ARTIGOS ORIGINAIS
VALOR DO GRADIENTE DE PRESSÃO RETAL E ANAL NA EVACUAÇÃO EM MEGACÓLON ADQUIRIDO
Rectal and Anal Pressure Variation During Defecation in Patients with Acquired Megacolon
Chia Bin Fang1; Wilmar Artur Klug2; Helly Angela Caram Aguida3; Jorge Alberto Ortiz3; Peretz Capelhuchnik2
1 Professor Associado, Doutor em Cirurgia; 2 Professor Titular; 3 Mestre em Cirurgia.
RESUMO: O megacólon resulta de lesão extensa dos plexos mioentéricos, a qual se traduz por incoordenação motora do cólon com inércia funcional e acalasia do esfíncter anal. Disso resulta duplo distúrbio, em que à dificuldade motora agrega-se o obstáculo para evacuar. Para que haja eliminação fecal é necessário que a pressão retal ultrapasse a anal, havendo um gradiente reto-anal. O objetivo do trabalho foi avaliar este gradiente em 29 pacientes portadores de megacólon, em que as pressões retais e anais foram medidas ao evacuar, comparadas com pessoas normais. Os resultados mostraram que havia pressão retal em centímetros de água aumentada em homens (72,2 ± 29,1) e mulheres (64,5 ± 20,1), superando as respectivas pressões anais de evacuação (66,4 ± 23,2 e 62,1 ± 28,7). As pressões de evacuação, por sua vez, eram muito maiores que as do grupo controle. Isto permitiu concluir haver uma reação adaptativa com maior esforço muscular para evacuar, a fim de superar o obstáculo da acalasia.
Descritores: megacólon, manometria, acalasia, defecação, esfíncter anal.
INTRODUÇÃO
Acredita-se que cerca de 4% dos doentes portadores da Doença de Chagas, sejam acometidos
por megacólon. A doença inicia muitos anos após a inoculação
e caracteriza-se por constipação progressiva, de início
tratada com laxativos. Com a progressão da moléstia
estes medicamentos tornam-se insuficientes, tendo-se de
recorrer a clisteres para obter evacuação satisfatória.
Neste período sobrevêm complicações, como os volvos e
a formação de fecalomas. A existência delas é que leva
a indicar a cirurgia como forma preferencial de tratamento.
Há tempos são conhecidas as
alterações fisiopatológicas mais importantes, mas não foram
suficientemente divulgadas para dar uma
compreensão global do problema. Assim, são descritas as lesões
dos plexos mioentéricos, que afetam extensões
variáveis do cólon e reto, e determinam alterações
funcionais caracterizadas por hiperexcitabilidade das fibras
musculares da parede do intestino e discinesia. A
alteração motora determina estase por defeito de
propulsão, dilatação, hipertrofia muscular e da própria
víscera. Além desses afeitos, descreve-se a acalasia do
esfíncter interno do ânus, que causa obstáculo à evacuação
por falta de relaxamento anal no momento da
exoneração. Estas alterações são de conhecimento antigo e
foram descritas por diversos autores
1,2,3,4.
A evidência clínica e manométrica da
acalasia levou a uma série de tentativas terapêuticas, com
vários procedimentos cirúrgicos destinados a remover
o empecilho representado pelo ânus não relaxável
ao esforço de evacuação. Propôs-se tratar do
distúrbio funcional anal por esfincterotomia pelve-retal,
dilatações anais forçadas manuais ou instrumentais,
ano-reto-miotomia com diferentes extensões. Estes
procedimentos foram sendo paulatinamente abandonados. As
razões para tanto decorreram da falta de resultados
funcionais satisfatórios após as operações. Algumas vezes
praticaram-se processos combinados anais e colo-retais,
com ressecções associadas a tratamentos sobre o ânus,
com resultados variáveis e dependentes do tipo de
casuística relacionada. Em vista dos fracassos dos procedimentos
especificamente sobre o ânus, ficou clara a
importância de outros fatores. Ressalta-se a importância
fundamental da discinesia do reto e sigmóide, quando não de todo
o cólon. Estas alterações funcionais, em conjunto
podendo ser denominadas como inércia do cólon, passaram a
ter cada vez maior importância. Disso resultou uma série
de operações de ressecção do reto e sigmóide, ou
segmentos ainda mais alargados do cólon, a fim de corrigir
a discinesia ou inércia. A partir de reto-sigmoidectomias
que visavam o segmento retal e sigmoideano,
considerados mais afetados pelo dano da inervação, chegou-se a
realizar colectomias mais extensas 5,6.
Atualmente fica claro que o problema fisiopatológico do megacólon adquirido reside em uma
dupla alteração. Há a inércia do cólon associada à acalasia
do ânus, combinados de forma variável e somente
quantificáveis por métodos modernos de medida manométrica e
funcional. É também evidente que o tratamento deve atender
às duas condições patológicas básicas.
No que se refere à acalasia, novos estudos
fisiológicos se impõem, pois os conhecimentos do
distúrbio funcional ainda apresentam incertezas
7,8. Entre elas o conceito do gradiente de pressão reto-anal, como
a relação entre as pressões intra-retais e do canal anal
à evacuação. Tal conceito se justifica, pois a
evacuação só será possível se no momento da exoneração a
pressão retal for superior à anal. Ora, o reto de
paciente com megacólon, amplo e complacente, sem
atividade motora coordenada, age como bolsa com
conteúdo aéreo e fecal, inativa. A exoneração somente será
efetivada quando a pressão intra-retal, desencadeada
por forte contração da parede abdominal, superar a
pressão anal de evacuação.
OBJETIVO
O objetivo do estudo é verificar quais as
pressões retais e anais obtidas em pacientes
chagásicos com megacólon avançado, a fim de verificar se as
pressões intra-retais no momento da evacuação
podem superar as anais no mesmo instante, de modo a
haver uma razão maior que 1 entre estas medidas. O
gradiente reto-anal, por conseguinte, mede a capacidade
de vencer a acalasia e mede, nestes casos, um dos
distúrbios funcionais mais importantes.
BASES FISIOPATOLÓGICAS DO ESTUDO
Durante a evacuação de um indivíduo
normal, as fezes são depositadas no reto por grandes
movimentos peristálticos de massa, que projetam o
material na luz retal quase virtual, a não ser por pequenos
volumes residuais fecais ou de gases. Esta deposição
determina sensações perceptíveis e reflexas, a partir
de um volume em torno de 50 ml . Com o aumento do conteúdo, a sensação passa a ser constante. Para
que estes fenômenos sejam percebidos pela
consciência, deve haver integridade de vias nervosas, que a
partir de receptores nas paredes, levam os estímulos
ao encéfalo. A sensação de desejo de evacuar,
portanto, depende de integridade nervosa. Ao contrair-se a
parede do abdome no momento da evacuação, a
pressão intra-retal atinge níveis altos e o ânus
relaxa reflexamente. A evacuação ocorre a seguir pela
abertura do canal anal. Ora, nos portadores de
megacólon as vias nervosas estão destruídas, de modo que não
há respostas fisiológicas normais. A complacência é
muito maior. Não há sensação definida de desejo de
evacuar e o reflexo reto-anal pode estar abolido. Não
há relaxamento esfincteriano reflexo (acalasia). Em
conseqüência, a evacuação se processa por um
modelo simples de aumento da pressão intra-retal,
secundária à contração da parede abdominal, que
necessariamente deverá superar a pressão anal à evacuação.
CASUÍSTICA E MÉTODO
Vinte e nove doentes, 19 mulheres e 10 homens, acometidos por megacólon foram incluídos
no estudo, enviados para exames de avaliação na área
de Fisiologia Anal da Disciplina de Coloproctologia
do Departamento de Cirurgia da Santa Casa de São
Paulo. Comprovou-se a existência da doença de Chagas
e antecedentes de resistência à
terapêutica medicamentosa e/ou referência a formação de
fecaloma ou volvo. Foi em todos realizada manometria anal
por meio de aparelho portátil munido de balão
preenchido por água. O registro gráfico foi obtido por
transdutor, que transmitia a energia física da compressão do
balão de látex ,com 0,5 cm de diâmetro, a um
registrador gráfico digital. As medidas obtidas representam
centímetros de água. Mediram-se, sem preparo
especial do cólon, as pressões retais e anais no momento
da simulação do esforço de evacuar. Cada medida
era repetida três vezes a cada centímetro, por tração
da sonda desde 6 cm (reto) até a região determinada
como de maior pressão de repouso no canal anal. Neste
local avaliou-se a menor pressão obtida durante o
esforço de evacuação, para medir o relaxamento
fisiológico produzido pelo ato de evacuar. Em cada ponto de
parada foram realizadas três medidas ,
considerando-se para cálculo a maior pressão no reto (capacidade
de expulsão) e a menor no canal anal (relaxamento).
Para comparar os valores com um padrão de
normalidade, foram utilizados os dados obtidos por
Aguida9 que examinou 60 homens e 60 mulheres sem doença colo-retal.
RESULTADOS
As pressões retais e anais à evacuação
encontradas estão relacionadas nas tabelas 1 a 4, onde se
comparam os grupos submetidos à análise e as medidas
de pressão. Os valores encontrados foram submetidos
à análise estatística, aplicando-se o teste t de Student,
considerando-se 0,05 como índice de significância.
Foram comparados os grupos amostrais de portadores de megacólon e o grupo controle,
separados por sexo e assinaladas as respectivas médias
de idade (Tabela 1). A seguir foram comparadas em
conjunto as pressões retais (capacidade de expulsão)
e anais (relaxamento) no momento da evacuação de
todos os 29 doentes, observando-se consideráveis
diferenças entre o grupo de megacólon e controle
(Tabela 2). Fica claro que a pressão retal à evacuação
(p=0,01) e a pressão anal são muito maiores no grupo
megacólon. Os valores significam que não há, em média,
relaxamento anal à evacuação, indicativo da
acalasia (p=0,000). No grupo controle a pressão de
evacuação é significativamente mais baixa. As pressões retais
à evacuação foram maiores entre as mulheres
com megacólon e o grupo controle (p=0,009), e a
diferença entre as pressões de evacuação foram
evidentes (p=0,000) (Tabela 3). Da mesma maneira entre os
homens, onde as pressões retais e anais foram
nitidamente maiores no grupo de portadores do
megacólon (p=0,025), ficou claro o esforço necessário para
vencer a falta de relaxamento à evacuação (Tabela 4).
ABSTRACT: Megacolon is the result of an extensive lesion of the mioenteric plexus, with lack of motor coordination and achalasia of the anal sphincter. The motility disorder caused by the muscle contraction problems added to a mechanical obstacle results cause constipation. The defecation rectal pressure increases and reaches its peak with the start of fecal flow, exceeding the anal pressure. The objective of this work was to assess the ratio of rectal / anal pressure on 29 megacolon sufferers, compared to normal subjects. Results have shown that defecation rectal pressure was higher than expected for both men (72,2 ± 29,1 cm water) and women (64,5 ± 20,1 cm water) exceeding the defecation anal pressure (66,4 ± 23,2 and 62,1 ± 28,7 cm water, for men and women, respectively). The defecation pressures were much higher than those of the control group, what led to the conclusion that as an adaptive reaction, muscular effort increases to make evacuation possible.
Key words: Keywords: megacolon, manometry, achalasia, defecation, anal sphincter.
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Endereço para correspondência:
Dr. Wilmar Artur Klug
Alameda Ribeirão Preto, nº 487 - Ap 103
São Paulo - SP
01331-001
Fone (11) 9869-3166
Recebido em 06/08/2007
Aceito para publicação em 21/08/2007
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.