ARTIGOS ORIGINAIS
ESTUDO DEMOGRÁFICO DO CÂNCER DE CANAL ANAL E ÂNUS NO ESTADO DE SERGIPE
Cancer of Canal Anal and Anus. A Demografic Study in Sergipe - Brasil
Juvenal da Rocha Torres Neto1; Ana Carolina LisbÔa Prudente2; Ronmel Lisboa dos Santos3
1Professor, Doutor e Chefe do Serviço de Colo-proctologia, 2Médica residente em colo-proctologia. Hospital Universitário, 3Acadêmico de medicina da Universidade Federal de Sergipe - BRASIL.
RESUMO: A carência de estudos demográficos específicos sobre o câncer de canal anal e ânus no Brasil e uma melhor compreensão do comportamento da patologia no estado de Sergipe motivaram a realização de tal estudo. Em análise retrospectiva (1993 - 2005), foram avaliadas as principais características demográficas do câncer anal em Sergipe. Foram estudados 91 pacientes, sendo 70 (76,9%) do gênero feminino e 21 (23,0%) do gênero masculino. A média de casos novos ao ano no período estudado foi de 0,39 por 100.000 pessoas, com desvio padrão de ± 0,16. O carcinoma de células escamosas (CEC) foi responsável por 68% dos casos de câncer anal. No presente estudo, constatou-se o mau preenchimento dos prontuários médicos e a necessidade de se criar um protocolo para o atendimento e acompanhamento dos pacientes com câncer de canal anal e ânus.
Descritores: Câncer, Câncer anal, Estudo demográfico.
INTRODUÇÃO
Os tumores malignos do ânus e canal anal
são entidades raras, não ultrapassando a taxa de 2%
de todos os tumores do intestino
grosso1 e cerca de 3% a 3,5% dos tumores
anorretais2. A incidência de neoplasias de cólon, reto e ânus para 2006, no
Brasil, foi estimada para cerca de 11.390 novos casos no
gênero masculino, e 13.970 novos casos no gênero
feminino3, porém não se dispõe de dados específicos
do câncer anal no país.
Um estudo realizado na Califórnia registrou 4.841 pacientes com diagnóstico de câncer de canal anal no período de 1973 a 1998. Esse trabalho constata uma maior incidência no gênero feminino,
havendo um crescimento da incidência, no período
estudado, em ambos os gêneros4. Outra pesquisa
realizada na Califórnia também encontrou
predominância dos casos no gênero feminino, mas em idades
inferiores a 40 - 44 anos a incidência era maior entre
os homens5.
Em um estudo brasileiro, Nakajima et al.,
analisaram 58 pacientes com câncer anal. A média de
idade foi de 61 anos, sendo a faixa etária mais
acometida entre 60 e 64 anos. Quanto ao gênero, 70,7%
eram feminino e 29,3%, masculino, sendo a proporção de
2,4 mulheres para cada homem6.
No ânus ou margem anal podem se desenvolver carcinoma espinocelular (CEC), carcinoma de
células basais, doença de Bowen, carcinoma
verrucoso ou tumor de Buschke-Löwsnstein, sarcoma de
Kaposi e doença de Paget perianal. Os tumores malignos
do canal anal são de quatro naturezas histológicas:
CEC, melanoma maligno, adenocarcinoma e sarcomas
1. O CEC representa a maioria dos tumores com cerca
de 80% dos casos 2,7.
O tratamento combinado com radioquimio-terapia passou a ser o tratamento de escolha para
o câncer anal desde a década de 70 após o trabalho
de Nigro, reservando a amputação
abdomino-perineal para os casos de doença persistente ou
recorrência local8.
A importância dessa pesquisa reside na
escassez de dados demográficos específicos sobre
câncer de canal anal e ânus, já que a literatura aborda
esse assunto em conjunto com os tumores do intestino
grosso. O objetivo do trabalho é fazer um levantamento
de dados sobre os tumores malignos de canal anal e
ânus no estado de Sergipe entre 1993 e 2005,
analisando variáveis como incidência, gênero, idade, estado
civil, tipo histológico e grau de diferenciação.
PACIENTES E MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospectivo de
todos os pacientes com diagnóstico de câncer de canal
anal e ânus no estado de Sergipe em um período de 13
anos (1993 - 2005).
Os dados dos pacientes foram coletados em laudos de todos os laboratórios de anatomia
patológica de Aracaju, cidade que concentra a totalidade dos
laboratórios de anátomo-patologia do estado de
Sergipe. Foram preenchidos os protocolos previamente
elaborados (anexo III), considerando, principalmente
variáveis como: idade, gênero, tipo histológico e grau de
diferenciação.
A taxa de incidência anual foi calculada
dividindo-se o número de casos novos (numerador)
surgido no ano pela população estimada (denominador)
no ano considerado. A fonte para se obter a
população estimada foi o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE 9. A taxa de incidência anual também
foi ajustada para o gênero, utilizando-se nesse caso o
número de casos novos anuais e a população
estimada por gênero. A incidência foi relatada como o
número de casos novos de câncer de canal anal e ânus
por 100.000 pessoas.
A análise estatística e os gráficos utilizados
no estudo foram desenvolvidos em planilhas do
Microsoft Excel® 2003.
RESULTADOS
Em um período de 13 anos, compreendido
entre janeiro de 1993 e dezembro de 2005, foram
diagnosticados 91 casos de câncer de canal anal e
ânus confirmados pelos exames de anátomo-patologia.
A idade dos pacientes variou de 24 a 91 anos, apresentando uma média de 63,8 anos e desvio
padrão de ± 5,4. A sétima e a oitava décadas de vida foram
as mais acometidas com um total de 47,5% (39) dos
casos. A média de idade dos pacientes masculinos
com câncer anal foi 59,4 anos (26 - 91), tendo desvio
padrão de ± 13,77. Entre as mulheres, a média de
idade foi de 66 anos (24 - 88) e desvio padrão de
± 8,0.
Houve um predomínio no gênero feminino
com 70 (76,9%) casos versus 21 (23,0%) no gênero
masculino. Esse predomínio diminui nas faixas etárias
inferiores a 50 anos, com 15 (16,4%) mulheres para
9 (9,9%) homens acometidos por câncer de canal anal
e ânus.
Conseguiu-se levantar o estado civil de 44 (48%) pacientes com câncer anal, dos quais, 24
(26,6%) eram casados, 10 (11%) viúvos, 9(9,8%) solteiros
e 1(1,1%) divorciado. Se considerarmos apenas
esses 44 pacientes, teríamos uma percentagem de
casados de 54,5%, 22,7% de viúvos, 20,4% de solteiros e
2,2% de divorciados.
A taxa de incidência variou entre 0,18 e
0,83 por 100.000 pessoas com uma média de 0,39
(desvio padrão de ± 0,16) casos novos por ano nos 13
anos (1993 - 2005) considerados no estudo. Em todos
os anos estudados, a taxa de incidência foi maior entre
as mulheres, variando entre 0,36 e 0,91 por 100.000
pessoas (desvio padrão de ± 0,21). Entre os homens
a maior taxa de incidência foi 0,72 por 100.000
pessoas. Em 3 dos 13 anos estudados não foram relatados
casos de câncer anal entre os homens.
Na amostra estudada, o tipo histológico
mais comum foi o carcinoma epidermóide,
representando 68,1% (62) dos tumores. Os outros
tipos histológicos em ordem decrescente foram: o cloacogênico
13% (12), adenocarcinoma com 10,2% (8), doença
de Bowen com 6,6% (6) e o melanoma com 3,3% (3). Excluindo-se os casos de adenocarcinoma,
teríamos 83 casos de câncer anal, sendo 75% de
carcinoma epidermóide, cloacogênico com 14,4%, doença
de Bowen com 9,6% e o melanoma com 3,6%.
Em relação ao grau de diferenciação,
houve 22 (24,4%) bem diferenciados, 31 (34,4%) casos
de moderada diferenciação, 9 (10%) pouco
diferenciados e 28 (31,1%) casos sem registro desse dado.
Figura 1 - Taxa de incidência anual do câncer de canal anal e ânus. |
Figura 2 - Taxa de incidência anual de câncer de canal anal e ânus por gênero. |
DISCUSSÃO
O câncer de canal anal é uma neoplasia
rara, contribuindo com cerca de 1% a 2% dos cânceres
do intestino grosso10 e 3 a 3,5% dos tumores
anorretais2. A incidência do câncer anal epidermóide
aumentou consideravelmente nas últimas décadas, mais
notavelmente entre as mulheres, homens solteiros e
pessoas que vivem em áreas
urbanas2.
A presente pesquisa representa uma casuística importante, onde foram catalogados
91 casos de câncer de ânus diagnosticados em 13
anos no estado de Sergipe (Tabela 1 - anexo I). Essa
amostra corresponde a quase totalidade de casos, visto
que foi acessado o banco de dados de todos os
laboratórios de anátomo-patologia.
Houve uma grande dificuldade em levantar dados na literatura sobre as características
demográficas do câncer anal. Em geral, os trabalhos sobre esse
assunto têm casuísticas pequenas. No Brasil,
Guimarães et al. analisaram retrospectivamente 11 casos de
câncer anal entre 1995 e 199911, Nakajima et al., em 2001,
em estudo caso-controle analisou 58 casos de câncer
anal6 e Larageira et al. relataram 13 pacientes entre 1998
e 200212. Como já foi relatado, o câncer anal é
bastante raro. Um estudo realizado na Califórnia obteve o
registro de 4.841 pacientes com diagnóstico de câncer
de canal anal no período de 1973 a
19984.
Em nosso trabalho, a média de casos
novos surgidos por ano foi de 0,39 por 100.000 pessoas,
variando de 0,18 a 0,91 (Figura 1 - anexo II). Houve
uma oscilação na incidência e não um crescimento
significativo no período estudado embora, alguns
trabalhos, venham relatando um aumento na incidência do
câncer anal nas últimas décadas
9,13. Maggard et al., analisando 4.841 pacientes entre 1973 e 1998,
relataram um aumento significativo da incidência de câncer
anal, passando de 0,35 para 0,98 por 100.000
pessoas.
A incidência de neoplasias de cólon, reto e
ânus para 2006, no Brasil, foi estimada para cerca de
11.390 novos casos no gênero masculino, e 13.970 novos
casos no gênero feminino3, porém não se dispõe de
dados específicos do câncer anal no
país3.
Em todos os anos estudados na pesquisa, a incidência foi maior entre as mulheres, porém em
idades inferiores a 50 anos havia um maior equilíbrio na
taxa de incidência entre os dois gêneros (Figura 2 -
anexo II). Esses dados estão de acordo com a maioria
das séries analisadas4,10.
CONCLUSÃO
Foram diagnosticados 91 casos de
câncer anal em 13 anos de estudo. A incidência variou
entre 0,18 e 0,83 por 100.000 pessoas, surgindo,
em média, 0,39 novos casos de câncer por 100.000
pessoas a cada ano. A sétima e a oitava décadas
de vida concentraram o maior número de casos. A
maioria dos casos ocorreu entre as mulheres, sendo
que o carcinoma epidermóide representou o
tipo histológico mais prevalente. Em relação ao grau
de diferenciação, os cânceres apresentavam
moderada diferenciação na maior parte dos laudos
de anátomo-patologia.
ABSTRACT: The lack of specific demographic studies about anal canal and anus cancer in Brazil and a better understanding
of pathologies' behavior in Sergipe's state had motivated the accomplishment of such study. In retrospective analysis (1993 -
2005) we evaluate the main demographics characteristics of the anal cancer in Sergipe. From a total of 91 patients, 69 (76.6%)
were female and 21 (23.4%) were male. The average of new cases a year was of 0,39 per 100.000 people, with standard deviation of ±
0,16. The squamous cell carcinoma (SCC) account of 68% of the cases of anal cancer. In the present study it was observed
an unconnected medical charts fulfillment and the necessity of a protocol for the assistance as well as the follow-up of the
patients with anal canal and anus cancer.
Key words: Cancer, Anal cancer, Demographic study.
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Endereço para correspondência:
Juvenal da Rocha Torres Neto
Rua Ananias Azevedo, 100, Ap. 902, Bairro: 13 de julho.
49020-080 - Aracaju (SE).
E-mail: Jtorres@infonet.com.br
Recebido em 08/04/2007
Aceito para publicação em 29/05/2007
Trabalho realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe.