RELATO DE CASOS
CONDILOMA ACUMINADO ANAL COM OVOS DE SCHISTOSOMA MANSONI EM PACIENTE HIV-POSITIVO 1
Condilomata Acuminata with Schistosoma Eggs in HIV-Positive Patient
Fabiana Pirani Carneiro1; MÁrio A. P. Moraes1; Marcos de Vasconcelos Carneiro2; LÍvia Bravo Maia1; CAlbino VerÇosa de MagalhÃes1
1Centro de Anatomia Patológica do Hospital Universitário de Brasília, 2Serviço de Gastroenterologia do Hospital das Forças Armadas.
RESUMO: Condiloma acuminado e ovos de Schistosoma são freqüentemente encontrados na região anal, mas não há nenhum caso descrito de associação dessas doenças nessa região. No colo uterino a associação de infecção por HPV (vírus do papiloma humano) e ovos de Schistosoma em paciente HIV (vírus da imunodeficiência humana)-positivo já foi relatada e há evidências de que essa associação possa alterar a história natural dessas doenças. Assim como no colo uterino, é possível que essa interação também ocorra na região anal. Nosso objetivo, portanto, é relatar um caso de condiloma anal em paciente HIV-positivo, que foi submetido a ressecção cirúrgica e que apresentou no exame histopatológico numerosos ovos de Schistosoma mansoni.
Descritores: HIV, condiloma acuminado, ovos de Schistosoma, região perianal, HPV.
INTRODUÇÃO
Na região anal, lesões associadas ao HPV
(vírus do papiloma humano), como condiloma
acuminado, neoplasias intraepiteliais e carcinoma anal, estão
entre as mais freqüentes, e a incidência dessas lesões é
maior em pacientes HIV (vírus da imunodeficiência
humana)-positivo 1,2,3. Ovos de
Schistosoma também são comuns nessa região em países como o Brasil em
que a esquistossomose é endêmica
4. Apesar de freqüentes na região anal, não foi encontrado nenhum
caso descrito de associação entre condiloma acuminado
e ovos de Schistosoma nessa região .
A associação de infecção por HPV e ovos
de Schistosoma em paciente HIV-positivo já foi
relatada no colo uterino e há evidências de que essa
associação possa alterar a história natural dessas
doenças5,6,7. Assim como no colo uterino, é possível que
essa interação também ocorra na região anal.
Nosso objetivo, portanto, é relatar um caso
de condiloma acuminado anal com ovos
Schistosoma em paciente HIV-positivo.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, de 27 anos,
solteiro, procedente de Santa Maria-DF, cabeleireiro,
portador do HIV (vírus da imunodeficiência humana) há
8 anos e em uso irregular de zidovudina, didanosina
e nevirapina. Há cerca de 3 anos notou crescimento
progressivo de tumor em região anal, acompanhado
de dor, prurido local, secreção purulenta fétida
e sangramento.Tinha antecedentes patológicos de
hepatite B, herpes zoster, e pneumocistose pulmonar.
Ao exame físico, estava em bom estado geral,
corado, hidratado, afebril, acianótico, anictérico; o
aparelho cárdio-respiratório e o abdome estavam sem
alterações. Na região perianal havia lesão verrucosa de
aproximadamente 3,0 cm, com presença de orifícios
fistulosos, compatível com condiloma. Exames
complementares: Leucócitos: 3130 (13% Eosinófilos, 40%
Segmentados, 40% Linfócitos, 1% Basófilos, 6% Monócitos),
CD4: 303 células/ml, CD8: 593
células/ml, carga viral: 338584 cópias/mL (log; 5,53). Foi submetido à ressecção
da lesão e recebeu alta hospitalar no 2º dia
pós-operatório. O material enviado para exame
histopatológico constava, na macroscopia, de vários fragmentos
de tecido de transição cutâneo-mucosa com
superfície verrucosa, medindo no conjunto 3,5x2,5x2,0cm.
No exame microscópico, o epitélio
apresentava papilomatose, acantose, hiperceratose e
coilocitose (efeito citopático do HPV). No tecido
conjuntivo subepitelial foram observados depósitos
intravenulares de múltiplos ovos de Schistosoma
mansoni não-viáveis, calcificados e infiltrado inflamatório com
predomínio de mononucleares (Figura 1).
Figura1 - Epitélio com papilomatose, hiperceratose, acantose, coilocitose (efeito citopático do HPV). No tecido conjuntivo sub-epitelial 2 ovos de Schistosoma mansoni não-viáveis calcificados e infiltrado inflamatório com predomínio de mononucleares (HE; x 200). |
DISCUSSÃO
A morbidade e a mortalidade dos pacientes HIV-positivo têm diminuído significativamente com o uso
de anti-retrovirais 8. Contudo a incidência de condiloma
e de outras lesões associadas ao HPV
(neoplasias intraepiteliais e carcinoma anal) tem se mantido
elevada nos últimos anos nesses pacientes
9,10,11,12. A maior incidência da infecção pelo HPV em pacientes
HIV-positivos está relacionada principalmente à pratica de
sexo anal receptivo e ao número de linfócitos CD4+
menor que 500 células / mL 13. Em nosso caso, o paciente
havia interrompido o tratamento e o número de células
CD4+ era de 303 células / mL.
Nos pacientes HIV-positivos, os condilomas podem ser gigantes
14,15, se associados a outras
lesões anorretais16, e apresentar maior risco de
transformação maligna e maiores taxas de recidiva e
reinfecção 17,18. No presente caso, a lesão era gigante (3cm),
estava associada à fístula e, no exame
histopatológico, não foram encontradas áreas de neoplasia
intraepitelial, nem invasiva.
Vários estudos têm discutido os efeitos
da AIDS na esquistossomose assim como os efeitos
da esquistossomose na AIDS 19,20. Esses estudos
mostram que há uma diminuição da excreção de ovos
nas fezes e aumento da retenção dos mesmos nos
tecidos em pacientes com níveis diminuídos de linfócitos
CD4+. Em nosso caso, foram evidenciados numerosos
ovos no tecido conjuntivo subepitelial, mas como não
havia suspeita clínica de esquistossomose, não foi
realizado exame parasitológico de fezes.O único achado
sugestivo de parasitose era a eosinofilia no hemograma.
No colo uterino, há hipóteses de que as
alterações causadas pela resposta inflamatória e imune
aos ovos de Schistosoma possam facilitar a transmissão e
a progressão de outras doenças sexualmente
transmissíveis como as infecções pelo HPV e HIV. E, portanto,
a esquistossomose tornaria os indivíduos mais
susceptíveis a essas infecções. Os autores desses estudos
sugerem que sejam realizados testes para HIV e HPV nos
pacientes com esquistossomose cervical e recomendam
investigação e tratamento para esquistossomose
cervical nos já infectados por HIV e HPV para evitar
recorrência das lesões causadas pelo HPV.
Assim como no colo uterino, é possível que
essa interação também ocorra na região anal. Para
confirmar essa hipótese deveriam ser realizados estudos
que avaliassem a incidência e evolução das infecções
causadas pelo HIV e HPV em pacientes com esquistossomose intestinal. Até que essa hipótese
seja confirmada, indivíduos com comportamento de
risco para infecções pelo HIV e HPV deveriam sempre
ser investigados para esquistossomose intestinal
principalmente em áreas endêmicas. No caso do nosso
paciente, se essa hipótese de interação se confirmasse, o
tratamento para esquistossomose seria importante
porque evitaria, assim como no colo uterino, a
recorrência de lesões associadas ao HPV (condilomas,
neoplasia intraepitelial e carcinoma anal).
ABSTRACT: Condilomata acuminata and Schistosoma eggs are frequently found in the anal region, but there is no report
about the association of these diseases in this region. The association of HPV infection and Schistosoma eggs in an HIV-positive patient was found in uterine cervix and there is evidence suggesting that this association can alters the natural history of these
diseases. Like in the cervix, it is possible that this interaction also occurs in the anal region. So, we report a case of anal
Condilomata acuminata, in an HIV-positive patient, that was ressected and contained on histopathologic examination, multiple Schistosoma eggs.
Key words: HIV; condilomata acuminata; Schistosoma eggs; anal region; HPV.
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Endereço para correspondência:
Fabiana Pirani Carneiro
Centro de Anatomia Patológica. Hospital Universitário de Brasília
Universidade de Brasília - Brasília, DF
Via L2 Norte, SGAN 604/605, Módulo C
CEP: 70840-050
Telefone: (61) 3448-5499
E-mail: fabianapirani@hotmail.com
Recebido em 01/03/2007
Aceito para publicação em 21/05/2007
Trabalho realizado no Centro de Anatomia Patológica. Hospital Universitário de Brasília.