ARTIGOS ORIGINAIS
ASPECTOS RELEVANTES DA ANESTESIA NA VIDEOCIRURGIA COLORRETAL
Relevants Aspects of Anesthesia in Laparoscopic Colorectal Surgery
Adriane Maria Gori Pedroso1; Lauro Marubayashi1; Regina Gori1; Miguel Ângelo Pedroso2; Renato Arione Lupinacci2
1 Serviço de Anestesiologia do Hospital Santa Paula _ São Paulo - SP; 2 Serviço de Cirurgia Geral do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo - SP.
RESUMO: Os procedimentos cirúrgicos incluindo a videolaparoscopia são realizados atualmente de forma cada vez mais freqüente, existindo fortes evidências de que sejam acompanhados de uma menor resposta dolorosa, inflamatória, endócrina e metabólica ao trauma operatório quando comparada à cirurgia convencional. Entretanto, algumas de suas características próprias obrigam à uma visão dos aspectos relacionados não apenas à prática cirúrgica, mas também aos procedimentos anestésicos envolvidos, os quais poderão, se inadequados, inviabilizar ou comprometer seriamente a realização da cirurgia pela via laparoscópica.Dentre essas características próprias, destacamos em especial a necessidade do uso prolongado do pneumoperitônio e as freqüentes alterações no posicionamento do paciente. O objetivo do presente trabalho é realizar uma breve revisão dos aspectos fisiológicos presentes, relacionados a cirurgia videolaparoscópica, assim como realizar uma discussão sobre sua influência nos procedimentos anestésicos a serem adotados nestes casos, visando reduzir eventuais efeitos inadequados para o paciente ou para a qualidade do ato operatório.
Descritores: Pneumoperitonio, Pressão Intraabdominal (PIA), Videocirurgia Colorretal , Anestesia, Alterações Fisiológicas.
Pneumoperitônio
Sabemos que as alterações fisiológicas
decorrentes do pneumoperitônio podem resultar
em intercorrências clínicas, em especial, quando
associadas ao posicionamento dos pacientes durante
as videocirurgias colorretais, as quais devem ser minimizadas pelo anestesiologista através de sua
técnica anestésica. Estas alterações se devem ao
aumento da pressão intraabdominal (PIA), onde o dióxido
de carbono (CO2) é o gás mais utilizado e sua
eliminação ocorre apenas pelos pulmões. Durante
o pneumoperitônio, pode ocorrer um aumento da
PaCO2 (pressão parcial do CO2 arterial ) em conseqüência
de vários fatores como a absorção de CO2 pela
cavidade peritonial, piora na relação ventilação-perfusão
através do aparecimento de eventuais
"shunts" intrapulmonares, atelectasias resultantes da
elevação do diafragma e aumento da pressão intratorácica
(decorrentes do aumento da pressão
intra-abdominal)2,4,20. Eventualmente, estas alterações podem ser
minimizadas através da dinâmica ventilatória durante
o ato
anestésico-cirúrgico4. Com relação às
alterações cardiovasculares, é sabido que o aumento da PIA
resulta em aumento da resistência vascular sistêmica
por fatores mecânicos (compressão de artérias e
veias abdominais)3,11,13,19 e fatores humorais como
aumento das concentrações de catecolaminas, hormônios do
sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA:
conseqüente à redução do fluxo sangüíneo renal) e
a vasopressina (neuro-hormônio com liberação
aumentada em vigência do pneumoperitônio por estímulos
de receptores peritoniais e
intracardíacos)6,7,8,9. Além
do aumento da resistência vascular sistêmica, a
elevação da PIA contribui para a compressão das artérias e
veias abdominais, onde associada ao aumento da
pressão intratorácica resulta em diminuição do retorno
venoso, e conseqüentemente do débito
cardíaco10,11,12,13. Em relação à perfusão dos órgãos abdominais,
sabemos que esta é proporcional ao aumento da PIA,
ocorrendo diminuição do fluxo sangüíneo visceral em
aproximadamente: estômago (50%), duodeno (10%),
jejuno (30%), cólon (4%), fígado (35%) e
rins(25%)14. No que diz respeito à perfusão cerebral, sabemos que
esta sofre influências das alterações cardiovasculares,
das alterações da PaCO2, do posicionamento do
paciente no intraoperatório e dos aumentos das pressões
intra-abdomiais e intratorácicas. Como resultado,
observamos um aumento da pressão venosa cerebral, e
conseqüentemente uma maior incidência de edema
cerebral, na maior parte dos casos de caráter transitório,
desaparecendo algumas horas após a deflação
do pneumoperitônio independentemente de
tratamento específico12,22. Sabemos que durante o
pneumoperitônio e o aumento da PIA ocorre ainda uma redução do
retorno venoso, e conseqüente estase venosa em
membros inferiores favorecendo a incidência de
fenômenos tromboembólicos, os quais podem ser
minimizados com uso de perneiras apropriadas e/ou de
meias massageadoras de
panturrilhas13,21.
Posição do Paciente
A dificuldade do acesso manual e instrumentos metálicos para o afastamento de alças
intestinais durante as videocirurgias determina com que a
variação de posicionamento da mesa cirúrgica seja o
principal recurso do cirurgião para a obtenção da
mobilidade destas vísceras, visando à obtenção de um campo
operatório adequado à realização do ato cirúrgico. No
caso específico da videocirurgia colorretal, este aspecto
representa um fator essencial devido à necessidade
de uma grande amplitude de exposições e
procedimentos a serem realizados em todos os quadrantes da
cavidade abdominal. Por outro lado, estas variações
de posicionamento demandam, freqüentemente uma
atenção especial por parte do anestesiologista não
apenas em relação à segurança do paciente, devido ao
risco de deslocamentos abruptos em virtude de uma
fixação inadequada, mas também pelas eventuais
alterações fisiológicas potenciais.
Assim sendo, é de extrema importância
uma atenção especial à fixação do paciente na mesa
cirúrgica, principalmente da região craniana, ombros e
membros inferiores. Além disto, como estas alterações
de posicionamento podem requerer a utilização de
campos esterelizados mais amplos restringindo por vezes
o acesso direto e visual à cabeça do paciente, é
necessário um cuidado especial com a monitorização do
paciente durante a videocirurgia colorretal, sendo
todos os parâmetros relevantes como a freqüência
cardíaca, pressão arterial, ritmo cardíaco, freqüência e ritmo
pulmonares, saturação de oxigênio, tensão expiratória
de CO2, diurese e gasometria seriada (em casos de pneumopatias e/ou procedimentos por tempo
prolongado)16,17.
brAtravés da monitorização mínima adequada,
o anestesiologista terá condições de suspeitar das
graves complicações pelo pneumoperitônio como embolia
gasosa, pneumotórax, pneumomediastino, insuflação
extra peritonial, enfisema subcutanêo e colapso
cardíaco18.
Rotinas anestésicas
específicas em videocirurgia colorretal
Baseado no acima exposto, desenvolvemos hoje em nosso Serviço uma rotina especifica a ser
aplicada em pacientes que serão submetidos a
videocirurgia colorretal, a qual contempla as seguintes etapas:
a. Avaliação Pré-Operatória
Considerando os aspectos fisiológicos
acima expostos, estes pacientes deverão submeter-se a
uma criteriosa avaliação clínica pré-operatória, incluindo
rigorosa investigação de acidentes vasculares
cerebrais prévios, fenômenos tromboembólicos, avaliação
das funções cardíaca, pulmonar, hepática e renal. Nos
casos de pacientes portadores de patologias que
incluam disfunções destes órgãos, na avaliação deverá
constar exames específicos para tais distúrbios.
b. Técnica Anestésica Utilizada
Em relação a melhor técnica anestésica
para videocirurgia colorretal, ou seja, a mais indicada
(seja geral balanceada, geral associada a bloqueios) será
a que oferecer as melhores condições para se
desenvolver a técnica cirúrgica e minimizar os efeitos
fisiológicos causados pelo aumento da PIA durante
o pneumoperitônio.
Em nosso serviço atualmente submetemos
os pacientes à anestesia geral balanceada (
endovenosa + inalatória) e para intubação orotraqueal realizamos
a seqüência rápida : pré oxigenação a 100% em
respiração espontânea, administração do indutor + opióide
seguidos de substância curarizante despolarizante
( succinilcolina ) ou curarizante de início de ação
rápida. Frente a isso, evitamos a ventilação manual prévia
à intubação e na seqüência após instituída a
ventilação mecânica, realizamos a passagem de sonda nasogástrica.
Esta intubação em seqüência rápida tem
se mostrado de grande valor no sentido de reduzir um
grande problema na videocirurgia colorretal,
representado pela distensão de alças de intestino delgado, as
quais por vezes restringem de forma importante a
visibilidade do campo operatório podendo mesmo inviabilizar
o acesso videolaparoscópico. Baseado em nossa
experiência, verificamos que evitando-se a distensão
gasosa gástrica, conseguimos menor distensão das alças
intestinais, e conseqüentemente maior adinamia das
mesmas. Tal fato associado a excelente curarização e
plano anestésico adequado, facilita em muito o
desenvolver da técnica cirúrgica e diminui a intensidade
das alterações pós pneumoperitônio. Atualmente tem
sido raro o uso de escopolamina para obter adinamia
das alças, exceto em casos eventuais onde haja um
componente semi- obstrutivo.
Em relação a hidratação endovenosa,
realizamos a reposição do jejum (lembrando do tipo de
preparo) e possíveis perdas do intra-operatório ( em
média 8-10ml/kg/h de cristalóides), considerando que as
alterações causadas pelo pneumoperitonio ( diminuição
da perfusão / compressão de parênquima renal =
ativação SRAA) podem resultar em baixo ou ausente
débito urinário, independentemente do grau de
hidratação. No caso de hiper-hidratação com cristalóides,
pode ocorrer certo grau de edema em alças intestinais
(principalmente da camada serosa) o que aumentaria a
incidência de lesão destas alças através do
pinçamento e/ou complicações com anastomoses das mesmas.
Como citado anteriormente, o aumento da pressão venosa cerebral resultante do aumento da PIA
e pressão intratorácica, associado muitas vezes à
posição de céfalodeclive prolongada, poderá ocasionar
diversos graus de edema cerebral, o qual tem sido
muito minimizado em nossos pacientes através do ajuste
da mecânica ventilatória no intra-operatório, optando
por volume corrente menor e alta freqüência
respiratória associada a menor pressão intratorácica possível.
Ainda relacionado ao intra-operatório
devemos estar atentos a situações de alterações
hidroeletrolíticas, do equilíbrio ácido _ básico (por jejum prolongado,
preparos de cólon e outros) podendo resultar em
estados de acidose metabólica, comprometendo a ação
dos curares.
Paciente portador de patologia pulmonar, porém em condições de submeter-se a
vídeolaparoscopia, e nos casos de edema cerebral significativo, poderá
ter indicação de ventilação mecânica por tempo mais
prolongado no pós- operatório imediato, quando
comparado com outros pacientes.
Como terapêutica preventiva de
fenômenos tromboembólicos, adotamos o uso de perneiras
apropriadas no intra-operatório, deambulação precoce e
em casos de patologias oncológicas e/ou antecedentes
de tromboembolismo, o uso de anticoagulantes
subcutâneo no pós-operatório imediato, embora suscetível
de questionamento. Para prevenção de náuseas e
vômitos utilizamos dexametazona e ondansetrona de
rotina logo após a indução anestésica e mantemos
a ondansetrona no pós-operatório.
Para analgesia pós-cirúrgica, seguimos os
mesmos critérios utilizados em cirurgias pela técnica
convencional, associando antiinflamatórios não
hormonais (cetoprofeno, tenoxican, dipirona) se não houver
contra indicação e opióides (nalbufina, meperidina,
morfina) conforme indicação.
ABSTRACT: Nowadays, compared to conventional surgery, the increased use of the video-laparoscopic approach in surgery is based on strong evidences of decreased pain, inflammatory, endocrine and metabolic patient response to surgical trauma. However, considering some particularities of its own, it is important to acknowledge aspects of not only the surgical procedure itself, but also of the anesthetic procedures carried out on the patient, which, if inadequately conducted, could seriously jeopardize or compromise the success of the video-laparoscopic surgical intervention. Among these particularities, we would like to specially enhance the need for extended pneumoperitonium applications, as well as the frequent alterations that occur during patient positioning. The main target of this current report, focusing on the reduction of eventual unwanted side effects for the patient or of the quality of the operation, is to briefly review the physiological aspects involved in video-laparoscopic surgery, as well as to discuss their influences on the anesthetic procedures conducted in theses cases.
Key Words: pneumoperitonium, intra-abdominal pressure (IAP), laparoscopic colorectal surgery, anesthesia, physiological alterations.
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Endereço para correspondência:
Adriane Maria Gori Pedroso
Rua Velho Realejo N° 261
Condomínio Monte Belo
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Salto SP
Fax: (011) 4602-2567
E-mail: pedroso.gori@uol.com.br
Recebido em 16/05/2007
Aceito para publicação em 18/06/2007
Trabalho realizado no Serviço de Anestesiologia do Hospital Santa Paula - SP e no Serviço de Cirurgia Geral do Hospital do Servidor Publico Estadual - SP.