ARTIGOS ORIGINAIS
MANIFESTAÇÕES EXTRA-INTESTINAIS EM DOENÇA DE CROHN E RETOCOLITE ULCERATIVA: PREVALÊNCIA E CORRELAÇÃO COM O DIAGNÓSTICO, EXTENSÃO, ATIVIDADE, TEMPO DE EVOLUÇÃO DA DOENÇA
Extra-Intestinal Manifestations Crohn Disease and Ulcerative Rectocolitis: Prevalence na Correlation with Diagnosis, extension, Activity, Disease Evolution Time
Erodilho Sande Mota1, DesidÉrio Roberto Kiss2, Magaly GÊmio Teixeira3, Maristela Gomes de Almeida4, Fernanda de Azevedo Sanfront5, Angelita Habr-Gama6, Ivan Cecconello7
1 Mestrando pela FMUSP; 2 Professor Livre-Docente pela FMUSP; 3 Professora Livre-Docente pela FMUSP; 4 Doutora pela FMUSP; 5 Mestre pela FMUSP; 6 Professora Livre-Docente pela FMUSP; 7 Professor Titular da FMUSP.
Resumo: INTRODUÇÃO: Existe uma grande prevalência de manifestações extra-intestinais(MEI) em portadores de doença de Crohn(DC) e de retocolite ulcerativa(RCU), variando de 24 a 65%. OBJETIVO: Determinar a prevalência de MEI em RCU e DC, correlacionando com diagnóstico do tipo de doença inflamatória intestinal, extensão, tempo de evolução e atividade da doença. MÉTODOS: Mil pacientes foram avaliados no Hospital das Clínicas da FMUSP no período de 1984 a 2004. Foram estudadas manifestações articulares, dermatológicas, oftalmológicas, urológicas, hepáticas, pulmonares e vasculares. RESULTADOS: Foram estudados 468 pacientes com DC(46,8%) e 532 com RCU(53,2%). Encontrados 627 pacientes (59,2% com RCU e 66,7% com DC) com pelo menos uma forma de MEI. A média de tempo de doença dos pacientes com MEI foi de 10 anos. As MEI foram mais freqüentes após o início dos sintomas intestinais. CONCLUSÕES: Tanto na RCU quanto na DC,quanto maior a extensão da doença no cólon, maior a incidência de MEI. As manifestações urológicas foram mais freqüentes na DC. As manifestações articulares e dermatológicas foram mais prevalentes no sexo feminino nos dois grupos. Manifestações hepáticas foram mais prevalentes na DC. As manifestações articulares, dermatológicas e vasculares tiveram correlação com a atividade da doença intestinal em ambos os grupos.
Descritores: 1. Enteropatias inflamatórias 2. Doença de Crohn 3. Proctocolite 4.Prevalência.
1. INTRODUÇÃO
As doenças inflamatórias intestinais(DII) têm
chamado a atenção da comunidade científica pela
multiplicidade de manifestações no trato digestivo e pela sua
incidência em ascensão(1,2,3,4,5,6,7,8). Em nosso meio, pode-se
concluir que o mesmo esteja ocorrendo face ao crescente
número de publicações (8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17,
18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31).
Sabe-se que estas DII não se limitam apenas
a manifestações no aparelho digestivo, podendo
causar sintomas em vários outros órgãos. Existe uma
grande prevalência de manifestações extra-intestinais(MEI)
em portadores de doença de Crohn(DC) e de
retocolite ulcerativa(RCU), variando na literatura de 24
a 65%(29,32,33,34,35,36,37).
Estas alterações podem surgir antes dos
sintomas intestinais, concomitante ou ulteriormente,
podendo ou não ter relação com a atividade da doença intestinal.
2. OBJETIVOS
Os objetivos deste trabalho são estudar
a prevalência de manifestações extra-intestinais
em retocolite ulcerativa e doença de Crohn; o
predomínio de determinada MEI em relação ao tipo de DII; a
correlação das MEI com a extensão da DII; a relação
das MEI com o sexo e o momento de aparecimento das MEI em relação ao início dos sintomas intestinais.
3. MATERIAL E MÉTODOS
Os pacientes que participaram do estudo estão cadastrados no Ambulatório de Doenças
Inflamatórias do Serviço de Cirurgia do Cólon, Reto e Ânus
do Departamento de Gastroenterologia do Hospital
das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo de setembro de 1984 até setembro
de 2004. Os dados para a pesquisa foram colhidos
retrospectivamente de mil protocolos que foram
preenchidos em caráter prospectivo na primeira consulta do
doente e atualizados em consultas subseqüentes.
Foi analisada a extensão do comprometimento
intestinal nas doenças inflamatórias, sendo na RCU
classificadas como Distal (envolvendo reto e/ou
sigmóide), Hemicólon Esquerdo-HCE-(com envolvimento do
reto, sigmóide, descendente e/ou 1/3 distal do transverso) e
Universal (envolvendo o reto e todos os segmentos colônicos).
Na DC, a extensão da doença foi avaliada
da seguinte maneira: Intestino
Delgado-ID-(envolvimento apenas do intestino delgado);
Cólon-C-(acometendo exclusivamente o cólon);
Perianal-PA-(envolvendo apenas a região perianal) e as combinações
destas manifestações (Ex: ID+PA, ID+C, ID+C+PA, C+PA).
Foram estudadas as MEI articulares, dermatológicas, oftalmológicas, urológicas, hepáticas,
pulmonares e vasculares. As MEI foram estudadas
através de RX simples ou tomografia do tórax,
ultra-sonografia ou tomografia do abdome, além de exames
laboratoriais que avaliaram as funções renal, hepática, pancreática
e testes de coagulação. Todos os doentes passaram
por exame especializado com o oftalmologista.
Só foram considerados portadores de
manifestações articulares os doentes soro- negativos para doença reumatológica.
Cento e nove pacientes que realizaram tratamento cirúrgico por via abdominal foram submetidos
à biópsia hepática no intra-operatório.
A atividade da DII foi avaliada por um conjunto de critérios clínicos, corroborados por
exames laboratoriais (medidas séricas de marcadores de
atividade inflamatória-VHS e PCR) além de
exames endoscópicos e radiológicos quando necessário.
Foi feita a análise descritiva de todas as
variáveis do estudo. Para se verificar a associação entre
as variáveis qualitativas foi utilizado o teste de
Qui-quadrado e o nível de significância adotado foi de 5%.
4. RESULTADOS
Entre os 1.000 pacientes estudados encontramos 468 com DC(46,8%) e 532 com RCU(53,2%).
441 eram do sexo masculino (228 com RCU e 213 com
DC) e 559 do sexo feminino(304 com RCU e 255 com DC).
Os resultados encontrados quanto a distribuição da extensão da doença intestinal, são
apresentados na tabela 1.
Entre os pacientes estudados, foram encontrados 627 pacientes com pelo menos uma forma de
manifestação extra-intestinal(315 com RCU e 312
com DC), distribuídos, como apresentado nas tabelas 2 e
3, de acordo com o diagnóstico e extensão da
manifestação intestinal.
Pelo teste de comparação de duas
proporções, pode-se observar que o grupo Universal
difere do grupo Distal(p<0,01), e o grupo Universal
difere do grupo HCE(p<0,01), mas o grupo Distal
não difere do grupo HCE(p=0,34), quando analisamos
a proporção do número de doentes com MEI de
acordo com a extensão da doença. Pode-se
observar, pelo teste de comparação entre duas proporções,
que a soma dos pacientes com acometimento
exclusivo do ID e ID+PA difere da soma dos pacientes
com envolvimento do ID+C e ID+C+PA (p<0,05). A soma dos pacientes com acometimento exclusivo
do ID e ID+PA difere da soma dos pacientes com envolvimento exclusivo do C e C+PA (p<0,05).
Entretanto, a soma dos pacientes com envolvimento
do ID+C e ID+C+PA não difere da soma dos
pacientes com envolvimento exclusivo do C e C+PA (p>0,05). O que evidenciamos com isso é que a
presença do envolvimento colônico foi
estatisticamente significativo para uma maior incidência de MEI
em DC.
A média de tempo de duração da doença
inflamatória intestinal dos pacientes que tinham MEI foi
de 10,23 anos (01-63), comparado a 7,89 anos(1-36)
daqueles que não possuíam qualquer forma
de MEI(p<0,05).
Encontramos 489 pacientes com pelo menos algum tipo de manifestação articular. Foram 252
pacientes com RCU e 237 com DC como mostrado nas tabela 4 e 5.
Analisando as manifestações
dermatológicas, encontramos 68 pacientes com algum tipo de
lesão correlacionada com a DII, sendo 36 com
diagnóstico de RCU e 32 com DC.(tabelas 6 e 7)
Foram 10 pacientes com RCU, que apresentavam manifestações oftalmológicas e seis com
DC como mostrado nas tabelas 8 e 9.
Quanto às manifestações urológicas na
DII, encontramos 48 pacientes com RCU e 69 com DC como apresentado nas tabelas 10 e 11.
;Quando foram analisadas as
manifestações hepatobiliares, na RCU encontramos 66 pacientes
e na DC 70 pacientes (tabelas 12 e 13).
Sendo analisadas as manifestações
pulmonares, dez pacientes com RCU apresentaram alguma queixa, sendo a mais freqüente a
bronquite(60%). Em 14 pacientes com DC houve algum tipo de manifestação pulmonar. A mais
freqüente também foi bronquite
(71,43%).(tabelas 14 e 15).
Foram identificados sete pacientes com RCU e manifestações vasculares, enquanto que no grupo
de DC encontramos seis pacientes com estas manifestações.(tabelas 16 e 17)
Se formos estudar a freqüência das
manifestações extra-intestinais em cada tipo de doença
inflamatória intestinal, encontramos o resultado
apresentado no gráfico 1.
Nossos resultados mostram uma maior
incidência de MEI em DC (66,7%) comparado aos
doentes com RCU(59,2%), entretanto este dado não foi
estatisticamente significativo(p>0,05).
Entre os pacientes com
manifestações urológicas, 48(41%) eram portadores de RCU
e 69(59%) com DC (p=0,009). As outras
manifestações estudadas, não tiveram diferença estatística
significativa.
Quanto a distribuição das manifestações
extra-intestinais por sexo em RCU, encontramos o seguinte: articular (M = 34,1% e F =
65,9%) p<0,001; dermatológica(M = 22,2% e F =
77,8%) p<0,001; oftalmológica (M = 40% e F =
60%) p=0,65; urológica (M = 43,8% e F = 56,2%)
p=0,31; hepatobiliar (M = 40, 9 % e F= 59,1%)
p=0,055; pulmonar (M = 30% e F = 70%) p=0,18; e
vascular (M = 42,9 % e F = 57,1%) p=0,97, como
demonstra o gráfico 2.
Nos pacientes com DC, encontramos a seguinte distribuição: articular (M= 36,7% e F =
63,3%) p<0,001 ; dermatológica (M = 34,4% e F =
65,6%) p<0,001; oftalmológica (M = 33,3% e F =
66,7%) p=0,56; urológica (M = 69,6% e F = 30,4%)
p<0,001; hepatobiliar (M = 34,3% e F = 65,7%) p<0,001;
pulmonar (M = 42,9% e F = 57,1%) p>0,05; e
vascular (M = 33,3% e F = 66,7%) p>0,05, como demonstra
o gráfico 3.
Foi analisado o período em que as MEI
ocorreram em relação ao início da doença intestinal,
sendo evidenciado que 40 dos pacientes apresentaram
algum tipo de MEI anteriormente ao aparecimento das
manifestações intestinais(mais evidente nas
manifestações pulmonares), 56 concomitantes e 762 ulteriores a
estas (lembra-se que alguns pacientes apresentavam mais de um tipo de MEI). Em 430 pacientes com
uma ou mais MEI, estas apareceram enquanto a
doença intestinal estava em atividade (sendo mais
freqüente nas manifestações articulares,
dermatológicas, oftalmológicas e vasculares) e em 59 pacientes
com algum tipo de MEI, estas se instalaram após
algum tipo de procedimento cirúrgico
abdominal (visto com mais freqüência nas manifestações
vasculares(ver tabela 18).
5. DISCUSSÃO
É difícil determinar com exatidão a
verdadeira incidência de MEI em RCU e DC, pois muitos
estudos são retrospectivos e outros não consideram
algumas doenças como MEI, fazendo com que haja uma
grande divergência de incidência nos trabalhos
publicados.(29,32,33,34,35,36,37)
Um dos primeiros estudos foi realizado por Greenstein et
al.(1966), dividiram as MEI em três
grupos: grupo A _ incluindo lesões
articulares, dermatológicas, oftalmológicas e da cavidade oral
(sendo conhecidas como "colitis related"); grupo B _
relacionado à fisiopatologia do intestino delgado (mal
absorção, litíase renal, colelitíase e hidronefrose
não calculosa); e grupo C _ incluindo um grupo menor
com complicações não-específicas (35)
Os autores observaram uma incidência de
45% de MEI do grupo A em portadores de RCU e 33%
nos pacientes com DC (sendo mais freqüente quando
havia envolvimento do cólon do que na enterite
exclusiva _ 55% X 23%).
Em nosso meio, Teixeira et al.(1989),
analisando as MEI em 103 pacientes (37 com DC e 66 com
RCU) durante um período de quatro anos, encontraram
uma incidência de MEI em RCU de 54,55% e 64,86%
em DC.(29)
Em nosso estudo, encontramos uma incidência de MEI em DII de 62,7%. Esta incidência
elevada quando comparada a outros trabalhos pode ser
explicada pelo maior tempo médio de seguimento destes
doentes e a um maior número de MEI estudadas
(articular, dermatológica, oftalmológica, hepatobiliar,
urológica, vascular e pulmonar). Aliado a estes fatores, todos
os pacientes durante a admissão no protocolo, são
questionados e investigados para a presença de MEI
independente das queixas.
Entre os doentes com RCU e MEI, encontramos incidência mais elevada entre aqueles com
maior envolvimento colônico (Distal-28,9% ; HCE-25,1%
e Universal-46%).
Nos doentes com DC, houve maior
incidência de MEI quando o cólon estava acometido com ou
sem envolvimento do delgado (70,37% e 70,45%
respectivamente) comparado apenas com envolvimento
do delgado(61,67%).
Em relação ao sexo, dos 627 doentes que
apresentavam algum tipo de MEI, 388(61,88%) eram
femininos e, encontramos resultado semelhante
quando analisado por tipo de DII, onde evidenciamos
59,62% do sexo feminino em DC e 64,12% em RCU(29).
As manifestações articulares ou
osteomus-culares são as mais freqüentes entre as MEI
encontradas em pacientes com DC e RCU.
Estas, por sua vez, são divididas em dois
grupos: as que acometem o esqueleto periférico e as
que envolvem o esqueleto axial. Pode haver também
associação entre estes dois grupos(20).
A incidência de acometimento articular
periférico varia de 10,6 a 23%(1,35,20,38,39). Em nosso
estudo encontramos uma incidência de 48,9%(
RCU-51,5% e DC-48,5% ), que pode ser explicada por
um maior tempo de seguimento destes doentes, questionamentos freqüentes sobre manifestações
articulares, além de diferenças na definição de
artropatias entre os trabalhos publicados.
Em nossa casuística tivemos uma
incidência de 0,37% de manifestações axiais nos pacientes
com DII, sendo 1,7% nos pacientes acometidos por RCU
e 6% naqueles pacientes com DC. Encontramos
relatos de incidência que variam de
1-43,1%(1,20,38,39,40). Estes trabalhos, que apresentam uma incidência
maior de manifestações axiais, têm além do
acompanhamento dos pacientes por um gastroenterologista,
consultas freqüentes com reumatologistas que diagnosticam
esta manifestação com maior freqüência, inclusive
quando assintomáticas(1,39,40).
Avaliando individualmente a extensão da
DII encontramos maior prevalência de manifestações
articulares em RCU quanto maior o envolvimento colônico(Distal-40,76%, HCE-55,37% e
UNIV- 51,54%), coincidindo com as publicações de
Teixeira et al.(1989) e Lakatos et al.(2003) (29,37), sendo
o mesmo evidenciado nos pacientes com DC (43,1%-ID c/ ou sem PA ; 74,1%- ID+C c/ ou sem PA;
52,2%- C c/ ou sem PA) e confirmadas por outros
autores(35,37).
Poucas publicações relatam a prevalência
destas manifestações quanto ao sexo. No presente
trabalho, foi encontrado uma maior prevalência de
manifestações articulares no sexo feminino tanto
em RCU(masculino-16,2% e feminino-31,2%) quanto em DC(masculino-18,6% e feminino-32,1%).
Lakatos et al.(2003) encontraram em RCU uma incidência de manifestações articulares em
7,6% dos pacientes do sexo masculino e 9,3% do sexo
feminino. Este mesmo autor observou uma incidência
em DC de 18,4% no sexo masculino e 26,4% no feminino(37).
A incidência de manifestação
dermatológicas varia de 5 a 15% nas séries estudadas(7,29,35).
Na nossa casuística, encontramos incidência de 6,8%
de lesões dermatológicas em DII, sendo 6,83% em DC
e 6,76% em RCU. As mais freqüentes foram
eritema nodoso e pioderma gangrenoso, sendo encontrado
também psoríase em ambos os grupos .
No nosso estudo, o eritema nodoso foi a manifestação dermatológica mais freqüente nos
pacientes com DII(3,6%), coincidindo com outros autores,
porém não evidenciamos diferença de incidência de
acordo com o tipo de DII, sendo 3,75% nos pacientes
com RCU e 3,41% nos pacientes com DC.
Outros autores têm encontrado uma maior
incidência de eritema nodoso em DC, como no
trabalho de Veloso et al.(1996), onde foram avaliados 792
pacientes, e 8,4% dos pacientes com DC eram
acometidos comparado a 3,2% dos doentes com RCU(41).
Lakatos et al.(2003), tentaram determinar a incidência de MEI em DII, correlacionando com a
localização, tipo de DII e gênero mais acometido.
Foi encontrado uma maior incidência de
manifestações dermatológicas em DC (10,2%) do que em
RCU (3,9%); estas manifestações foram mais comuns
no sexo feminino em ambos os grupos e na RCU estas estavam mais freqüentes quanto maior o
envolvimento colônico(37).
No estudo atual evidenciamos uma
freqüência semelhante de manifestações dermatológicas em
ambos os grupos. Nos pacientes com DC, aqueles que tinham acometimento colônico apresentaram um
número maior de lesões cutâneas, enquanto que na
RCU isto foi evidenciado quanto maior a extensão da
doença no cólon, concordando com outros autores.
Quanto ao sexo, evidenciamos uma freqüência maior entre
as mulheres em ambos os grupos e uma correlação
positiva com a atividade da DII.
A verdadeira incidência de MEI
oftalmológicas em DII é desconhecida, porém os relatos variam
de 3,5 a 11,8%(7,35,42,43,44,45). Na nossa
casuística, encontramos uma incidência de 1,87% e 1,28%
respectivamente para RCU e DC, menor do que
observado em outros trabalhos, mesmo com todos os
pacientes sendo encaminhados para avaliação por
especialista quando estes iniciam o acompanhamento ambulatorial, e quando apresentavam qualquer
queixa associada.
As manifestações encontradas com maior
freqüência são uveíte, episclerite, conjuntivite, vitreíte
e catarata(7,44,45).
A maioria dos pacientes que apresentam alterações oftalmológicas, já apresentou sintomas
intestinais de DII, sendo raro estas precederem o
diagnóstico de DII(44).
Ghanchi et al.(2003) observaram maior incidência em DC, quando o cólon estava envolvido,
comparado ao acometimento ileal exclusivo (44). Na
nossa casuística, dos seis pacientes com DC que
tiveram manifestações oftalmológicas, cinco possuíam
algum tipo de envolvimento colônico, enquanto apenas um
tinha envolvimento exclusivo do intestino delgado.
Não observamos diferença quando
analisadas as manifestações oftalmológicas quanto ao tipo de
DII e ao sexo.
As alterações hepáticas comumente
associadas a DII são: infiltração gordurosa, pericolangite,
cirrose, hepatite crônica ativa, abscessos e
anormalidades do trato biliar como carcinoma de vesícula e
ducto biliar, colangite esclerosante, colelitíase, trombose
de veia porta e de veias hepáticas(7,46,47).
A incidência de manifestações hepáticas
em pacientes com DII varia de
5-95%(7,29,35,46,47,48,49). Em nossa casuística encontramos uma incidência
de 14,9%, sendo 13,2% para RCU e 16,9% para DC.
Esta grande discrepância observada nos trabalhos
publicados se deve a falta de critérios pré-estabelecidos
para a investigação sistemática de manifestações
hepáticas, seja por alterações laboratoriais, exames
radiológicos (USG, TC de Abdome, RNM),
endoscópicos(CPRE) ou biópsias quando possível ou necessário. Além
disso, alguns autores não consideram algumas
alterações hepáticas como MEI nas DII.
Broomé et al.(1990) observaram que 50%
dos pacientes com RCU e que não apresentavam
alterações bioquímicas hepáticas, apresentavam algum
tipo de alteração histológica(49). Bargiggia et
al.(2003) evidenciaram anormalidades ultra-sonográficas
em 55,1% dos pacientes com DII investigados sistematicamente(DC-54,3% e RCU-55,9%)(48).
No presente estudo, observamos uma maior freqüência de manifestações hepatobiliares no
sexo feminino em ambos os grupos, sendo mais
significativo na DC. Isto também foi evidenciado por outros
autores (7,29,37).
Várias manifestações extra-intestinais em
DII tem sido descritas que acometem os rins e as
vias urinárias, sendo relatada uma incidência que varia
de 4-23% dos pacientes (7,29,35,50,51,52,53,54). Os
mais acometidos são aqueles que já foram submetidos a
ressecções intestinais ou
ileostomia (7,35,50). As três complicações mais comuns são calculose do
trato urinário, obstrução ureteral e fístulas vesicais.
Estas acometem mais freqüentemente os pacientes com
DC grave e de longa duração. Cálculos renais
também são encontrados em RCU com incidência acima
de 5%.
Fístulas entero-vesicais em pacientes com
DC são relativamente raras, com incidência variando
2-5% dos pacientes com DC, sendo mais freqüentes em
homens, com incidência superior a 4%(7). Por não
possuir esta característica transmural, as fístulas
entero-vesicais são mais raras na RCU, normalmente se
apresentando como complicações de cirurgias abdominais.
Teixeira et al.(1989), em nosso meio, encontraram 13,59% de manifestações urológicas em
pacientes com DC e RCU, sendo mais comum no sexo masculino. A MEI mais freqüente foi calculose,
seguida de fístula êntero-vesical e hidronefrose.(29)
Nós encontramos uma incidência de 9,02%
de manifestações urológicas em paciente acometidos
por RCU e 14,74% naqueles com DC. Não
observamos diferença na incidência de manifestações
urológicas de acordo com a extensão da doença em ambos
os grupos e não observamos diferença quanto ao sexo
na RCU. Porém na DC houve uma maior incidência
de manifestações urológicas nos pacientes do sexo
masculino.
A incidência de eventos tromboembólicos
em doença inflamatória intestinal está aumentada,
variando de 2-10% o que significa três a quatro vezes
maior que a população em geral( 55,56,57,58,59).
Na casuística atual, encontramos uma
incidência de manifestações vasculares em pacientes com
DII de 1,4%(RCU-1,3% e DC-1,5%), sendo as mais freqüentes a trombose venosa profunda, vasculites e
um caso de arterite de Takayasu em paciente com DC.
Twig et al.(2005) observaram uma
correlação positiva entre a atividade da DII e a ocorrência de
fenômenos tromboembólicos(58). Em nosso estudo,
dos 14 pacientes com manifestações vasculares, sete
tinham relação com a atividade da doença intestinal
e sete com procedimentos cirúrgicos. Quanto ao
sexo, não houve diferença de prevalência de
manifestações vasculares em ambos os grupos. Encontramos
maior número de manifestações vasculares na RCU
quanto maior a extensão da doença colônica, e entre os
pacientes com DC a incidência foi maior naqueles
pacientes que apresentavam comprometimento colônico
quando comparados com envolvimento do intestino
delgado exclusivamente.
As doenças pulmonares são complicações
raras da DII, sendo as mais freqüentes a bronquite
crônica, bronquiectasia, pneumonite
intersticial, bronquiolite, vasculite pulmonar, bronquiolite
obliterante com pneumonia, nódulos necróticos pulmonares,
serosite e infiltrado pulmonar com eosinofilia. (60,61,62,63,64,65,66,67)
A incidência de manifestações pulmonares
em DII permanece ainda desconhecida e difícil de
determinar, pois muitos pacientes são avaliados por
médicos fora do contexto da sua doença intestinal ou
muitos anos após colectomia.(64) Herrlinger et
al.(2002) encontraram uma incidência de alterações nas
funções pulmonares de 39% dos pacientes com DC e 45%
naqueles com RCU, onde os pacientes foram
submetidos à espirometria, e mensurada a capacidade de
difusão do monóxido de carbono, comparados ao grupo
controle.(62) A incidência global encontrada no nosso
estudo foi de 2,4%, sendo 1,9% nos pacientes com
RCU e 3,0% naqueles com DC.
Os sintomas pulmonares também podem ser causados pelas drogas utilizadas para o tratamento
da doença intestinal, como sulfassalazina ou
mesalazina, sendo que a primeira droga pode levar a infiltrado
pulmonar intersticial com eosinofilia periférica e a
segunda droga não tem um padrão de acometimento
definido.(62,67)
A correlação entre as manifestações
pulmonares e a atividade da DII não está ainda muito
bem definida, entretanto, Wilcox et al. (1987) relatam
uma forte correlação entre elas.(66) Na nossa
casuística, sete pacientes dos vinte e quatro acometidos com
alterações pulmonares apresentavam atividade da
doença intestinal simultaneamente.
Muitos autores têm relatado uma
correlação positiva do aparecimento de manifestações
pulmonares em relação com procedimentos cirúrgicos
intestinais, principalmente colectomias.(63,66) Nós
só observamos isto em três pacientes do presente
estudo.
Não observamos diferença na incidência
de manifestações pulmonares quanto ao sexo nem
quanto à extensão da doença intestinal em ambos os
grupos estudados, e estas manifestações surgiram
com maior freqüência após o surgimento dos
sintomas intestinais, concordando com relatos de outros
autores. (60,65)
6. CONCLUSÕES
1) A Incidência de MEI foi proporcional
a duração da doença inflamatória intestinal e
surgiram com maior freqüência ulteriormente ao início dos
sintomas intestinais;
2) Das MEI estudadas, houve apenas predisposição maior das manifestações urológicas em
DC, principalmente no sexo masculino;
3) As MEI foram diretamente proporcionais à extensão do envolvimento colônico na RCU;
4) As MEI foram mais freqüentes na DC quando havia acometimento do cólon nestes
pacientes;
5) As manifestações articulares
e dermatológicas foram mais prevalentes no sexo
feminino tanto na RCU quanto na DC. Na DC
também houve maior prevalência de manifestação hepática
no sexo feminino;
6) As manifestações articulares,
derma-tológicas e vasculares tiveram uma maior
correlação com a atividade da doença intestinal em ambos
os grupos.
ABSTRACT: INTRODUCTION: There is great prevalence of extra-intestinal manifestations (EIM) in Crohn's disease(CD) and ulcerative rectocolitis (UR), varying from 24 to 65%. AIM: To determine the prevalence of EIM in UR and CD, establishing a correlation with the diagnosis of the kind of intestinal inflammatory disease, extension, evolution time and disease activity. METHODS: One thousand patients were evaluated at the Hospital das Clínicas da FMUSP, along the 1984 to 2004 period. Articular, dermatological, ophthalmologic, urologic, hepatic, pulmonary and vascular manifestations were studied. RESULTS: 468 patients were studied with CD (46.8%) were studied and 532 with UR (53.2%). 627 patients found (59.2% with UR and 66.7% with CD) with at least one form of EIM. The average disease time of the EIM patients was of 10 years. EIM were more frequent after the beginning of the intestinal symptoms. CONCLUSIONS: Both in UR as in CD, the greater the extension of the disease in the colon, the greater is the EIM incidence. Urologic manifestations were more frequent in CD. Articular and dermatological manifestations were more prevalent in the feminine sex in both groups. Hepatic manifestations were more prevalent in CD. Articular, dermatological and vascular manifestations were related with the activity of the intestinal disease in both groups.
Key words: 1.Inflammatory enteropathy 2.Crohn's disease 3.Proctocolitis 4.Prevalence.
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Endereço para correspondência:
Erodilho Sande Mota
E-mail : erodilho@terra.com.br
Rua Hilton Rodrigues, 265, Apto. 801-A, Pituba - Salvador/Bahia
CEP: 41830-630
Tel: (71) 8876-1975
Recebido em 06/09/2007
Aceito para publicação em 23/10/2007
Trabalho realizado na Disciplina de Coloproctologia do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo, para obtenção do Título de Mestre em Ciências pela FMUSP. Pesquisa realizada com o auxílio do Medline.