ARTIGOS ORIGINAIS
ESFINCTEROTOMIA LATERAL INTERNA ASSOCIADA À HEMORROIDECTOMIA NO TRATAMENTO DA DOENÇA HEMORROIDÁRIA. VANTAGEM OU DESVANTAGEM?
Open Haemorrhoidectomy with Associated Lateral Internal Sphincterotomy for Treatment of Haemorrhoids: Advantage or Disadvantage?
3 HÉLIO MOREIRA JUNIOR; 3 JOSÉ PAULO TEIXEIRA MOREIRA; 1 HÉLIO MOREIRA; 4 CINTHIA SATOMI IGUMA; 2 ARMINDA CAETANO ALMEIDA; 3 CRISTIANO NUNES DE MAGALHÃES
1 Prof. Titular/Chefe do Serv. Coloproctologia - Fac. Medicina U. F. Goiás; 2 Prof. Serv. Coloproctologia - Fac. Medicina U. F. Goiás; 3 Membros do staff Serviço de Coloproctologia - Fac..Medicina UF Goiás; 4 Ex-residente do Serviço de Coloproctologia - Fac. Medicina. UF Goiás.
RESUMO: Racional: A importância de realizar-se esfincterotomia concomitantemente com hemorroidectomia, para melhor controle de dor pós-operatória, ainda é motivo de grande discussão acadêmica. Objetivos: Estudar as implicações clínicas da esfincterotomia lateral interna associada à hemorroidectomia, no tratamento cirúrgico da doença hemorroidária. Pacientes e Métodos: Foram avaliados 20 pacientes portadores de doença hemorroidária, submetidos à "hemorroidectomia aberta" pela técnica de Miligan-Morgan, distribuídos em dois grupos: Grupo 1: Hemorroidectomia sem esfincterotomia (sem ELI) e Grupo 2: Hemorroidectomia com esfincterotomia (com ELI). Analisou-se a dor e a continência anal pós-operatória utilizando-se parâmetros clínicos e manométricos. A dor, complicações pós-operatórias e a presença de sintomas de incontinência anal foram avaliadas no pós-operatório. Todos os pacientes foram submetidos à eletromanometria anorretal, tanto no pré como no pós-operatório, e os dados coletados foram comparados entre os dois grupos de estudo. Resultados: Não houve diferença, entre os dois grupos, na incidência de complicações pós-operatórias. O uso de narcóticos foi maior no Grupo I nas 1as 24 horas. Entretanto, a dor foi maior no Grupo II no 3º e 7º dia de pós-operatório. O tempo de cicatrização da ferida operatória foi semelhante nos dois grupos. A incidência de sintomas de incontinência anal foi significativamente maior para o grupo tratado com esfincterotomia. Conclusão: A esfincterotomia lateral interna associada à hemorroidectomia para o tratamento de doença hemorroidária avançada não reduziu a dor pós-operatória, além de ter aumentado o risco de incontinência anal.
Descritores: Doença hemorroidária, Hemorroidectomia, Esfincterotomia, Eletromanometria.
INTRODUCÃO
Ao longo dos anos sempre houve muita polêmica em torno do termo "hemorróidas", que
geralmente é usado no plural e no sentido de indicar
afecção hemorroidária sintomática.
Após a publicação do trabalho de
Thomson1, tem sido cada vez mais aceito que as hemorróidas
são verdadeiros coxins de tecido conectivo
fibroelástico, ricos em plexos vasculares e com
múltiplas anastomoses arteriovenosas, situados na submucosa
da região anorretal, sendo considerados elementos
importantes no mecanismo da continência anal.
Do ponto de vista etiopatogênico, o
reconhecimento anatômico desses coxins reforça a teoria
do deslizamento do assoalho anal1,2 e explica, de
maneira satisfatória, a evolução das hemorróidas ao longo
das faixas etárias, com o aparecimento dos sintomas
em virtude da perda da elasticidade e da rotura dos
elementos estruturais de sustentação
Devido ao fato do tecido hemorroidário
estar presente desde o nascimento do indivíduo, quando
as estruturas estão intactas, considera-se patológico
apenas hemorróidas que produzem sintomas. Para
efeito de conceituação, utilizaremos à designação
"doença hemorroidária" para indicar apenas os casos
sintomáticos.
A doença hemorroidária é uma afecção
bastante comum nos consultórios de coloproctologia e
o seu tratamento, dependendo do quadro evolutivo,
recai em duas modalidades principais: não cirúrgicas e
cirúrgicas. Em muitos pacientes, os sintomas podem ser
tratados e muitas vezes são realmente aliviados
utilizando-se de medidas simples como a orientação para
melhor higiene local, melhor hábito dietético e
prevenção do esforço evacuatório excessivo com correção
do hábito intestinal.
A hemorroidectomia, quando bem indicada e tecnicamente bem conduzida, é a modalidade de
tratamento que traz melhores resultados terapêuticos
para a doença hemorroidária e deverá ser sempre
considerada nos seguintes casos:
. pacientes que não respondem às
repetidas tentativas de tratamento clínico;
. hemorróidas prolapsadas e que exijam
freqüentes reduções manuais;
. hemorróidas complicadas por
estrangulamento, trombose ou alguma outra lesão associada, como
a fissura anal, por exemplo.
Com o progresso tecnológico da medicina,
novos equipamentos vêm sendo incorporados à
prática médica e o uso de alguns deles permite estudar,
cada vez mais detalhadamente, a fisiologia do cólon, reto
e do ânus. Um destes métodos é a
eletromanometria anorretal, capaz de fornecer valiosas informações
sobre a fisiologia anorretal e do assoalho pélvico.
Este exame auxilia os estudos das pressões
esfincterianas, da sensibilidade, da capacidade e da complacência
retal e do reflexo inibitório retoanal. A determinação
das pressões anais de forma mais precisa pode levar a
decisões terapêuticas mais
objetivas3. Além disso, a avaliação eletromanométrica pode, também, ser
usada como um padrão, para comparação de resultados
funcionais depois de determinado tratamento3,
4.
Vários estudos de eletromanometria
anorretal demonstraram que, pacientes portadores de
doença hemorroidária, podem apresentar pressão do canal
anal aumentada, semelhantemente ao que ocorre na
fissura anal4,5,7,8. Existem vários relatos na literatura que
mostram que a hipertonia do esfíncter interno do ânus
exerce um papel etiológico, tanto no desenvolvimento
da fissura anal, como na doença
hemorroidária6,9 .
Alguns autores sugerem que a esfincterotomia lateral interna associada à hemorroidectomia,
pode contribuir para uma melhor evolução clínica no
pós-operatório (redução da dor, da retenção urinária,
da estenose anal e do tempo de cicatrização da
ferida operatória)4,10_13. No entanto, a esfincterotomia,
apesar de ter seu valor comprovado no tratamento
de fissuras anais crônicas, mostrando bons resultados
no relaxamento do esfíncter interno do ânus e
conseqüente cicatrização da ferida fissurária, provoca
alterações esfincterianas irreversíveis, permanentes,
podendo mesmo causar algum grau de incontinência
fecal14, 15.
Baseados nestas evidências consideramos oportuno e principalmente importante a avaliação,
tanto clínica como fisiológica (manometria anorretal),
de pacientes submetidos à hemorroidectomia acrescida
de esfincterotomia lateral, no sentido de trazer novos
subsídios para o tratamento da doença hemorroidária.
OBJETIVOS
Os objetivos desse estudo foram o de determinar se a esfincterotomia lateral interna associada
à hemorroidectomia, no tratamento cirúrgico da
doença hemorroidária, contribui para a redução da dor no
pós-operatório (PO), assim como para a diminuição do
tempo de cicatrização, da possível retenção urinária e
da estenose anal, além de avaliar clinicamente
e manometricamente a incidência de incontinência
fecal, e comparar estes resultados antes e após o
tratamento cirúrgico.
PACIENTES E MÉTODOS
Este estudo foi realizado no Serviço de Coloproctologia do Departamento de Cirurgia da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Goiás, coletando-se os dados de um banco
computadorizado que armazena informações dos pacientes tratados
pelo Serviço, de forma prospectiva, durante o período
de Maio de 2001 a Junho de 2002.
Foram identificados 20 pacientes portadores de doença hemorroidária, com indicação de
tratamento cirúrgico, e que preenchiam os seguintes critérios
de inclusão:
1) Idade até no máximo 45 anos;
2) Doença hemorroidária interna, externa
ou mista não complicada (trombose,
pseudo-estrangulamento), com indicação de tratamento cirúrgico;
3) Ausência de doenças orificiais associadas;
4) Ausência de cirurgias orificiais prévias
ou antecedentes de trauma no local;
5) Ausência de queixas clínicas de
incontinência fecal no pré-operatório.
6) Manometria anorretal no pré e pós _
operatório.
Esses pacientes formaram dois grupos de estudo, sendo a inclusão em cada grupo definida de
forma aleatória, de acordo com a preferência do
cirurgião que operou cada caso:
Grupo 1: Hemorroidectomia sem esfincterotomia
Grupo 2: Hemorroidectomia com esfincterotomia
Todos os pacientes foram submetidos à hemorroidectomia pela técnica aberta, obedecendo
aos detalhes preconizados por Milligan-Morgan,
associada ou não a esfincterotomia lateral interna. Os
pacientes selecionados foram submetidos à
anestesia raquimedular e restrição de liquido endovenoso
durante o procedimento cirúrgico para que não houvesse
interferência da hidratação na avaliação de possível
retenção urinária no pós-operatório. Não foi
realizado antibioticoterapia em nenhum destes pacientes
estudados. Não foi utilizado eletrocautério e nem foram
feitas infiltrações anestésicas locais em nenhum dos
pacientes. A esfincterotomia, quando realizada, foi
feita na porção lateral esquerda do esfíncter interno do
ânus, com secção de aproximadamente 1/3 da sua extensão.
Todos os pacientes permaneceram internados pelo
período de 24 horas após a realização do
procedimento cirúrgico para melhor avaliação da dor.
A analgesia e cuidados gerais no
pós-operatório foram padronizados da seguinte maneira:
1) Diclofenaco sódico 50 mg VO de 8/8
horas por três dias,
2) Dipirona sódica 500mg VO até a cada
6/6 horas, se necessário, de acordo com a intensidade
da dor;
3) Meperidina _ dose de 0,5mg/kg IM quando necessário, em caso de dor não controlada pelos
analgésicos anteriores, nas primeiras 24 horas.
4) Pomada à base de substância
heparinóide, sem corticóide, recobrindo a ferida operatória - duas
a quatro vezes ao dia,
5) Banhos de assento com água morna de
três a seis vezes ao dia;
6) Orientação básica dietética rica em fibras
e ingestão adequada de líquidos.
<
Na ocasião da alta hospitalar, todos os
pacientes recebiam um formulário contendo uma escala
visual analógica, para avaliação da dor nos primeiros
sete dias após a cirurgia. Essa escala graduava a dor
em três intensidades: sem ou pouca dor, dor moderada
e dor intensa. Foi solicitado aos pacientes o
preenchimento do formulário, em domicílio, conforme a
intensidade da dor no decorrer de cada um dos sete dias.
A dor foi avaliada de três formas:
1) Nas primeiras 24 horas, utilizando-se com parâmetro a necessidade do uso de
analgésicos opiáceos;
2) Do 1º ao 7º dia pós-operatório,
utilizando-se escala analógica visual e a necessidade do uso de
analgésicos;
3) De maneira global, nos 45 dias de acompanhamento ambulatorial, pelas informações verbais
do paciente.
Incontinência fecal foi avaliada,
clinicamente, no pré e pós-operatório, utilizando-se de um
questionário preconizado por outros
autores16 através do qual obtem-se um valor numérico para o grau de
continência, variando de 28 a 128, correspondendo,
respectivamente, à incontinência total e a continência perfeita.
Os pacientes inclusos neste estudo foram revistos, no ambulatório, seis meses após a cirurgia,
para reavaliação clínica final da continência fecal.
Os exames manométricos foram feitos em
um único aparelho e obedeceram à mesma técnica já
descrita e padronizada, anteriormente por outros
autores17. Os valores eletromanométricos, considerados
como normais neste estudo, também foram motivo de
outras publicações na
literatura18.
Análise Estatística
Para análise e interpretação estatística de
variáveis qualitativas envolvendo dados do mesmo
paciente (manometria pré e pós-operatória) foi utilizado
o teste de Wilcoxon; para variáveis qualitativas
envolvendo dados de pacientes em grupos distintos
(Grupo 1 vs. Grupo 2 ; Continente vs. Incontinente)
utilizou-se o Teste Exato de Fisher. No caso de variáveis
quantitativas de grupos distintos, foram utilizados testes
de Médias, tais como Análise de Variância e teste U
de Mann-Whitney. Para comparar a intensidade da
dor pós-operatória entre os grupos 1 e 2, foi utilizado o
teste U de Mann-Whitnney.
RESULTADOS
Foram identificados 20 pacientes que foram aleatoriamente distribuídos nos 2 seguintes grupos:
Grupo 1 (n=10): hemorroidectomia
sem esfincterotomia,
Grupo 2 (n=10): hemorroidectomia
com esfincterotomia.
Os dois grupos foram semelhantes em
relação à idade e ao número de mamilos hemorroidários
ressecados. Apesar da diferença na proporção de
pacientes do sexo feminino e masculino entre o grupo 1 e o
grupo 2, a mesma não foi estatisticamente
significante (p=0,135) (Tabela 1).
Figura 1 - Analgesia, com narcóticos, nas primeiras 24
horas após a cirurgia. |
Figura 2 - Tempo de uso da dipirona para analgesia no
pós-operatório dos pacientes do grupo 1 (sem ELI) e grupo 2
(com ELI). |
Figura 3 - Intensidade da dor no pós-operatório. |
Figura 4 - Gráfico de dispersão dos índices de incontinência dos pacientes do grupo 1 (sem ELI) e do grupo 2 (com ELI). Observe os dois pacientes abaixo do índice 100 de incontinência que apresentavam limitação social. |
ABSTRACT: Background: The importance of using associated sphincterotomy for better pain control in patients who underwent hemorrhoidectomy remains controversial in the literature. Aim: Determine the role of associated sphincterotomy in patients submitted to surgical treatment for hemorrhoids. Patients and Methods: Twenty patients who underwent Milligan Morgan hemorrhoidectomy were distributed in two groups: Group 1: Hemorrhoidectomy without sphincterotomy and Group 2: Hemorrhoidectomy with sphincterotomy. Post-operative pain, complications as well anal continence was evaluated. Moreover, pre and post-operative manometry was performed, and collected data was compared between the two groups of patients. Results: There was no difference in the incidence of post-operative complications. Although group I used more narcotics and analgesics in the post-operative time, pain was significantly higher at 3rd and 7th post-operative day for Group II patients. Wound healing time was similar for both groups. Anal incontinence was significantly higher for patients who underwent sphincterotomy. Conclusion: Hemorrhoidectomy with associated internal lateral sphincterotomy did not reduce post-operative pain, and increased the risk of post-operative incontinence.
Key words: Hemorrhoids, Hemorrhoidectomy, Sphincterotomy, and Manometry.
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Endereço para correspondência:
Prof. Hélio Moreira
Fac. Medicina-U.F.Goiás-Depto.Cirurgia
Serviço de Coloproctologia.
Recebido em 28/11/2006
Aceito para publicação em 25/01/2007
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia da Faculdade de Medicina de Goiás.