ARTIGOS ORIGINAIS
PESQUISA DE SANGUE OCULTO NAS FEZES E CORRELAÇÃO COM ALTERAÇÕES NAS COLONOSCOPIAS
Faecal Occult Blood Test and it's Correlation with Colonoscopic Results
Francisco Luis Altenburg1, Maria de Lourdes Pessole Biondo-SimÕes2, Aline Santiago3
1 Membro Titular da Sociedade Brasileira de Coloproctologia, Mestrando em Cirurgia na Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Paraná. Preceptor de Residência Médica em Cirurgia Geral e Coloproctologia do Hospital Municipal São José e Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, Joinville, Santa Catarina; 2 Doutora em Técnicas Operatórias e Cirurgia Experimental, Mestre em Morfologia , Professora Titular Da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Professora Adjunta da Universidade Federal do Paraná; 3 Residente de Coloproctolgia do Hospital Municipal São José, Joinville, Santa Catarina.
RESUMO: Introdução: Diante do número significativo de casos de câncer colo-retal métodos de rastreamento tornam-se necessários. A pesquisa de sangue oculto (PSO) e tida como apropriada para grandes populações consideradas de baixo risco.
Objetivo: Determinar a incidência de lesões neoplásicas ou pré-neoplásicas em pacientes com PSO positivos ou negativos, e correlacionar com os achados da colonoscopia. Métodos: 67 pacientes foram submetidos à colonoscopia e PSO. As indicações para os exames foram: dor abdominal, alteração do hábito intestinal, e história familiar de câncer colo-retal.
Resultados: 37 pacientes tinham PSO negativa e 30 PSO positiva. Vinte e duas colonoscopias foram normais. As colonoscopias revelaram: pólipos, retocolite ulcerativa, doença diverticular e um tumor. A sensibilidade foi de 46,7%, especificidade de 59,1%, valor preditivo positivo de 70% e negativo de 35,1%. Considerando apenas as lesões malignas ou com potencial , a sensibilidade foi de 76,5%, a especificidade de 66%, o valor preditivo positivo de 43,3% e o negativo de 89,2%. Conclusões: Há necessidade de rastreamento a partir dos 40 anos. A pesquisa de sangue oculto nas fezes, pelo seu baixo custo e caráter não invasivo, apesar da baixa sensibilidade e especificidade, é um bom método para rastreamento de populações consideradas de baixo risco.
Descritores: sangue oculto, neoplasia colorretais, colonoscopia, prevenção secundária, pólipos intestinais.
INTRODUÇÃO
O câncer colo-retal é o quinto câncer mais
diagnosticado no Brasil, e no sudeste do país ocupa
o segundo lugar sendo a quarta causa mais
importante de mortes por câncer no
país1.
É o quarto mais freqüente no mundo e o
segundo nos países desenvolvidos. No Brasil, o
Instituto Nacional do Câncer (INCA) relatou, no ano de
2006, incidência de câncer colo-retal de 12,36 novos
casos para cada 100.000 homens, e de 14,73 para
cada 100.000 mulheres. Este número foi diferente nas
regiões e estados brasileiros. Mostrou-se baixo na
região norte, especialmente no estado do Amapá, onde a
incidência foi de 0,95 casos para cada 100.000 homens
e 1,38 para cada 100.000 mulheres. Apareceu como o terceiro mais freqüente na região sul. O estado do
Rio Grande do Sul foi o que apresentou a maior
incidência brasileira com 27,68 novos casos para cada
100.000 homens e 28,07 para cada 100.000
mulheres2.
Os sintomas do câncer colo-retal, na
maioria dos pacientes, surgem quando a doença está
avançada, demandando maiores custos de tratamento e
altas taxas de morbidade e mortalidade. Considerando a
crescente incidência desta doença, o diagnóstico
precoce dela e mesmo de doenças predisponentes se torna
importante. Programas de detecção são caros e
limitantes para o sistema de saúde do Brasil.
A Sociedade Brasileira de Coloproctologia
juntamente com o Instituto Nacional de Câncer, o
Colégio Brasileiro dos Cirurgiões e outras sociedades
médicas recomendam que indivíduos de baixo risco, a partir
de 50 anos, realizem, anualmente, a pesquisa de
sangue oculto nas fezes e a retossigmoidoscopia,
repetindo-a a cada cinco anos. A partir dos 60 anos, está indicada a
colonoscopia ou o enema opaco a cada 10
anos1. A Sociedade Americana de Coloproctologia, no
entanto, recomenda iniciar o rastreamento a partir dos 40
anos e a colonoscopia a partir dos 50
anos3. A pesquisa de sangue oculto positiva, implica na realização
de colonoscopia.
A população de maior risco inclui
indivíduos maiores de 50 anos, com história pessoal ou familiar
de pólipos e/ou câncer de intestino, retocolite
ulcerativa, doença de Crohn e câncer de mama, ovário ou
útero. Este grupo deve iniciar o rastreamento aos 40
anos, incluindo a colonoscopia1.
A pesquisa de sangue oculto (PSO) nas
fezes surgiu como alternativa para o rastreamento do
câncer colo-retal em pacientes sem fatores de risco. Este
teste se sustenta no princípio de que os carcinomas
do cólon sangram e que esta hemorragia oculta pode
ser identificada pela PSO, que é um exame facilmente
disponível. A pesquisa de sangue oculto consiste na
identificação de hemoglobina nas fezes, podendo ser
realizado pelos métodos: teste da o-tolidina (tradicional) e
o teste imunológico, que detectam especificamente
a hemoglobina humana4.
O teste da o-tolidina ou guaiaco foi
desenvolvido por Van Deen, em 1864, e utilizado por Boas,
em 1901, para pesquisa de sangramento gástrico.
Passou a ser utilizado, em 1967, para monitoramento
doméstico de sangue oculto nas
fezes5. Baseia-se na atividade pseudoperoxidase que a porção da hemoglobina
exerce, causando a oxidação de um composto fenólico
(ácido alfa-guaiacônico) pela ação do peróxido de
hidrogênio da solução de desenvolvimento, formando uma
estrutura quinona. Esta reação química torna-se visível
pelo aparecimento da cor azul ou azul esverdeada,
dentro de 30 segundos, se sangue estiver presente nas
fezes6.
No Brasil, muitos laboratórios utilizam o
reativo de Meyer para o processo descrito acima. Esta
mistura, quando adicionada de água oxigenada, adquire
coloração avermelhada na presença de hemoglobina.
As diferentes variações da coloração avermelhada
são classificadas em positivas de uma a quatro cruzes.
Apesar da introdução da aglutinação de
látex imunoquímico por Adams et al., em 1974,
da imunodifusão radial simples por Songster et al., em
1980 e da hemaglutinação passiva reversa por Solto et
al. em 1984, que levaram a métodos mais sensíveis
para detectar baixas concentrações de hemoglobina
humana nas fezes, o método permanece deficiente e
sofre várias influências. A utilização de certos alimentos,
drogas, vitaminas e outras substâncias antes e durante
o período de coleta da amostra alteram o resultado
podendo fornecer resultado falso positivo ou falso
negativo, necessitando que o paciente faça dieta
específica por 3 a 4 dias antes de realizar o
teste5,6.
Estudos mostram que os resultados do teste são positivos somente em cerca de 50 a 65% dos
pacientes com câncer colo-retal e em 25 a 40% em
pacientes com pólipos5,7.
O teste imunológico ou teste de imunocromatografia de captura, desenvolvido em
1995, utiliza anticorpos monoclonais e policlonais para
possibilitar a detecção de amostras com níveis tão
baixos quanto 0,05 ul/ml em 5 minutos. Esta
reação imunológica elimina a necessidade de dieta
alimentar antes da coleta, assim como as interferências
de hemoglobinas de outras espécies, realidades para
os testes utilizando guáiaco6. A coleta da amostra não
deve ser realizada durante ou dentro de três dias de um
período menstrual, nem em paciente com queixa
de hematoquezia ou com hematuria. Nestas situações
os resultados do teste podem ser falso-positivos.
Pacientes em uso de aspirina ou álcool devem suspender
o uso uma semana antes da realização do
exame5. Os testes imunológicos, por não necessitarem de dieta
prévia e serem específicos para a hemoglobina
humana, são citados na literatura como os de melhor
sensibilidade (75%) e especificidade (40 a
50%)8.
Woo et al. empregando o teste
imunoquímico para a pesquisa de sangue oculto, encontraram
sensibilidade de 58,3%, especificidade de 76,3% e
valor preditivo positivo de 27,9%, para o câncer colo-retal
e ademonas9.
Levi et al. fizeram um estudo comparando a pesquisa feita com guáiaco e com a imunoquímica.
A sensibilidade do guáiaco foi de 75% e o mesmo para
a imunoquímica. A especificidade do teste feito com
o guáiaco foi de 34% e a com a imunoquímica foi
de 94%. O valor preditivo positivo do guáiaco foi de
12% contra 60% com o teste feito pela
imunoquímica10.
Vê-se, portanto que existem
discordâncias quanto ao poder de rastreamento destes testes.
Além disso, segundo Morikawa et al. a sensibilidade não só
é baixa como é diferente conforme a localização da
lesão, quanto mais distal mais elevada e quanto
mais proximal mais baixa11.
No nosso país, tanto o Ministério da
Saúde quanto o Instituto Nacional do Câncer têm
preconizado o rastreamento das populações com mais de 50
anos com o uso da pesquisa de sangue oculto, ficando a
busca endoscópica limitada aos pacientes com sangue
positivo2. A busca ativa endoscópica, preconizada acima
dos 50 anos, por ter custo mais elevado, acaba sendo
privilégio de minorias.
OBJETIVO
Avaliar a incidência de lesões neoplásicas e
pré neoplásicas em pacientes com PSO positiva ou
negativa, e em pacientes sintomáticos submetidos à colonoscopia.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal no qual
se analisam os resultados de colonoscopia e de
pesquisa de sangue oculto em pacientes sintomáticos.
Foram incluídos no estudo 67 pacientes com indicação
de colonoscopia, de janeiro de 2006 a abril de 2007.
Eram 43 mulheres e 24 homens com média de idade de 52
e 53 anos respectivamente. O paciente mais jovem
tinha 23 anos e o mais velho 81 anos. Nenhum paciente
tinha realizado este exame anteriormente e todos foram
realizados por um único examinador. Foram
analisados os pacientes, as indicações clínicas dos exames , o
resultados das colonoscopias e a relação dos achados
de lesões neoplásicas e pré neoplásicas com a PSO.
Os resultados, forneceram a sensibilidade, a especificidade, o valor preditivo positivo e o
valor preditivo negativo, com intervalo de confiança de 95%.
RESULTADOS
A pesquisa de sangue oculto revelou-se negativa em 37 pacientes e positiva em 30 deles.
As indicações para as colonoscopias foram:
dor abdominal, alterações do hábito intestinal (diarréia
ou constipação), familiares de primeiro grau com
antecedentes de câncer colo-retal, história de
sangramento anterior ou a combinação destes sintomas. Todos
os pacientes realizaram previamente a pesquisa para
sangue oculto pelo método imunológico.
Todas as colonoscopias alcançaram o
ceco(23) ou o íleo(44)? Vinte e duas colonoscopias foram
normais (31,83%) e 45 colonoscopias positivas
(68,17%). Os diagnósticos foram: pólipos, doença
diverticular, pólipos associados à doença diverticular,
retocolite ulcerativa, tumores e outras. A relação de
pólipos, retocolite e tumores com a PSO positiva ou
negativa está listada na tabela 1.
ABSTRACT: Methods of screening of colorectal cancer are necessaries, because the increasing number of new cases. The faecal occult test(fobt) is considered good for populations with low risk. The goal of this paper is to determine the incidence of neoplasic or pre neoplasic lesions in patients with fobt positive or negatives and correlate with the results of the colonoscopies. Sixtie seven patients were submited to colonocopies and fobt.the main indications were abddominal pain, familial history of cancer and modification of bowel habits. Thirty seven patients had negatives fobt and thirty positives.twenty two colonoscopies were normal. Others findings were polyps, ulcerative colitis, diverticular disease and one tumor. Sensitivity was 46.7% and specificity 59.1%. Positive predictive values were 70% and negative 35.1%. Considering only malignant or pre malignant lesions the sensitivity was 76.5% and specificity 66%, positive predictive values were 43.3% and negative 89.2%. In conclusion the faecal occult blood test for his low cost and non invasive is a good method of screening after forty years of age.
Key words: occult blood, intestinal neoplasm, intestinal polyps, secondary prevention, colonoscopy.
Referências
1. Fang CB. Rastreamento do câncer colorretal. Ver Assoc
Med. Bras. 2002; 48(4):286-6.
2. www.inca.gov.br. Câncer colo-retal. Acesso em 24 mai 2007.
3. American Cancer Society. Cancer facts and figures,
1999. Atlanta: American Cancer Society, 1999.
4. Novaes de Almeida FF, Araujo SEA, Santos FPS,
Franco CJCS, Santos VR, Nahas SC, Harb-Gama A. Colorectal
cancer screening. Rev Hosp Clin. 2000; 55(1):35-42.
5. http://analitic.com.br/feca_cult.php.
6. Moayyedi P; Achkar E. Does fecal occult blood testing
really reduce mortality? A reanalysis of systematic review data.
Am J Gastroenterol. 2006; 1001(2):380-4.
7. Screening for colorectal cancer using the faecal occult
blood test, Hemoccult. Cochrane Database Syst Rev. 2007
Jan 24;(1):CD001216
8. Levi Z, Rozen P, Hazazi R, Waked A, Maoz E, Birkenfeld
S, Niv Y. Can quantification of faecal occult blood
predetermine the need for colonoscopy in patients at risk for
non-syndromic familial colorectal cancer? Aliment Pharmacol
Ther. 2006;124(10):1475-82.
9. Woo HY, Mok RS, Park YN, Park DI, Sung IK, Sohn CI,
Park H. A prospective study of a new immunochemical fecal
occult test in Korean patients referred for colonoscopy.
Clin Biochem. 2005; 38(4):395-9.
10. Levi Z, Hazazi R, Rozen P, Vilkin A, Waked A, Niv Y.
A quantitative immunochemical faecal occult test is more
efficient for detecting significant colorectal neoplasia than a
sensitive guaiac test. Aliment Pharmacol Ther. 2006; 23(9):1359-64.
11. Morikawa T, Kato J, Yamaji Y, Wada R, Mitsushima
T, Shiratori Y. A comparison of the immunochemical fecal
occult blood test and total colonoscopy in the
asymptomatic population. Gastroenterology. 2005; 129(2):422-8.
12. Anderson WF; Guyton KZ; Hiatt RA; Vernon SW; Levin
B; Hawk E. Colorectal cancer screening for persons at
average risk. J Natl Cancer Inst. 2002;94(15):1126-33.
13. Winawer SJ, Stewart ET, Zauber AG, et al: A comparison
of colonoscopy and double-contrast barium enema for
surveillance after polypectomy: National Polyp Study Work Group.
N Engl J Med 2000; 342:1766.
14. Rex DK, Lehman GA, Hawes RH, et al: Colorectal
cancer prevention 2000: Screening recommendations of the
American College of Gastroengeroloy. Am J Gastroenterol 2000; 95:868.
15. Ciatto S; Martinelli F; Castiglione G; Mantellini P; Rubeca
T; Grazzini G; Bonanomi AG; Confortini M; Zappa M. Association of FOBT-assessed faecal Hb content with
colonic lesions detected in the Florence screening programme. Br
J Cancer. 2007; 96(2):218-21.
16. Müller AD, Sonnenberg A. Protection by endoscopy
against death from colorectal cancer. A case-control study
among veterans. Arch Intern Med 1995; 155:1741-8.
Endereço para correspondência:
FRANCISCO LUIS ALTENBURG
Rua XV de Novembro 2119, Casa 14,
Joinville, Santa Catarina, CEP 89201620.
E-mail: progastro@terra.com.br
Fax: 047 3026-2133
Recebido em 16/05/2007
Aceito para publicação em 18/06/2007
Trabalho Realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt, Joinville, Santa Catarina.
Fontes de Auxílio à Pesquisa: Centro de Treinamento, Ensino e Pesquisa do Hospital Regional Hans Dieter Schimidt de Joinville, Santa Catarina.