ARTIGOS ORIGINAIS
PRONTUÁRIO MÉDICO E SUAS IMPLICAÇÕES MÉDICO-LEGAIS NA ROTINA DO COLO-PROCTOLOGISTA
Medical Record and his Medical-Legal Involvement in Daily Procedures of Colon and Rectal Surgeon
Luiz Carlos L. Prestes Jr.1; Mary Rangel2
1Ex-Chefe da Clínica de Proctologia do Hospital Naval Marcílio Dias; Coordenador da Câmara Técnica de Medicina Legal do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro; Perito Judicial e Legista, 2 Doutora em Educação com Pós-Doutorado na área de Psicologia Social; Professora de Didática da Universidade Federal Fluminense; Titular da área de ensino-aprendizagem da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
RESUMO: As normas do Conselho Federal de Medicina preceituam que o médico não poderá deixar de preencher corretamente o prontuário médico. Essa observância é fundamental, pois sendo o atendimento prestado ao paciente uma ação multidisciplinar, todos os envolvidos ficarão informados sobre as condições clínicas, evolução, resultados de exames e procedimentos realizados nos pacientes. Sob o ponto de vista legal é um precioso instrumento, talvez o mais importante, em demandas judiciais, pois é a partir de sua análise que os peritos e julgadores colhem subsídios para a decisão judicial. Sob o ponto de vista de saúde pública, são nos prontuários médicos que residem os dados, permitindo os dados de prevalências e de incidências de determinadas doenças, permitindo assim, ações de prevenção e medidas de tratamento mais eficazes. Este trabalho tem como objetivo enfatizar a importância do cumprimento das normas e do correto preenchimento do prontuário médico, ressaltando suas implicações médico-legais, principalmente na prática da cirurgia colo-retal. Tais práticas não só representam a qualidade do trabalho profissional, mas permitem aos médicos dispor de um importante instrumento de defesa nas ações judiciais.
Descritores: Ficha médica, prontuário, boletim médico, implicações forenses.
INTRODUÇÃO
O ensino médico, hoje, desenvolvido no
nosso país, focaliza primordialmente os aspectos técnicos
que dizem respeito à prática médica. A estrutura
curricular pouco enfoca ao profissional que estará em breve
no mercado de trabalho, os aspectos que abordam o
relacionamento com o paciente, o despertar para fiel
observância do código de ética médica e,
conseqüentemente, a prevenção quanto a possíveis demandas
judiciais, que tanto têm preocupado a classe médica.
Dentre os inúmeros fatores envolvidos na
análise médico-legal do exercício profissional, na
suspeita do chamado "erro médico", destacamos o
prontuário médico, acervo documental de extrema relevância
que traduz o relacionamento entre o paciente e a equipe
de saúde.
A rotina incansável dos colo-proctologistas
e cirurgiões entre hospitais, clínicas e
estabelecimentos de saúde, faz com que o profissional não perceba
a importância médico-legal de que se reveste o
correto preenchimento do prontuário médico.
Inicialmente, como definição,
podemos conceituar o prontuário médico como o acervo
documental do paciente, organizado e conciso, referente
ao registro dos cuidados médicos prestados, assim
como todos as informações, exames, procedimentos e
quaisquer documentos pertinentes a essa assistência.
Vale lembrar que, conforme preceitua, o art. 69 do Código de Ética Médica, a documentação
dos atos médicos é parte relevante da prática médica.
Em tal documentação deve constar a
anamnese, o exame clínico, a prescrição terapêutica, os
relatórios de enfermagem e de outros serviços, descrição de
cirurgias, ficha anestésica, exames de qualquer
natureza, e ainda deve ser minuciosa na descrição das
circunstâncias em que os mesmos foram realizados.
O prontuário médico pertence ao paciente,
sob a guarda e responsabilidade dos médicos e das
instituições de saúde.
Portanto, é um valioso instrumento de:
a) Assistência Médica: a correta
organização, com dados evolutivos cronológicos com fácil
manipulação e consulta permite uma visão global do
estado clínico do paciente, além de permitir a
comunicação entre as diversas equipes de saúde.
b) Ensino: é, na verdade, o instrumento
utilizado para a discussão de casos. As diversas
situações clínicas só poderão ser recompostas com um
prontuário adequadamente preenchido.
c) Pesquisa científica: Todos os dados
são importantes e, portanto, devem ser preenchidos,
pois não se sabe quais os dados que serão úteis para
uma pesquisa futura.
d) Controle de qualidade: é um exemplo
de gerenciamento das atividades médico-hospitalares
e ainda prevista na Resolução 41/92 do Conselho
Regional de Medicina que tornou obrigatória a Comissão
de Revisão de Prontuários nas instituições de saúde.
e) Controle de custos: também é
dependente da veracidade e detalhamento das informações
contidas no prontuário médico.
A difícil tarefa da demonstração do suposto
erro médico encontra na prova documental um
respaldo importante, tendo em vista que os julgadores, na
maioria das vezes, alicerçam sua decisão baseada em
elementos de caráter documental.
Não existe peça técnica que possa
reproduzir melhor todas as circunstâncias que envolvem o
atendimento ao paciente, do que o prontuário médico.
Nele são descritos o horário e dose da medicação, todos
os sintomas, reações, procedimentos e cirurgias
realizadas, revelando com precisão as condutas adotadas e
permitindo com isso, a avaliação dos prestadores de serviço.
Em meio aos direitos do paciente está o
dever de ser informado sobre o estado de saúde que se
encontra, inclusive por escrito, se assim for solicitado.
O colo-proctologista, portanto tem o dever legal de
informação, e para tal, na grande maioria das vezes, o
faz tomando por base as informações contidas no
prontuário médico.
Na rotina diária em Colo-Proctologia,
particularmente, temos o dilema de informar ao paciente
a possibilidade de realizarmos uma ostomia seja
temporária ou definitiva, mas tal informação é primordial e
o paciente deverá sempre estar envolvido nessa
decisão. Tudo o que for tratado ou decidido com o
paciente e seus familiares, deverá constar no seu
prontuário médico.
Por sua vez, as Instituições de Saúde têm
por dever a manutenção do prontuário atualizado e sob
sua guarda, pronto a qualquer momento para consulta,
ou por intermédio de pleito judicial ser enviada a cópia
fiel ao juízo provocado, servindo como elemento
indispensável da prova pericial. A avaliação da atuação da
equipe de saúde poderá ser percebida através das
informações contidas no prontuário, e deve
sempre corresponder aos preceitos éticos e
cientificamente corretos.
Com a introdução do Novo Código Civil,
em vigor desde 2003, se o fato gerador da ação
judicial ocorreu após 11/01/2003, o prazo de prescrição da
ação proposta passa a ser de 03
anos1.
Com isso teoricamente, o prazo de arquivamento passou também para 3 anos. No entanto, o
prazo anteriormente estipulado, de 20 anos, deve ser
obedecido, caso os fatos geradores tenham ocorrido nos
últimos 20 anos.
Não é raro verificar discrepâncias entre
os procedimentos relatados, e o que foi efetivamente
realizado. Não menos raras ainda as rasuras, as
letras absurdamente ilegíveis e, principalmente, a omissão
de informações.
Existem situações em que a prática
médica demonstra uma maior ocorrência de falhas no
preenchimento do prontuário médico. São aquelas
que envolvem o atendimento de emergência nos
grandes hospitais. Poderíamos considerar que a
agitação, as rápidas decisões e o próprio ambiente
dos setores de emergência podem propiciar
omissões, que seguramente irão ser questionadas numa
futura demanda judicial. Vale ressaltar também as
cirurgias de emergência, com as suas características
de múltiplos procedimentos, sempre voltados para
assegurar a manutenção da vida nas diversas
situações de risco. Neste caso a detalhada descrição
do ato cirúrgico, com todas as lesões encontradas,
incluindo técnicas e táticas empregadas irá
assegurar, documentalmente, a correta realização
das manobras cirúrgicas, principalmente se as
complicações surgirem no pós-operatório.
As cópias dos boletins de atendimento
médico de vítimas de lesões violentas, com absoluta
certeza, serão solicitadas, através dos peritos, pelas
autoridades policiais ou judiciárias e, portanto, serão
esperadas descrições detalhadas das lesões, a
história alegada pelo paciente, bem como todo o
tratamento instituído e o destino do mesmo. A letra legível
dos profissionais envolvidos nesse atendimento é
condição fundamental para um perfeito entendimento
de tudo que foi realizado.
A produção da prova pericial com a
nomeação de um perito médico pela autoridade judiciária
é um procedimento quase rotineiro, quando a
conduta técnica deva ser avaliada. A prática forense
demonstra que o paciente vítima de um suposto erro
médico, sendo hiposuficiente nos seus conhecimentos de
medicina, não reúne condições para apresentar as
devidas provas.
O julgador, invertendo o ônus da prova,
incumbe ao médico, acusado de danos ao paciente,
provar que agiu dentro dos parâmetros científicos, éticos e
sob o prisma técnico-profissional para aquela situação.
Para que o médico reúna as provas
técnicas necessárias à sua defesa, não há elemento de
tamanha relevância do que o prontuário médico. E não
basta que a descrição dos procedimentos esteja correta,
faz-se mister que constem também as autorizações,
consentimentos e a plena ciência dos fatos, obtidas
junto ao paciente ou ao seu representante legal.
Vale ressaltar que diante das inúmeras
disputas judiciais envolvendo médicos, hospitais e
pacientes a prudência na relação médico-paciente e a
correta escrituração do prontuário médico podem ser
consideradas as vigas mestras que norteiam tais demandas.
Não se justifica, hoje, a desinformação
acerca da importância do prontuário para os profissionais
de saúde, mormente quando o paciente está sob o
cuidado de uma equipe multidisciplinar.
A responsabilidade do Diretor Técnico na
análise da atuação das Comissões de Revisão de
Prontuários, norma legal instituída pelos Conselhos de
Medicina, vem permitindo um controle mais eficaz na
qualidade dos prontuários médicos, principalmente nos
Hospitais Universitários em que a prática correta é
um elemento de formação profissional.
A evolução tecnológica, principalmente com
a informatização de Hospitais, permitiu o
desenvolvimento de novos métodos de armazenamento de dados na
área médica.
Hoje, o prontuário médico informatizado já
é uma realidade sendo utilizado, rotineiramente, em
muitas instituições de saúde do país. Entretanto, sua
validade, no conjunto probatório, em demandas
judiciais, ainda tem sido questionada no meio jurídico.
Com o objetivo de dirimir as dúvidas
geradas pela controvérsia do assunto, o Conselho Federal
de Medicina expediu a Resolução 1639/2002, que
aprovou as "Normas Técnicas para o uso de
Sistemas Informatizados para a Guarda e Manuseio do
Prontuário Médico". Tal documento norteia a utilização do
prontuário informatizado, desde que o sistema utilizado
assegure o sigilo profissional, a inviolabilidade do
sistema e a recuperabilidade dos dados. O Conselho
Federal de Medicina ainda dispõe, para os interessados,
uma análise técnica do sistema e uma certificação, o
que, certamente, permite uma maior credibilidade como
prova judicial.
Vale ressaltar ainda, que numa sociedade moderna em que a qualidade dos sistemas de saúde
é posta à prova constantemente, um prontuário
médico bem confeccionado traduz, não somente a
seriedade dos profissionais envolvidos, mas também um
verdadeiro instrumento de defesa judicial. As
freqüentes ações de responsabilidade civil, envolvendo
médicos e hospitais, têm no prontuário médico todo o
repertório técnico e as ações empreendidas pelos
profissionais.
As chefias de clínica e de serviços, os
diretores técnicos e as assessorias jurídicas das
Instituições de Saúde têm um papel fundamental na
divulgação da importância de uma correta escrituração
dos prontuários médicos. Já os programas de
residência médica em Colo-Proctologia, principalmente,
desenvolvidos nos Hospitais Universitários se
beneficiariam muito, na formação desses profissionais,
ressaltando em palestras, mesas redondas e atividades
didáticas a importância do tema envolvendo a
responsabilidade civil do médico.
A Sociedade Brasileira de Colo-Proctologia vem também envidando esforços para divulgar
nos Congressos, por meio de conferências e mesas
redondas temas de defesa profissional e direito
médico.
A Comissão de Revisão de Prontuários,
instituída pelos Conselhos Regionais de Medicina, já vem
exercendo um papel relevante no aprimoramento técnico
dos profissionais quanto ao correto preenchimento do
prontuário médico. Entretanto, essa divulgação deveria
ser estendida já nos cursos de graduação, onde os
estudantes já começariam a se deter nas particularidades
médico-legais que envolvem essa documentação.
Uma medida altamente salutar seria a abordagem de temas de Direito Médico nos cursos de
Graduação em Medicina que, de forma mais abrangente
e completa, orientaria os futuros profissionais
médicos, quanto às situações de ordem prática, ressaltando
os aspectos jurídicos e éticos que envolvem o
exercício profissional.
Portanto, a preocupação com a boa
qualidade do prontuário médico deve fazer parte da rotina
das instituições de saúde, mormente aquelas de cunho
universitário, cujo papel de formação deve ser
instituído de forma plena e de elevada categoria, a fim de
atender aos anseios de uma sociedade cada vez mais
exigente.
ABSTRACT: The rules of the Federal Council of Medicine set down that the doctor should not stop filling out
the medical chart correctly. This observance is fundamental as the service rendered to the patient is a
multidisciplinary action and all the professionals involved will be aware of the clinical conditions, evolution, exams results and
procedures performed in the patients. It is an important document in judicial demands because experts and judges can have
subsidies for a judicial decision. It is also an important document for the Public Health Department as the medical
charts contain data that acknowledge the prevalence and incidence of diseases which allow the prevention and effective
measures of treatment. The objective of this work is to show the importance of following the rules and the correct fulfillment of
the medical charts, emphasizing their forensic implications, mainly in the colon rectal surgery practice. Such attitude
is associated with the quality of the professional behavior as well as the availability of an important tool for
judicial decisions.
Key words:Medical charts, charts, medical report, forensic implications.
Referências
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de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 2002.
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Brasília: Ed. OAB, 2006.
9. Roberto, LMP. Responsabilidade Civil do Profissional de
Saúde e Consentimento Informado.Curitiba: Ed. Juruá, 2006.
Endereço para correspondência:
LUIZ CARLOS LEAL PRESTES JUNIOR
Rua Siqueira Campos, 43 / sala 621 - Copacabana
CEP: 22031-070
Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (21) 2547-2294 / 9987-7748
E-mail: luizprestes@bol.com.br
Recebido em 15/03/2007
Aceito para publicação em 07/05/2007
Trabalho realizado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
(1) Artigo 206 § 3, inciso V do Novo Código Civil.