ARTIGOS ORIGINAIS
COMPARAÇÃO ENTRE O DIAGNÓSTICO ENDOSCÓPICO E HISTOLÓGICO DE PÓLIPOS COLORRETAIS
Comparison Between Endoscopic and Histologic Diagnosis of Colorectal Polyps
TIAGO LEAL GHEZZI1; LUCIO SARUBBI FILLMANN1; ÉRICO ERNESTO PRETZEL FILLMANN1; HENRIQUE SARUBBI FILLMANN1
1 Serviço de Coloproctologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
RESUMO: Objetivo: Avaliar a capacidade da videocolonoscopia convencional (sem magnificação de imagem) com cromoscopia (índigo carmin) de inferir no provável diagnóstico histológico de pólipos colorretais. Métodos: Estudo observacional e descritivo de 100 pólipos colorretais. Todas as lesões foram classificados do ponto de vista endoscópico quanto ao padrão de criptas e submetidos ao estudo histológico para posterior correlação diagnóstica. Resultados: dezenove por cento dos pólipos foram "subdiagnosticados" como hiperplásicos na videocolonoscopia. Oitenta e um por cento foram diagnosticados corretamente ou "superdignosticados" na videocolonoscopia. Nenhum pólipo maligno foi diagnosticado incorretamente. Conclusão: A videocolonoscopia convencional com cromoscopia não é método seguro para diferenciação de pólipos colorretais neoplásicos e não-neoplásicos. Pólipos colorretais diagnosticados através de videocolonoscopia convencional devem ser sempre submetidos a estudo histológico.
Descritores: Pólipos colorretais, videocolonoscopia, histologia, diagnóstico endoscópico, diagnóstico histológico.
INTRODUÇÃO
Pólipo colorretal é definido como qualquer
projeção da superfície da mucosa colorretal. De
acordo com suas características histológicas, os
pólipos colorretais são classificados em
neoplásicos, hiperplásicos, hamartomatosos e
inflamatórios(1, 2, 3). Conforme a teoria da seqüência
adenoma-adenocarcinoma, pólipos neoplásicos apresentam
potencial risco de transformação maligna ao longo do
tempo(3, 4, 5). Trata-se, portanto, de lesão pré-maligna,
cuja remoção reduz a ocorrência de câncer colorretal
(3, 4, 5). Acredita-se que os pólipos não-neoplásicos
sejam desprovidos de potencial maligno passível de
vigilância endoscópica mais liberal
(3, 4).
Atualmente, a videocolonoscopia é
considerada o método padrão ouro para diagnóstico de
pólipos colorretais (5, 6), sendo capaz de determinar a
localização, o tamanho e o tipo macroscópico da lesão. O
estudo anatomopatológico obtido por biópsia através
da videocolonoscopia permite, por sua vez, definir o
tipo histológico e o grau de displasia de pólipos
neoplásicos (3, 7). O emprego de tintura índigo carmin através
da técnica de cromoscopia auxilia na distinção de
pólipos neoplásicos e não-neoplásicos de acordo com sua
apresentação morfológica
(6, 8) (figura1).
Figura 1. |
Acredita-se que a colonoscopia com magnificação de imagem apresenta
acurácia diagnóstica de aproximadamente 95% para
diferenciação entre pólipos hiperplásicos e
adenomas colorretais (1, 9, 10). Uma vez que a colonoscopia
com magnificação de imagem ainda não é um
método amplamente difundido, que o
diagnóstico histopatológico acrescenta significativo custo, que
a biópsia endoscópica acarreta riscos de
sangramento e perfuração colorretal, e que os pólipos
hiperplásicos não apresentam potencial maligno estabelecido,
um estudo para determinar uma seleção mais
criteriosa dos pacientes submetidos a videocolonoscopia
que devem realizar biópsia de pólipos nos parece de
grande aplicação clínica.
OBJETIVOS
O objetivo principal deste estudo é avaliar
a capacidade da videocolonoscopia convencional
(sem magnificação de imagem) com cromoscopia de
inferir o provável diagnóstico histológico e diferenciar
pólipos neoplásicos (adenomas e adenocarcinomas) de
pólipos não-neoplásicos, bem como pólipos benignos
(não-adenomas e adenomas) de pólipos
malignos (adenocarcinomas).
PACIENTES E MÉTODOS
O presente estudo tem caráter
observacional e descritivo, tendo como população analisada os
pacientes submetidos à videocolonosocopia no Serviço
de Coloproctologia do Hospital São Lucas (HSL)
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS). A amostra do estudo é composta por
pólipos colorretais diagnosticados através de
videocolonoscopia realizada nos pacientes desta população. Ao todo
foram avaliados 100 pólipos colorretais em um total
de 57 pacientes examinados consecutivamente entre
13 de outubro e 15 de dezembro de 2006. Todos os
pacientes assinaram, previamente ao exame, o termo
de consentimento livre e informado, autorizando sua
inclusão na pesquisa, conforme determinação do
Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Lucas
da PUCRS. Foram registrados dados de todos os
pacientes referentes a gênero, idade, raça e
histórico pregresso de doença colorretal (pólipo, câncer,
doença inflamatória intestinal, outros). Foram registradas
características endoscópicas das lesões como
tamanho (cm), localização topográfica (válvula ileocecal,
ceco, cólon ascendente, ângulo hepático, cólon
transverso, ângulo esplênico, cólon descendente, cólon sigmóide
e reto) e padrão macroscópico (pediculado, séssil ou
plano).
A determinação do padrão endoscópico
das criptas intestinais (PITS pattern endoscópico)
dos pólipos colorretais foi realizada conforme a
classificação de Kudo (11) (figura 2) por meio
de videocolonoscopia sem magnificação de
imagem com emprego da técnica de cromoscopia com
índigo carmin 0,4%. O diagnóstico do padrão de
criptas endoscópico foi definido por dois médicos
simultaneamente durante a realização da colonoscopia
no Serviço de Coloproctologia do HSL-PUCRS.
Todos os pólipos foram removidos e o material
encaminhado para análise histológica
(PITS pattern histológico) no Serviço de Anatomia Patológica
e Citopatologia do HSL-PUCRS. Após, realizou-se
a comparação dos diagnósticos
PITS pattern endoscópico e PITS
pattern histológico. Paralelamente foi realizado um estudo descritivo das
variáveis epidemiológicas, endoscópicas e histológicas
dos pólipos examinados.
RESULTADOS
População de Pacientes Examinados
Foram examinados 100 pólipos em 57 diferentes pacientes. Da população de pacientes
examinados, 27 eram homens e 30 eram mulheres. Cinqüenta e cinco eram caucasianos, 1 era
afro-brasileiro e 1 era oriental.. A média de idade dos
pacientes cujos pólipos foram examinados foi de 63,65
anos. Trinta e três pacientes apresentaram apenas 1
pólipo ao exame. Onze pacientes tinham dois pólipos,
oito pacientes tiveram 3 pólipos, quatro pacientes
possuíam quatro pólipos e um paciente apresentou 5
pólipos. Trinta e um pacientes não apresentavam
antecedente de doença colorretal e 26 apresentavam os
seguintes antecedentes: pólipo colorretal (12 pacientes),
câncer colorretal (10 pacientes), câncer e pólipo
colorretal associados (três pacientes) e câncer de canal
anal (um paciente). Quanto à localização das lesões,
observou-se a seguinte distribuição topográfica:
válvula íleo-cecal (3%), ceco (12%), cólon ascendente
(5%), ângulo hepático (10%), cólon transverso (15%),
cólon descendente (8%), cólon sigmóide (23%) e
reto (24%). Oitenta e sete por cento dos pólipos
eram sésseis, 5% pediculados e 5% foram
classificados como lesões planas. Três pólipos (3%) tinham
aspecto tumoral, sendo um (1%) ulcerado e dois
(2%) vegetantes. A maioria tinha menos de 5 mm de
diâmetro (77%). Dos pólipos restantes, 5% tinham
entre 0,51 e 1 cm, 8% tinham entre 1,01 e 2 cm e
10% eram maiores que 2 cm.
Comparação entre o padrão de criptas
e histologia
O diagnóstico endoscópico do padrão de
criptas (PITS pattern endoscópico) dos pólipos
examinados foi o seguinte: PITS I (14%), PITS II (12%),
PITS IIIL (30%), IIIS (34%), PITS IV (5%) e PITS V
(5%). A análise anatomopatológica dos pólipos
examinados demonstrou o seguinte padrão de criptas
(PITS pattern histológico): PITS I (12%), PITS II (18%), PITS
IIIL (38%), PITS IIIS (14%), PITS IV (13%) e PITS
V (3%). Dois por cento dos pólipos tiveram
diagnóstico histológico não classificável (xantoma e lipoma),
sendo denominados de PITS VI (tabela 1). Estes dados
revelam que em 81% dos casos o padrão
endoscópico era igual ou superdiagnosticava os achados
da histologia. Em 19% das lesões, entretanto, a
avaliação endoscópica considerou como normais ou
hiperplásicos lesões que, à histologia, eram adenomas.
DISCUSSÃO
Para comparação dos diagnósticos
PITS pattern endoscópico e PITS pattern
histológico, considerou-se os pólipos PITS I (normal), PITS
II (hiperplásico) e PITS VI (xantoma e lipoma) como
lesões não neoplásicas (não-adenomatosos) e os
pólipos PITS IIIL, PITS IIIS, PITS IV e PITS V
como neoplásicos, independentemente se
benignos (adenomas) ou malignos (adenocarcinomas).
Assim, observou-se que diagnóstico do
PITS pattern endoscópico classificou 19% dos pólipos
neoplásicos como cripta normal ou hiperplásica (em negrito na
tabela 1). Consideramos este resultado um "subdiagnóstico", uma vez que se tratavam de
pólipos adenomatosos e, portanto, com potencial risco
de malignização futura. Em 81% dos casos, no entanto,
o diagnóstico do PITS pattern endoscópico foi
idêntico ou superestimou o PITS pattern
histológico. A comparação dos diagnósticos PITS
pattern endoscópico e histológico, considerando exclusivamente os
pólipos classificados do ponto de vista endoscópico como
benignos (95 pólipos / PITS I, PITS II, PITS IIIL,
PITS IIIS e PITS IV) e malignos (5 pólipos / PITS V)
demonstrou que 100% dos casos classificados como
benignos tiveram esta hipótese confirmada pela
histologia e que, em 40% (2 pólipos) dos casos em que a
impressão endoscópica era de que se tratava de uma
lesão maligna, na avaliação histológica, tais pólipos eram
na verdade benignos. Não houve casos em que
um dignóstico endoscópico sugeriu uma lesão benigna
que na histologia demonstrou tratar-se de um
carcinoma (tabela 2).
CONCLUSÕES
A videocolonoscopia convencional, sem magnificação de imagem, mesmo quando realizada
por examinador experiente e com emprego de técnica
de cromoscopia apresenta capacidade limitada de
diferenciação de pólipos colorretais neoplásicos e
não-neoplásicos, colocando pacientes portadores
de adenomas em risco de "subdiagnóstico". Quanto à
diferenciação de pólipos colorretais benignos e
malignos, não ocorreu nenhum caso de "subdiagnóstico.
Algumas lesões benignas foram
"superdiagnosticados" como malignas, o que, no entanto, não trouxe
nenhum prejuízo uma vez que todos foram biopsiados.
Conclui-se que, ao contrário da videocolonoscopia
com magnificação de imagem, a videocolonoscopia
convencional (sem magnificação de imagem)
com cromoscopia é um exame diagnóstico de segurança
limitada para determinação do diagnóstico
histológico de lesões colorretais.
ABSTRACT: Objective: Evaluate the capacity of the convencional videocolonoscopy (without image magnification) with chromoscopy (indigo carmin) to establish the histologic diagnosis of colorectal polyps. Methods: One hundred colorrectal polyps were classified in the videocolonoscopy according to their pattern of cripts and submitted to histological evaluation for later correlation. Results: nineteen per cent of the adenomatous polyps were classified during colonoscopy as normal or hyperplastic. Eighty one per cent of the polyps were diagnosed correctly or "overdiagnosed" in the videocolonoscopy. None malign polyp were classified incorrectly. Conclusion: The conventional videocolonoscopy with chromoscopy is not a secure method to differentiate neoplastic from non-neoplastic polyps. Colorectal polyps diagnosed through conventional videcolonoscopy must be removed and submitted to histological study.
Key words: Colorectal polyps, videocolonoscopy, histology, endoscopic diagnose, histological diagnose.
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Endereço para correspondência:
Avenida Ipiranga 6690, conjunto 307.
Jardim Botânico. Porto Alegre. Rio Grande do Sul
CEP 90610-000.
Recebido em 27/06/2007
Aceito para publicação em 24/07/20077
Trabalho realizado no Serviço de Coloproctologia do Hospital São Lucas da PUCRS. Porto Alegre / RS.