ARTIGOS ORIGINAIS
AVALIAÇÃO DA INCIDÊNCIA E DE FATORES DE RISCO PARA A COLITE ISQUÊMICA APÓS REPARO DE ANEURISMA DE AORTA ABDOMINAL
Avaliation of Incidence and Risk Factors for Ischemic Colitis Following Abdominal Aortic Aneurism Repair
Gilmara Pandolfo1; LÚcio Sarubbi Fillmann2; Henrique Sarubbi Fillmann3; Erico Ernesto Pretzel Fillmann2; JoÃo Batista Petracco2; Marco AntÔnio Goldani2
1 Médica proctologista; 2 Professores do departamento de cirurgia FAMED-PUCRS; 3 Médico proctologista do Serviço de colo-proctologia do HSL-PUCRS.
RESUMO: Este estudo teve como objetivo principal determinar a incidência da colite isquêmica após o reparo de aneurisma de aorta abdominal, bem como identificar fatores de risco para o desenvolvimento da mesma. Foram estudados 11 pacientes submetidos a reparo cirúrgico eletivo de aneurisma de aorta abdominal no Serviço de Cirurgia Cardiovascular do HSL-PUCRS. A incidência de colite isquêmica foi determinada através de retossigmoidoscopia flexível, com biópsia, realizada em todos os pacientes no 7º pós-operatório. A incidência da doença foi comparada com variáveis clínicas como: sexo; idade; presença de comorbidades associadas; choque trans-operatório; fluxo na artéria mesentérica inferior (AMI); complicações pós-operatórias; e o desfecho final. Em nossa amostra, a incidência da colite isquêmica após o reparo de aneurisma de aorta abdominal foi 36%, sendo destes 25% da forma gangrenosa. A ocorrência de isquemia do cólon foi mais freqüente em associação com o diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva crônica, e em pacientes que apresentavam fluxo na artéria mesentérica inferior no pré-operatório (p<0,05). Em conclusão, neste grupo de pacientes, a incidência de colite isquêmica foi superior à descrita na literatura. A presença de DPOC e pulso na AMI no pré-operatório foram preditivos de ocorrência de colite isquêmica, após o reparo de aneurisma de aorta abdominal.
Descritores: isquemia colorretal, aneurisma de aorta, tratamento cirúrgico.
INTRODUÇÃO
A colite isquêmica foi inicialmente descrita
por Marston, em 1966, como uma entidade clínica
caracterizada pela insuficiência de circulação sangüínea
no cólon, resultando em vários graus de necrose
tecidual local e manifestações sistêmicas (1).
Trata-se de uma infreqüente porém grave
complicação da cirurgia de aorta abdominal, sendo o
cólon sigmóide o segmento mais afetado (2,3,4,5). Quando
é considerado apenas o quadro clínico, a incidência
de isquemia colônica após a correção de
dilatações aneurismáticas da aorta abdominal é de
aproximadamente 1% a 2% (1,2,3,6,7,8,9). Quando é
realizada retossigmoidoscopia flexível ou colonoscopia
pós-operatória de rotina, tais índices chegam a 7%(10).
Hagihara encontrou o desenvolvimento de colite isquêmica
em 60% dos pacientes que realizaram cirurgia para o
reparo de aneurisma de aorta abdominal roto (10).
A mortalidade geral dos pacientes com colite isquêmica é de 50%, sendo maior nos casos que
necessitam de intervenção cirúrgica (1). Por se tratar
de uma entidade clínica infreqüente, de elevada
morbi-mortalidade e com escassos métodos diagnósticos
da fase aguda, procuramos, através deste estudo,
identificar a incidência e a mortalidade da colite
isquêmica após a correção de aneurismas de aorta abdominal
em nosso meio, e avaliar a existência de possíveis
fatores de risco para o desenvolvimento desta complicação.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram estudados 11 pacientes consecutivos
que foram submetidos ao reparo cirúrgico eletivo
de aneurisma de aorta abdominal no Serviço de
Cirurgia Cardiovascular do Hospital São Lucas da
PUCRS (HSL-PUCRS) no período de 14 meses do
estudo. Os critérios de exclusão foram a realização da
cirurgia em caráter de emergência, e o não fornecimento
do consentimento informado pelo paciente.
A avaliação da incidência da colite
isquêmica foi determinada através da realização
de retossigmoidoscopia flexível, com biópsia, pelo
Serviço de Coloproctologia do HSL-PUCRS, em todos os
pacientes, no 7º pós-operatório da cirurgia de reparo
de aneurisma de aorta abdominal. Foram
considerados achados endoscópicos característicos de
isquemia colônica, a presença de sufusões hemorrágicas
na submucosa, associadas ou não à formação de
úlceras, e a presença de necrose da mucosa com ou sem
extensão à parede do intestino
Os achados endoscópicos foram também
comparados com as seguintes variáveis do estudo:
sexo; idade; presença de comorbidades associadas no
pré-operatório (diabete mellitus, dislipidemia,
hipertensão arterial sistêmica, doença pulmonar obstrutiva
crônica, tabagismo, cardiopatia isquêmica, história de
infarto agudo do miocárdio, insuficiência renal e
acidente vascular encefálico); choque no período
trans-operatório; presença/ausência de fluxo na artéria
mesentérica inferior (AMI), avaliado através da arteriografia no
pré-operatório e palpação do vaso no trans-operatório;
complicações pós-operatórias; e o desfecho final.
Os resultados foram analisados através
da aplicação do Teste exato de Fisher. Valores com
p<0,05 foram interpretados como indicativos de
significância estatística.
RESULTADOS
Dos 11 casos estudados, apenas um (9%) era do sexo feminino. A média de idade foi 64 anos.
Com relação às comorbidades, a hipertensão
arterial sistêmica foi o diagnóstico mais freqüente (73%),
seguida de cardiopatia isquêmica (55%),
dislipidemia (46%), diabete mellitus (30%), doença
pulmonar obstrutiva crônica (27%), infarto agudo do
miocárdio (9%), insuficiência renal (9%) e insuficiência
cardíaca (9%). Além disso, 64% dos pacientes estudados
eram tabagistas.
Com relação à incidência de isquemia
colônica, quatro dos 11 indivíduos analisados apresentaram
evidência endoscópica e anátomo-patológica de
sofrimento vascular do intestino. Um destes pacientes (25%)
apresentou manifestações clínicas de colite isquêmica
em sua forma gangrenosa, necessitando de
intervenção cirúrgica. Nos três casos restantes (75%), os
achados endoscópicos foram compatíveis com a forma leve e
transitória da doença, sendo observadas petéquias
e sufusões hemorrágicas na mucosa e submucosa,
sendo o diagnóstico corroborado por anátomo-patológico.
A doença pulmonar obstrutiva crônica
(DPOC) se mostrou uma condição clínica fortemente
relacionada com o desenvolvimento da colite isquêmica.
Em nossa série, todos os portadores de DPOC
desenvolveram isquemia colônica no pós-operatório. Entre os 8
pacientes restantes sem enfermidades pulmonares
crônicas incluídos em nossa casuística, apenas um
desenvolveu a colite (12,5%). A comparação entre a
incidência de isquemia colônica entre os grupos com e
sem DPOC se mostrou estatisticamente significativa (p<0,02). (figura 1).
Figura 1 - Ocorrência de isquemia associada à DPOC. |
Figura 2 - Isquemia colônica pós ligadura da AMI no
trans-operatório. |
ABSTRACT: Ischemic colitis is a relatively uncommon complication following abdominal aortic aneurism repair. However, patients with this disease have higher rates of mortality when compared to ischemic colitis alone. The objective of our study is to investigate the incidence and risk factors associated with the occurrence of ischemic colitis following abdominal aortic aneurism repair. We studied eleven patients treated by surgery for aortic aneurism at Hospital São Lucas da PUCRS (HSL-PUCRS). The patients were evaluated for other clinical conditions and were submitted to flexible reto-sigmoidoscopy at the seventh day after surgery. Incidence of ischemic colitis was 36% and it was associated with chronic obstructive pulmonar disease and the presence of blood flow through the inferior mesenteric artery before surgery. Among the patients with colitis, 25% presented the gangrenous form of the disease. Mortality was 25%, and 75% of the patients have only endoscopic manifestations. In conclusion, incidence of ischemic colitis in our study was higher than observed in the literature and it was associated with chronic obstructive pulmonar disease and the presence of blood flow through the inferior mesenteric artery before the surgical treatment for the aneurism.
Key words: colorectal ischemia, aortic aneurism, surgical treatment.
Referências
1. Toursarkissian B et al. Ischemic colitis.
Surg-Clin-North-Am; 1997, 77(2): 461-70.
2. Bayne SR et al. A rare complication in elective repair of
na abdominal aortic aneurysm: multiple transmural
colonic inferts secondary to atheroemboli. Am-Vasc-Surg; 1994,
8(3): 290-5.
3. Longo WE et al. Ischemic colitis complicating
abdominal aortic aneurysm surgery in the U.S. veteran.
J-Surg-Res; 1996, 60(2): 351-4.
4. Sandinson AJP et al. A 4-year prospective audit of the
cause of death after infrarenal aortic aneurysm surgery.
Br-J-Surg; 1996, 83(10): 1386-9.
5. Valentine RJ et al. Gastrointestinal complications after
aortic surgery. J-Vasc-Surg; 1998, 28(3): 404-11.
6. Piotrowski JJ et al. Colonic ischemia: the achilles heel of
ruptured aortic aneurysm repair. Am-Surg; 1996, 62(7): 557-60.
7. Bjorck M et al. Risk factors for intestinal ischaemia
after aortoiliac surgery: a combined cohort and case-control
study of 2824 operations. Eur-J-Vasc-Endovasc_surg; 1997,
13(6): 531-9.
8. Mackay C et al. Case report: rectal infarction after
abdominal aortic surgery. Br-J-Radiol; 1994, 67(797): 497-8.
9. Bjorck M et al. Incidence and clinical presentation of
bowel ischaemia after aortoiliac surgery - 2930 operations from
a population-based registry in Sweden.
Eur-J-Endovasc-Surg; 1996, 12(2): 139-44.
10. Hagihara PF et al. Incidence of ischaemic colitis
following abdominal aortic reconstruction. Surg-Gynaecol-Obstet;
1979, 149: 571-3.
11. Poeze M et al. D-lactate as na early marker of
intestinal ischaemic after ruptured abdominal aortic aneurysm
repair. Br-J-Surg; 1998, 85(9): 1221-4.
Endereço para correspondência:
Av. Ipiranga, 6690
Centro Clínico HSL-PUCRS, conjunto 307
Porto Alegre - RS
90610-000
Tel.: 3336-5254
Recebido em 27/06/2007
Aceito para publicação em 14/08/2007
Trabalho realizado no Serviço De Coloproctologia do Hospital São Lucas da PUCRS.