ARTIGOS ORIGINAIS
INFLUÊNCIA DA COLA BIOGLUE® NA DEISCÊNCIA DE ANASTOMOSE COLÔNICA. ESTUDO EXPERIMENTAL NA ROTINA DO COLO-PROCTOLOGISTA
Influence of Bioglue® Surgical Adhesive on colonic anastomosis dehiscence. Experimental study
Maurilio Toscano de Lucena1 - ASBCP; Carlos Augusto Mathias2; Nicodemos Teles de Pontes Filho3; Ana ClÁudia Luna CÂndido4; Emiliana Vasconcelos5
1Médico Coloproctologista do Hospital Barão de Lucena, Recife-PE , 2 Profº do Departamento de Cirurgia - Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco, 3Profº do Departamento de Patologia - Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal de Pernambuco, 4Médica Residente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Barão de Lucena, Recife-PE, 5Acadêmica de Medicina da Universidade Federal de Pernambuco.
RESUMO: A grande parte da morbimortalidade associada com a cirurgia colorretal, é associada com a deiscência anastomótica. Trabalhos experimentais sobre a utilidade de adesivos tissulares nas anastomoses colônicas são controversos, assim como estudos clínicos prospectivos randomizados são ausentes. O adesivo cirúrgico BioGlue®, formado por dois componentes - albumina sérica bovina purificada e glutaraldeído, forma uma ligação co-valente entre esses dois componentes e as proteínas teciduais no local de aplicação. O objetivo do estudo é avaliar a eficácia da BioGlue® na prevenção da deiscência anastomótica colônica em ratos. Foram utilizados 30 ratos machos da raça Wistar albino. A anastomose colocolônica foi confeccionada com sutura em pontos separados com polipropileno 5-0 (grupo 1) e aplicação da cola BioGlue® envolvendo a anastomose (grupo 2). Avaliaram-se a formação e extensão das aderências, a pressão de ruptura nas anastomoses e as alterações histológicas. Apenas um animal do grupo 1 (7%) faleceu, sendo constatada na necropsia, obstrução intestinal com grande distensão de alças. A mortalidade no grupo 2, por outro lado, foi de 10 animais (67%), sendo observado: distensão de alças intestinais, vazamento anastomótico e, em algumas situações, franca peritonite fecal por deiscência quase que total da anastomose. O presente trabalho nos permitiu concluir que, o uso da Bioglue® nas anastomoses colônicas realizadas em ratos, promoveu um aumento na morbimortalidade que foi estatisticamente significante comparado à sutura convencional.
Descritores: Bioglue®, deiscência, anastomose colônica.
INTRODUÇÃO
Uma grande parte da morbimortalidade associada com a cirurgia colorretal, é conseqüência
da deiscência
anastomótica1-5, que pode ser
decorrente de uma série de fatores: fornecimento inadequado
de oxigênio, tensão mecânica elevada, grande
contaminação bacteriana e problemas técnicos (tipo de
sutura utilizada etc.)6-8.
Os cirurgiões estão constantemente em
busca do aperfeiçoamento nas técnicas de
confecção das anastomoses, utilizando, por exemplo, materiais
de sutura que provocam menos reações, dispositivos
mecânicos tais como os grampeadores,
anéis biofragmentáveis e colas
adesivas9-12. Embora algumas dessas inovações técnicas tenham reduzido
drasticamente as taxas de deiscência anastomótica, este
ainda é um importante problema nos procedimentos
cirúrgicos sobre o cólon, atingindo cifras de até 5% em
cirurgias eletivas e 10-15% em cirurgias de
emergência13,14. Trabalhos experimentais sobre a utilidade de
adesivos tissulares nas anastomoses colônicas são
controversos, assim como estudos clínicos
prospectivos randomizados são
ausentes12,15-20.
O adesivo cirúrgico BioGlue®, formado por
dois componentes - albumina sérica bovina purificada
e glutaraldeído, forma uma ligação co-valente entre
esses dois componentes e as proteínas teciduais no
local de aplicação. Desta maneira, é formado um
revestimento mecânico flexível, independentemente dos
mecanismos de coagulação do organismo. O adesivo
cirúrgico BioGlue® poderia ser útil nas anastomoses
digestivas, promovendo uma barreira física em torno
das mesmas, diminuindo as taxas de deiscência no
período pós-operatório, aumentando a resistência mecânica
e a pressão de ruptura21.
A principal indicação do adesivo
cirúrgico BioGlue® tem sido na hemostasia adjuvante aos
métodos padrões (tais como suturas, grampeadores),
nas cirurgias abertas de reparo de grandes vasos (tais
como aorta, femoral e carótida) em pacientes
adultos21.
Não identificamos na literatura
pesquisada, estudos avaliando os efeitos dos adesivos teciduais
à base de albumina-glutaraldeido nas
anastomoses colônicas.
Os objetivos do presente trabalho foram avaliar clinicamente os efeitos da
BioGlue® sobre as anastomoses colônicas - integridade, existência de
abscesso perianastomótico, presença de peritonite,
formação de aderências e pressão de ruptura
anastomótica - assim como proceder à avaliação histológica
- infiltrado celular inflamatório, atividade
fibroblástica, neoangiogênese e deposição de colágeno.
MATERIAIS E MÉTODOS
O protocolo experimental desenvolvido no presente trabalho foi submetido à aprovação pela
comissão de ética em experimentação animal do Centro
de Ciências Biológicas da Universidade Federal
de Pernambuco (CCB-UFPE).
1. Animais
Foram utilizados 30 ratos machos da
raça Wistar albino, pesando entre 280-410g, com
idades variando entre 90 e 120 dias. Os animais foram
mantidos em gaiolas individuais em ciclos de 12 horas
alternando-se claro/escuro e temperatura ambiente
entre 20 e 25o C, com dieta comercial Labina®
contendo 23% de proteínas e oferecido alimento e água
"ad libitum".
Após uma noite de jejum, os animais
foram operados e distribuídos em dois grupos:
Grupo 1 - Ratos submetidos à
anastomose colocolônica convencional utilizando-se fios de sutura;
Grupo 2 - Ratos submetidos à
anastomose colocolônica convencional utilizando-se fios de
sutura e cola BioGlue®.
Imediatamente após o sacrifício, realizado
10 dias após a 1a cirurgia, os animais foram
acondicionados em recipientes adequados, congelados e
coletados pelo Serviço Municipal de Lixo de Biotério.
2. Procedimentos Cirúrgicos
Todos os procedimentos cirúrgicos fora
realizados pelo mesmo cirurgião.
Os animais receberam anestesia por
via intramuscular, utilizando-se cloridrato de
cetamina (50mg/kg) e cloridrato de xilazina (50mg/kg).
Realizou-se a contenção em bandeja própria e
procedeu-se a tricotomia da região abdominal.
Após a antissepsia com solução
polivinilpirro-lidona iodo, o abdome foi incisado na linha média e
realizada transecção do cólon aproximadamente
3cm acima da reflexão peritoneal. A
anastomose colocolônica foi confeccionada com sutura em
pontos separados extramucosos término-terminais
com polipropileno 5-0 (grupo 1). Os animais do grupo 2,
foram submetidos à anastomose colocolônica com
sutura em pontos separados extramucosos
término-terminais com polipropileno 5-0 e aplicação de 0,5ml da
cola BioGlue® cobrindo a anastomose, e tomando-se o
cuidado para evitar a dispersão da cola na
cavidade peritoneal (figura 1). A parede abdominal foi
fechada em dois planos com sutura contínua
utilizando-se polipropileno 4-0 interessando a aponeurose e a pele.
Dez dias após a cirurgia, os animais foram
sacrificados com uma "overdose" de anestésicos e
secção da veia cava e aorta para induzir hipovolemia. A
parede abdominal foi novamente aberta através da
incisão longitudinal mediana prévia.
3. Avaliação Macroscópica e Pressão
de Ruptura da Anastomose
A extensão das aderências foi descrita de
acordo com a classificação de
Mazuji22 e a área da anastomose examinada quanto à presença de
vazamento, estenose, peritonite além de infecção da ferida
cirúrgica (figura 2). A pressão de ruptura foi
determinada através da ressecção de um segmento de
± 5cm do cólon englobando a área da anastomose, ligando-se
a extremidade proximal com fio de seda 3-0 e
passando-se um cateter conectado a um esfingomanômetro
na extremidade distal fixado com ligadura. Por meio
deste cateter, era injetado ar numa das aberturas
da "torneirinha de tri-way" e, ao evidenciar-se
o surgimento das primeiras bolhas na água em que o
segmento do cólon encontrava-se submerso,
considerou-se a pressão correspondente como a pressão de
ruptura anastomótica (figura 3).
Figura 1 - Aplicação do adesivo cirúrgico
BioGlue®. |
Figura 2 - Avaliação das aderências. |
Figura 3 - Avaliação da pressão de ruptura. |
4. Avaliação Histológica
Os sítios das anastomoses foram ressecados
e colocados em formalina tamponada a 10%, submetidos à rotina histológica e emblocados em parafina.
Os cortes histológicos foram realizados através
do micrótomo horizontal Yamato Koki® (Japão), em
cortes de 4µm de espessura sendo corados pela hematoxilina-eosina
(HE)23. As lâminas, assim confeccionadas, foram examinadas em microscópio
óptico, por dois patologistas, desconhecedores dos grupos.
Foram avaliadas de maneira semiquantitativa, a intensidade da resposta inflamatória, a necrose
tecidual e a deposição de colágeno intersticial; utilizou-se a
seguinte escala para graduação das alterações: + -
leve; ++ - moderada; +++ - intensa. Determinou-se
também a reação granulomatosa, a neovascularização e o
tipo de infiltrado celular inflamatório.
5. Análise Estatística
Os dados de mortalidade foram analisados através do Teste de Quiquadrado com correção de
Yates por meio de tabelas de contingência 2
x 2, utilizando-se o programa de análise estatística Epi-Info versão
3.3.2 para Windows (Epi-Info, CDC, Atlanta, U.S.A).
Considerou-se um erro alfa de 0,05 (P
£ 0,05) para rejeição da hipótese nula.
RESULTADOS
Na análise da mortalidade, apenas um
animal do grupo 1 (7%) faleceu antes do 10o
dia de pós-operatório e, na necropsia foi observado obstrução
intestinal com grande distensão de alças. A mortalidade no
grupo 2, por outro lado, foi de 10 animais (67%) e, nos
exames post-mortem realizados, foram evidenciados
distensão de alças intestinais, vazamento anastomótico e, em
algumas situações, franca peritonite fecal por
deiscência quase que total da anastomose. A análise estatística
da mortalidade entre os dois grupos, evidenciou uma
diferença bastante significativa com
P = 0,002.
Dos 15 animais do grupo 2, somente 3 (20%) sobreviveram até o
10o dia de pós-operatório; 2
animais foram sacrificados no 4o dia pós-cirurgia,
apresentando-se bastante debilitados, com adinamia,
queda dos pêlos e parada na eliminação de fezes. Nestes
animais, evidenciaram-se à cirurgia, sinais de
obstrução intestinal e deiscência anastomótica com peritonite
localizada. Os outros 10 animais deste grupo
morreram entre o 2o e o 7o dia de pós-operatório, todos sem
apresentar evacuações.
A média da pressão de ruptura no grupo 1
foi de 163 mmHg (para os 14 animais estudados),
enquanto que no grupo 2, foi de 203 mmHg (para os 3
ratos avaliados). O segmento que apresentou ruptura
após insuflação de ar foi o proximal em relação à
anastomose em 11 animais do grupo 1 (79%), enquanto que em
3 (21%), foi demonstrado vazamento no lado distal.
Em 2 animais do grupo 2 (66%), observou-se
vazamento de ar na região da sutura anastomótica e, em um
outro (33%), constatou-se esse mesmo vazamento no
segmento proximal.
As tabelas 1 e 2 apresentam os resultados da avaliação clínica e da pressão de ruptura nos dois
grupos de animais.
Observamos nos animais em que se utilizou a cola de albumina-glutaraldeido (grupo 2), uma
reação inflamatória do tipo agudo com
células polimorfonucleares e neutrófilos com
necrose coagulativa acentuada dos tecidos adjacentes à
mesma (figura 4). Essa necrose era tanto mais
intensa quanto mais próxima do local em que se aplicou a
cola. No grupo 1, também evidenciamos infiltrados
inflamatórios agudos, porém numa intensidade menor que
no grupo 2 e mínima necrose tecidual. A
neovascularização esteve igualmente presente nos dois grupos de
animais, enquanto que a reação granulomatosa só pôde ser
vista no grupo controle (figura 5). A deposição de
fibras colágenas intersticiais por outro lado, foi mais
acentuada no grupo 1.
Na tabela 3, são descritos os achados
à microscopia óptica nos dois grupos de animais.
Figura 4 - Efeitos da Bioglue® sobre o cólon na área da anastomose à microscopia óptica. Seta branca - cola; seta azul - necrose coagulativa; seta amarela - infiltrado neutrofílico polimorfonuclear; seta vermelha- neovascularização (coloração pela HE, 400x). |
Figura 5 - Microscopia óptica do cólon na área da anastomose. Seta branca - infiltrado neutrofílico polimorfonuclear; seta azul - célula gigante tipo corpo estranho (coloração pela HE, 400x). |
CONCLUSÃO
O presente trabalho nos permite concluir que, o uso da Bioglue® nas anastomoses colônicas
realizadas em ratos, promoveu um aumento na morbimortalidade que foi estatisticamente
significante comparado ao grupo em que se realizou
apenas anastomoses com fios de sutura.
ABSTRACT: The great part of the morbimortality associated with the colorretal surgery, is related with the anastomotic
dehiscence. Experimental trials on the utility of tissue adhesives in the colonic anastomosis are controversial, as well as prospective
randomized clinical studies are absent. BioGlue® Surgical Adhesive(BSA) is a two-component surgical adhesive composed of purified
bovine serum albumin and glutaraldehyde. The glutaraldehyde molecules covalently bond (cross-link) the BSA molecules to each
other and, upon application, to the tissue proteins at the repair site. The aim of this study is to evaluate the effectiveness of the BioGlue®
in the prevention of the anastomotic colonic dehiscence in rats. Thirty male Wistar rats had been used. The colocolonic
anastomosis was confectioned with separate stitches with polypropylene 5-0 (group 1) and the application of the BioGlue® Surgical
Adhesive (group 2). The formation and extension of the adhesions, the histological alterations and the rupture
pressure had been evaluated. In the group 1, we have only 7% of mortality (01 animal), being evidenced in the autopsy, intestinal obstruction with major
bowel distension. The mortality in group 2, on the other hand, was 67% (10 animals), being observed: bowel distension,
anastomotic dehiscence and, in some situations, fecal peritonitis because of anastomotic total dehiscence. We concluded in the present study
that, the use of BioGlue® Surgical Adhesive in colonic anastomosis in rats, is associated with an increase of the morbimortality
in comparison with conventional suture which was statistically significant.
Key words: BioGlue®, colonic anastomosis, dehiscence.
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Endereço para correspondência:
MAURILIO TOSCANO DE LUCENA
Rua Conselheiro Portela, 130B/201, Graças. Recife-PE
CEP: 52020-030
Fone: (81) 3242-9747
E-mail: mtlucena@superig.com.br
Recebido em 24/04/2007
Aceito para publicação em 30/05/2007
Trabalho realizado no Biotério e no Setor de Patologia do Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami (LIKA-UFPE).