteróides. A paciente abandonou o tratamento ambulatorial no período compreendido desde o final de 2001 até abril de 2003, quando retornou com as mesmas queixas, tendo sido introduzida a corticoterapia sistêmica com prednisona 40 mg/dia e ciprofloxacino 1g/dia. A azatioprina foi reintroduzida (100 mg/dia) em outubro de 2004 e foi iniciada a redução progressiva da corticoterapia sistêmica com melhora das queixas e manutenção da remissão clínica.

Figura 1 - Manifestação perineal (inicial).

Figura 2 - Região axilar direita.

Figuras 3 e 4 - Regiões axilares direita e esquerda respectivamente.

DISCUSSÃO
A doença de Crohn metastática é uma afecção rara e pouco relatada na literatura.11 A maioria dos casos é caracterizada por lesões cutâneas ulceradas que ocorrem em membros e dobras, o que pode dificultar ainda mais a cicatrização.11,13
   Freqüentemente as lesões de pele antecedem a manifestação intestinal.11,12 Entretanto, alguns raros relatos descrevem estas manifestações sem a presença de doença ativa no trato gastrointestinal (TGI).6,11 O diagnóstico é confirmado pela biópsia com presença de granulomas não caseosos no exame anátomo-patológico.8,12
    As lesões apresentam grande variabilidade clínica, podendo ocorrer na forma de úlceras, pápulas, nódulos, placas ou crostas e podem afetar qualquer território cutâneo, sendo mais encontradas nas extremidades, zonas de pregas e genitais.5,15,16
    A etiopatogenia das metástases cutâneas de Crohn ainda não foi elucidada.5 Atualmente considera-se que a patogênese da maior parte das manifestações extra-intestinais está relacionada com a auto-imunidade e produção de citocinas, ou depósitos de imunocomplexos, existindo grande associação com outras doenças auto-imunes.3 A hipótese de um antígeno circulante que seria depositado na pele e que deflaglaria uma reação cruzada de hipersensibilidade de tipo IV mediada por linfócitos T, seria a hipótese mais convincente.5,9,17
   Terapias como esteróides, antibióticos (metronidazol, tetraciclinas, ciprofloxacino) e sulfassalazinas têm sido utilizadas com grau de sucesso variável.8 No entanto, alguns estudos têm demonstrado resposta favorável com corticosteróides intralesionais e agentes imunossupressores (azatioprina, ciclosporina, 6-mercaptopurina).2,5,12,18,19 O infliximab (anticorpo monoclonal antifator de necrose tumoral)15 e a oxigenioterapia hiperbárica12 têm sido relatados com bom resultados,11 porém sendo terapias de alto custo e de uso restrito em nosso meio.
   A terapia cirúrgica é utilizada de forma cautelosa, realizando-se procedimentos como drenagens de abscessos, fistulotomias e curetagens. No entanto, em casos de resistência ao tratamento clínico, têm sido utilizadas como única opção terapêutica, e há relatos que descrevem resultados favoráveis.5,12
    A doença de Crohn metastática principalmente na ausência de manifestações do TGI é entidade de difícil diagnóstico e, em caso de suspeita, deverá ser confirmada através de biópsia seguida de exame anátomo-patológico.

ABSTRACT: The description of a case of metastatic Crohn's disease, a rare skin manifestation to the axillar region with diagnostic features and treatment schedules.

Key words: Crohn's disease, cutaneous manifestations.

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Endereço para correspondência:
Flávia Balsamo
Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis
R. Cônego Xavier, 276 - Vila Heliópolis
São Paulo - S.P.
04231-030
Tel: 274-7600 - (Ramal: 244)

Recebido em 21/06/2006
Aceito para publicação em 11/12/2006
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Heliópolis - São Paulo - SP - Brasil.