RELATO DE CASOS
TUMORES DE CÓLON - PRIMEIRO ACHADO DO ADENOCARCINOMA DE PÂNCREAS: RELATO DE CASO
Colon Tumors - First find of the Pancreatic Adenocarcinoma: Case Report
SANDRA PEDROSO DE MORAES1; FRANCISCO CLARO JÚNIOR2; JOAQUIM JOSÉ DE OLIVEIRA FILHO1; GUSTAVO SEVÁ-PEREIRA1; RICARDO BOLZAM DO NASCIMENTO1, AMILCAR DE CASTRO3
1. Médico do serviço de coloproctologia do HMMG; 2. Residente do serviço de coloproctologia do HMMG; 3. Médico patologista da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
RESUMO: OBJETIVO: Relatar um caso raro de adenocarcinoma de pâncreas que se apresentou como tumores colorretais sincrônicos. Paciente masculino, 76 anos, apresentava dor abdominal difusa de forte intensidade, diarréia e vômitos há sete dias. Tratava de gastrite há dois anos e nos últimos quatro meses apresentava hiporexia e perda de peso. Estava emagrecido, desidratado e desnutrido, com distensão abdominal importante, ruídos hidroaéreos ausentes e dor difusa à palpação abdominal. Exames evidenciaram hiperglicemia, distensão importante do intestino delgado ao raio x, ultra-som de abdome com colecistolitíase e endoscopia digestiva alta com pangastrite, bulboduodenite e papila normal. Tomografia abdominal confirmou colecistolitíase. A colonoscopia mostrou três lesões, em reto médio, cólon transverso e na válvula íleocecal. As biópsias revelaram apenas reação inflamatória. Persistiram os sintomas e decidiu-se submetê-lo a colecistectomia onde foram vistas lesões planas em diafragma cujas biópsias evidenciaram adenocarcinoma. No quinto dia de pós-operatório o paciente apresentava quadro obstrutivo e foi submetido à nova laparotomia com colectomia direita, ileostomia terminal dupla e biópsia pancreática. Esta mostrou adenocarcinoma e o estudo imunoistoquímico positivo para tumor primário do pâncreas. O paciente evoluiu para óbito um mês após. CONCLUSÃO: o exame de imagem normal não descarta a hipótese diagnóstica e quando a origem do tumor primário não está definida é essencial o exame imunoistoquímico para firmar o diagnóstico.
Descritores: neoplasias pancreáticas, neoplasias colorretais não polipóides, metástase neoplásica, adenocarcinoma, tomografia computadorizada por raios x.
Introdução
Adenocarcinomas sincrônicos avançados
ocorrem em 3 a 7% dos pacientes com carcinoma
colorretal1,2. A confirmação diagnóstica nem sempre é obtida no
primeiro exame anatomopatológico, geralmente por
falhas na coleta do material. Biópsias contendo material
necrótico ou inflamatório podem falsear o diagnóstico.
Objetivo
Relatar o caso de um paciente com
diagnóstico inicial de tumor colorretal sincrônico que na verdade
tratava-se de adenocarcinoma de corpo de pâncreas.
Relato de caso
A.A, 76 anos, masculino, natural de
Funchal, Portugal, e procedente do Rio de Janeiro, deu
entrada nesse serviço com dor abdominal difusa, tipo cólica,
de forte intensidade, diarréia e vômitos há uma semana.
Relatou que há dois anos apresentava
depressão, episódios intermitentes e esporádicos
de epigastalgia com irradiação para dorso que piorava
com a ingestão alimentar, associada a empachamento
pós-prandial. Por duas vezes foi diagnosticada gastrite
com Helicobacter pilory positivo (HP+) realizando
tratamento clínico, porém com manutenção dos
sintomas, piorando nos últimos quatro meses, quando
apresentou hiporexia e perda de aproximadamente seis
quilogramas.
Ao exame físico, o paciente encontrava-se
intensamente desidratado e moderadamente
desnutrido, com distensão abdominal importante, ruídos
hidroaéreos ausentes e dor difusa à palpação abdominal. À
radiografia abdominal apresentava distensão importante
do intestino delgado com edema de alças, sem
níveis hidroaéreos. Nos exames laboratoriais apresentava
alterações de glicemia (137mg%), com valores
crescentes na evolução clínica e VHS (11 mm/h 1ª hora e
28 mm/h de 2ª hora). Trouxe exames recentes de
outro serviço mostrando colecistolitíase e cisto renal
esquerdo no ultra-som de abdome. Endoscopia digestiva alta
apresentando pangastrite moderada, bulboduodenite,
papila sem alterações e HP+. O paciente foi tratado
clinicamente e os exames foram novamente realizados
em nosso hospital e seus resultados confirmados.
Prosseguiu-se a investigação com tomografia de abdome
com cortes finos para pâncreas e vias biliares que
mostrou colecistolitíase, granuloma esplênico, cisto renal
esquerdo e aumento prostático (biópsia sem sinais de
malignidade). A investigação continuou com colonoscopia
que mostrou lesão estenosante de 18 a 8 cm da
margem anal e outras duas lesões menores, em cólon
transverso e na válvula íleocecal (ocluindo-a parcialmente).
Todas as lesões apresentavam-se de consistência bem
endurecida com coloração vinhosa. A avaliação
microscópica das biópsias revelou apenas reação inflamatória
sem sinais de malignidade. Esta foi repetida mais duas
vezes, mantendo o mesmo laudo histopatológico. A
persistência de vômitos e dor epigástrica foi, então, atribuída
a colecistolitíase e o grupo de urgência e trauma do
hospital decidiu submetê-lo a
colecistectomia videolaparoscópica. Durante o procedimento foram
evidenciadas algumas lesões planas peritoneais, de
cor esbranquiçada, em diafragma e área abaulada e
endurecida periduodenal, optando-se por conversão
para colecistectomia aberta. Na investigação da
cavidade foram palpadas as lesões identificadas na
colonoscopia, e realizou-se biópsia de lesão diafragmática e de
área endurecida na região periduodenal. O
exame histopatológico evidenciou adenocarcinoma bem
diferenciado infiltrativo em peritônio e tecido adiposo.
Suspeitando-se de tumor primário de cólon, o paciente foi
transferido para a enfermaria de coloproctologia. No
quinto dia de PO, apresentou piora clínica importante e
com hipótese diagnóstica de abdome agudo obstrutivo,
secundário à lesão do íleo terminal o paciente foi
submetido à nova laparotomia com colectomia direita,
ileostomia e fístula mucosa. Foi retirado fragmento de
pâncreas que encontrava-se endurecido. Este veio
como adenocarcinoma, e o estudo imuno-histoquímico
positivo para tumor primário do pâncreas, com
positividade de citoceratinas (CK) de baixo e alto peso
molecular, citoceratinas 7, 19 e 20, antígeno de membrana
epitelial (EMA), antígeno carcinoembrionário (CEA) e
antígeno associado a câncer gastrointestinal (Ca 19.9). O
paciente manteve quadro álgico e vômitos e evoluiu
para óbito um mês após o diagnóstico.
Discussão
Aproximadamente 3 a 5% dos pacientes com neoplasia apresentam sítio primário
desconhecido3.
Há publicações de tumores primários de
cólon que apresentam metástases para
pâncreas4,5,6 e para colo
uterino7.
Não foi encontrado caso semelhante a este
na literatura. Praderi et al8 apresentaram um caso de
paciente que foi submetida a duodenopancreatectomia e
sete meses após foi reoperada por adenocarcinoma de
reto, mas não há relato sobre a mesma origem dos tumores.
Carcinoma de pâncreas é pouco freqüente
na população, mas apresenta mortalidade elevada.
Na América do Norte é a quarta causa de
morte9 por neoplasia maligna e na Itália a
quinta10. No Brasil a incidência dessa neoplasia é baixa, mas está entre a
9ª (no sexo feminino) e 11ª causa de morte (no sexo
masculino)11. A sobrevida média é menor que seis
meses. Sobrevivem por cinco anos, dependendo da
referência, 10%12 a
1%13 dos pacientes. A maioria dos adenocarcinomas de pâncreas apresenta metástases
à distância na data do
diagnóstico9, quando não são
mais ressecáveis10,12. Freqüentemente ocorre também
invasão por contigüidade. Há alguns relatos de
tumores pancreáticos com metástases à distância, para
sítios pouco comuns, como região
umbilical14 e crânio15.
As neoplasias de pâncreas não apresentam
sintomas iniciais específicos e freqüentemente são
ignorados pelo paciente e pelo médico. Dor abdominal
vaga, flatulência, vômitos, alteração do hábito intestinal.
Tumores de corpo e cauda podem apresentar
icterícia numa fase tardia. Radiação da dor para o dorso
indica invasão de plexo nervoso esplânico e a perda de
peso é multifatorial e ocorre em fase
avançada16. Sintomas secundários à invasão de outros órgãos ocorrem
com certa freqüência. Bringel et
al17 descreveram um caso de carcinoma de pâncreas cuja apresentação
clínica foi hemorragia digestiva alta por invasão tumoral
na parede posterior gástrica.
Diabetes mellitus de início abrupto é
relatado em 24%18 a 40%19 dos pacientes e pode ser o
primeiro indício de neoplasia de pâncreas. Quando o
paciente apresenta diabetes mellitus há mais de três anos
não existe associação com a neoplasia e diabetes não
é fator de risco para carcinoma de
pâncreas.20
Alguns fatores contribuíram para o retardo
do diagnóstico neste paciente.
Este apresentou diabetes, sem antecedentes pessoais ou familiares, e isso não foi valorizado
porque, freqüentemente pacientes idosos
pré-diabéticos desenvolvem hiperglicemia durante a internação,
por alterações metabólicas secundárias a processo
infeccioso. Colecistolitíase com possível empiema foi a
suspeita que resultou em colecistectomia de urgência.
Ao dar entrada nesse serviço, uma das
hipóteses diagnósticas iniciais para a moléstia desse
paciente era neoplasia de pâncreas, que foi descartada,
após terem sido encontradas as lesões em cólon e do
resultado normal do exame de imagem.
O exame de tomografia computadorizada (TC) tem sido considerado o mais útil para diagnóstico
de carcinoma de pâncreas9. Mas falhou em detectar
alterações pancreáticas nesse caso, retardando o
diagnóstico etiológico. Tutton et
al4 relataram metástase pancreática de neoplasia de cólon cujo diagnóstico só
foi obtido após a realização de PET-Scan (TC com
emissão de pósitron). Infelizmente a maioria dos
serviços médicos do nosso meio não dispõe desse exame.
A visão da cavidade peritonial não trouxe
subsídios para o diagnóstico.Não havia
carcinomatose, somente tecido endurecido à palpação e duas
lesões planas de cor esbranquiçada em diafragma,nas
alças acometidas pelo tumor e aderências, conforme
mostra as fig. 1, 2, 3.
Figura 1 - Foto panorâmica da cavidade peritonial mostrando. A: área de retração do grande omento sobre o tumor pancreático; B:
área de invasão do mesocólon transverso; C: aspecto normal do peritônio que recobria o pâncreas após a colectomia direita. |
Figura 2 - Foto mostrando a metástase do tumor pancreático
em diafragma. |
Figura 3 - Foto mostrando a metástase do tumor pancreático
em íleo terminal. |
Figura 4 - Microfotografia de tecido linfonodal
parcialmente infiltrado na periferia por adenocarcinoma de padrão tubular.
(HE 100x). |
Figura 5 - Microfotografia mostrando infiltração até
submucosa por adenocarcinoma tubular. Há nítida resposta desmoplásica
(HE 100x). |
Figura 6 - Foto de peça cirúrgica aberta, produto da
colectomia direita, mostrando o aspecto de rigidez e espessamento do
íleo terminal e válvula ileocecal. |
ABSTRACT: OBJECTIVE: Report a case of a rare pancreatic adenocarcinoma presented as synchronic colorectal tumor. CASE REPORT: Seventy six year old man with high intensity and diffuse abdominal pain, diarrhea and vomiting during seven days. At that moment he had been in treatment for gastritis for 2 years and in the last four months he presented hyporexia and weight loss. He was dehydrated and malnourished, with abdominal distention and diffuse abdominal pain on clinical examination. Laboratorial exams showed hyperglycemia, x-ray revealed intense abdominal distention, abdominal ultrasound revealed cholecystolithiasis and upper digestive endoscopy showed pangastritis. The computed tomography just confirmed the cholecystolithiasis. A colonoscopy was performed and revealed three tumors located in the rectum, transverse colon and ileocecal valve that were biopsed and just showed inflammatory cells. As the symptoms persist he underwent laparoscopic cholecystectomy that was converted to the open technique when it was observed white flat lesions in the diaphragm peritoneum, the biopsies revealed adenocarcinoma. In the fifth postoperatory day the patient developed obstructive symptoms and underwent right colectomy with double terminal colostomy and pancreas biopsy that showed adenocarcinoma with immunohistochemical profile proving the pancreas as the source. The patient died within one month. CONCLUSION: The normal findings in radiological exams do not dismiss a diagnostic hypothesis and when the source of a tumor is not well established the clinical patterns should be considered and the immunohistochemical profile is essential to confirm the diagnosis.
Key words: pancreatic neoplasms, colorectal neoplasms, hereditary nonpolyposis, neoplasm metastasis, adenocarcinoma, tomography, x-ray computed.
Referências
1. Valero J, Regnasco S, Gonzalez O, Doldan I, Sautu de la
Riestra A, Kogan Z. Synchronous lesions in advanced colorectal
câncer. Acta Gastroenterol Latinoam. 1993; 23(3):165-73.
2. Leon-Rodriguez E, Hernandez MC. Cancer of the colon in
the National Institute of Nutrition. II. Synchronous
and metachronous tumors. Rev Invest Clin 1996; 48(4):275-9.
3. Berglund A, Nygren P, Hagberg H, Pahlman L, Sundin
A, Sundstrom C. Limit investigation in cancer of
unknown primary site. Lakartidningen 2005; 102(41):2946-8, 2950-2.
4. Tutton MG; George M; Hill ME; Abulafi AM.
Solitary pancreatic metastasis from a primary colonic tumor
detected by PET scan: report of a case. Dis Colon Rectum
2001; 44(2):288-90.
5. Pereira-Lima JC, Coral GP, Bayer LR, da Silva CP.
Metastasis from colon carcinoma in the dorsal pancreas of a patient
with pancreas divisum: report of a case.
Hepatogastroenterology. 2000; 47(32):554-5.
6. Charnsangavej C, Whitley NO. Metastases to the
pancreas and peripancreatic lymph nodes from carcinoma of the
right side of the colon: CT findings in 12 patients. AJR Am
J Roentgenol.; 1993; 160(1):49-52.
7. Belloso, Rafael M; Miquilarena, Rodolfo E; Ayala N., Luis
A; Zucker, Eva; Souchon, Eduardo; Apeloig, Paulina Altaras
de. Carcinoma de colon metastasico a cuello uterino: revision
de metastasis inusuales y presentacion de un caso.
GEN 1990;44(1):63-6.
8. Praderi, R. C; Harretche, M; Estefan, A; Parodi, H;
Hernández, W; Boudrandi, Sonia; Navarrete, H. Resecciones
simultáneas o sucesivas de páncreas y colon por tumores de ambos
órganos, carcinomas de colon infiltrando duodeno y de páncreas
caudal invadiendo colon izquierdo: a propósito de diez casos.
Acta gastroenterol. latinoam 1999; 29(3):95-9.
9. Freelove R; Walling AD. Pancreatic cancer: diagnosis
and management. Am Fam Physician 2006; 73(3):485-92.
10. Chiaro MD, Boggi U, Presciuttini S, Bertacca L, Croce
C, Mosca I, Mosca F. Genetics of Pancreatic Câncer:
whereare we now? Where are we going? J Pancreas 2005;
6(1):60-7.
11. CÂNCER - Epidemiologia, informação e vigilância. Atlas
de mortalidade 1979-1999. In: INSTITUTO NACIONAL
DO CÂNCER. Disponível em : <http:www.inca.gov.br
12. Bornman PC, Beckingham IJ. Pancreatic tumours:
clinical review. BMJ 2001; 322: 721-3.
13. Keleg S, Büchler P, Ludwig R, Büchler MW, Friess H.
Invasion and metastasis in pancreatic cancer: review. Molecular
Cancer 2003; 2:14.
14. Crescentini, Fábio; Deutsch, Fernanda; Sobrado, Carlos
Walter; Araújo, Sérgio de. Umbilical mass as the sole
presenting symptom of pancreatic cancer: a case report. Rev. Hosp.
Clin. Fac. Med. Univ. Säo Paulo 2004; 59(4):198-202.
15. Aydin MV; Cekinmez M; Kizilkilic O; Kayaselcuk F; Sen
O; Altinors N. Unusual case of skull metastasis secondary
to pancreatic adenocarcinoma. Pathol Oncol Res 2005;
11(3):182-3.
16. Takhar AS, Palaniappan P, Dhingsa R, Lobo DN.
Recent developments in diagnosis of pancreatic cancer: clinical
review. BMJ 2004; 329:668-73.
17. Bringel RWA, Souza CPM, Araujo SEA, Lopasso FP,
Gama Rodrigues JJ, Pinotti HW, Laudanna AA. Squamous cell
carcinoma of the pâncreas with gastric metastasis: case
report. Rev. Hosp. Clin. Fac. Méd. Univ. São Paulo 1996;
51(5):195-7.
18. Carneiro BGMC, Petroianu A, Rodrigues FHOC, Rocha
RF, Liu RP, Orsi VL. Avaliacäo do câncer de pâncreas no
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
An. Paul. Med. Cir 2002; 129(2):28-35
19. DiMagno EP. Pancreatic cancer: clinical presentation,
pitfalls and early clues. Ann Oncol 1999;10 Suppl 4:140-2
20. Gullo L. Diabetes and the risk of pancreatic cancer. Ann
Oncol 1999;10 Suppl 4:79-81
21. Marzán L A R, Pupo Neto J A, Bottino, A M C F,
Lacombe, D L P. Análise crítica da classificaçäo e estudo
imuno-histoquímico dos tumores da camada muscular do cólon e
do reto: revisäo de 11 casos. Rev. Bras Coloproct
2003;23(4):244-255.
Endereço para correspondência:
Sandra Pedroso de Moraes
Rua Barão Geraldo de Rezende, 282, conj. 53
Fax: (19) 32360436
E-mail: spmoraes@metrosat.com.br
Recebido em 15/01/2007
Aceito para publicação em 21/03/2007
Trabalho realizado no Hospital Municipal Dr. Mário Gatti, Campinas, SP.