ARTIGOS ORIGINAIS
COLONOSCOPIA EM PACIENTES NÃO PEDIÁTRICOS ABAIXO DE 20 ANOS DE IDADE TRAZ POUCA CONTRIBUIÇÃO NOS RESULTADOS
Colonoscopy in Non Pediatric Patients Under 20 Years Old Brings Poor Contribution in Results
Antonio SÉrgio Brenner1; Vanessa Zeni Lima2; Sandra Beatriz Marion Valarini3; Rubens Valarini4; Ana Maria Pereira CÉsar5
1 Professor Adjunto e Médico do Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba; 2 Residente do Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba; 3 Professora Assistente da Pontifícia Universidade Católica do Paraná; 4 Médico do Serviço de Coloproctologia do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba; 5 Médico do Instituto do Aparelho Digestivo de Curitiba.
Resumo: Introdução: A utilização da colonoscopia como método de diagnóstico e prevenção das doenças do cólon e reto é cada ano mais freqüente. Esse aumento na indicação também é observado nos extremos de idade, como pacientes não pediátricos abaixo dos 20 anos. Método: Entre outubro de 1998 a julho de 2006, 4354 pacientes foram submetidos à colonoscopia na clínica privada de um dos autores. Foram analisados retrospectivamente, os prontuários de 66 pacientes com vinte anos ou menos de idade. O estudo histológico foi obtido nos pacientes com exames alterados. Resultados: A idade variou de 11 a 20 anos (média de 17,96 anos). Trinta e nove pacientes pertenciam ao sexo feminino e 27 ao masculino. O exame foi normal em 40, observou-se apenas hiperplasia de tecido linfóide em 10, divertículos em 2, colite inespecífica em 1 e pólipo hiperplásico em 1 paciente, totalizando 54 (81,81%) exames sem alteração específica. Colites foram observadas em 10 e pólipos em 5. Em dois pacientes havia história familiar de doença inflamatória intestinal e em um de câncer de cólon. Conclusão: A seleção dos pacientes é fundamental para evitar exames colonoscópicos desnecessários em pacientes abaixo de 20 anos de idade.
Descritores: Colonoscopia, adolescente, rastreamento, colo, diagnóstico.
INTRODUÇÃO
A colonoscopia é um método diagnóstico
cada vez mais utilizado na avaliação e prevenção das
doenças do cólon e reto. A importância da
avaliação colorretal tornou-se tão importante que é hoje
utilizada em programas de rastreamento do câncer do
intestino na população geral e assintomática. É um exame
que pode além de diagnosticar e tratar, também prevenir
o câncer colorretal através da ressecção de
pólipos1-4. A possibilidade de prevenção é o que difere o
rastreamento do câncer colorretal do exame da mama ou
próstata, onde o objetivo final é meramente o diagnóstico
precoce da neoplasia já instalada.
Ainda não existe método diagnóstico
comparável com colonoscopia endoscópica. A
colonoscopia virtual, mesmo melhorando sensivelmente seus
resultados, será eternamente dependente da
endoscópica para confirmação diagnóstica ou tratamento
definitivo das lesões. O enema opaco tornou-se hoje um
exame utilizado em casos selecionados de doença
diverticular, situações em que é necessário uma avaliação
anatômica da conformação colônica ou casos de
impossibilidade de realização da colonoscopia até o ceco.
O rastreamento do câncer ou pólipos através do
enema caiu em desuso pela elevada incidência de falsos
negativo e positivo. Uma série compara a
colonoscopia com o enema opaco. Quinhentos e oitenta
pacientes foram avaliados em 862 exames. A colonoscopia
foi, em média, realizada 16 dias após o enema opaco.
O exame endoscópico detectou mais pólipos. Em
torno de 20% dos adenomas não foram identificados
no enema opaco5.
O exame endoscópico pode ser realizado
em qualquer faixa etária. Mesmo nos extremos de
idade - como os pacientes acima de 80 ou abaixo dos
20 anos. Algumas publicações avaliaram os
resultados dos exames realizados em pacientes idosos. Na
grande maioria, esses estudos verificaram as necessidades
e os resultados no rastreamento endoscópico do
câncer ou então avaliaram os riscos inerentes ao
procedimento6-8.
A finalidade do atual estudo foi questionar a indicação dos exames colonoscópicos, baseando-se
nos resultados obtidos nos adolescentes. Pacientes
não pediátricos (acima de 15 anos) abaixo de 20 anos
de idade. Nessa faixa etária está um grupo de
pacientes em que, pela raridade na incidência de doenças, o
exame da colonoscopia, traria essencialmente um
aumento no custo e exposição dos pacientes aos riscos
do procedimento.
MÉTODO
Avaliamos retrospectivamente os
prontuários de 4354 pacientes submetidos à colonoscopia na
clínica privada de um dos autores, realizados entre
outubro de 1998 a julho de 2006.
Sessenta e seis pacientes possuíam entre
onze e vinte anos de idade, e esse foi o grupo de
pacientes objeto do presente estudo. Os dados avaliados
foram: idade, sexo, resultado do exame e do estudo
histológico. A indicação do exame, história pregressa e familiar
do paciente não foi obtida em 46 pacientes em que não
foi possível o acesso ao prontuário.
Todos os exames foram realizados por um dos autores, sob sedação profunda utilizando-se
propofol endovenoso sob infusão direta com assistência
de anestesista. Todos os examinadores possuem
extensa experiência em colonoscopia, cada um com mais
de 1000 exames realizados. Foram utilizados
colonoscópios padrão de 160 cm das marcas Olympus, Pentax
ou Fujiinon.
Os pacientes receberam preparo de cólon
por dieta restrita, ingestão de bisacodil 10 mg, solução
de manitol a 10% num volume de 1000 ml e fleet
enema via retal no dia anterior ao exame. Os exames
com preparo intestinal inadequado foram cancelados e
excluídos do estudo ou novamente agendados e
repetidos em melhores condições de preparo.
Foram obtidas biópsias dos pacientes com
exames alterados, e o estudo histológico realizado por
um de dois patologistas, sob técnica histológica padrão
da hematoxilina-eozina. Em 6 pacientes, não obtivemos
o resultado histopatológico (dois pacientes com pólipo
e 4 com colite).
RESULTADOS
Em todos os 66 casos, a colonoscopia foi completa com intubação cecal.
Não houveram complicações anestésicas
ou relacionadas ao procedimento.
Dos 66 pacientes avaliados, trinta e nove (59%) pacientes pertenciam ao sexo feminino e 27 (41%)
ao masculino. A idade média foi de 17,96 anos
(variando de 11 a 20 anos).
A indicação do procedimento foi obtida em
20 pacientes, sendo: a enterorragia em 9 casos e a
suspeita de doença inflamatória intestinal em 4, a
síndrome do intestino irritável em 2 e distensão abdominal em
2 pacientes. Em dois pacientes havia história familiar
de doença inflamatória intestinal e em um de câncer
de cólon. Gráfico 1
Gráfico 1 - Indicação do exame. |
Analisando-se os resultados, o exame foi normal em 40 pacientes. Observou-se apenas
hiperplasia de tecido linfóide no íleo terminal em 10,
divertículos não complicados em 2, colite inespecífica em 1 e
pólipo hiperplásico em 1 paciente. Totalizando portanto,
54 pacientes sem alteração específica. Em doze
casos, foi observada alguma alteração endoscópica com
possível repercussão clínica: colites específicas em
8, pólipos não hiperplásicos em 4. Gráfico 2.
Gráfico 2 - Resultado do exame. |
Foi observado um caso de colite
eosinofílica num paciente com colite. Um caso de displasia de
baixo grau foi identificado em paciente com RCUI.
Colite por cândida ocorreu em um caso de diarréia
crônica. Um caso de colite por Crohn e um de
colite inespecífica. Entre as polipectomias evidenciou-se
um pólipo hiperplásico, um pólipo juvenil e um
adenoma tubular. O estudo histopatológico não foi obtido em
4 pacientes com colite. Em dois pacientes com
pólipo não foi possível a recuperação do espécime para
estudo histológico. Tabela 1.
DISCUSSÃO
Do total de 66 pacientes, 54 apresentaram exames sem resultado positivo específico _ exames
normais, com hiperplasia linfóide e divertículos. Dos
12 pacientes com alteração no exame (não
conseguimos uma avaliação histopatológica em 6 casos), apenas
seis apresentaram uma histologia alterada _ displasia,
colites e pólipos. Portanto, apenas 9,09% dos exames
indicados em pacientes abaixo de 20 anos apresentaram
alguma alteração justificando o exame. Supondo que
os restantes 6 pacientes (em que não obtivemos à
avaliação histológica), apresentassem exames com
alteração específica (excluindo-se colites inespecíficas
e pólipos hiperplásicos por exemplo), mesmo assim,
apenas 18,18% dos exames colonoscópicos trariam
um benefício ao tratamento. Analisado nossos
resultados, observamos que em poucos casos o exame
confirmou um diagnóstico histológico específico, que
fosse determinante no tratamento ou mudança de
conduta clínica.
A literatura mundial é pobre em
publicações, avaliando os achados da colonosocopia em
pacientes adolescentes ou mesmo em crianças. Os
poucos autores que direcionaram sua curiosidade à essa
população, preferiram avaliar doenças
específicas como síndromes polipóides, necessidade
de rastreamento do câncer hereditário e relatos de
casos raros ou patologias exóticas1,
9-15. No outro extremo de idade, o de pacientes idosos acima de
60 anos, o número de publicações aumenta
vertiginosamente. Esse fato é compreensível pela maior
incidência de patologias, especialmente o câncer,
nessa faixa etária6-8, 12. Por outro lado, deixa a questão
da indicação da colonoscopia em jovens ainda não
respondidas.
Percebemos a escassez de publicações
revisando os poucos estudos em colonoscopia de
pacientes jovens. Avaliamos os nossos resultados através
dos exames realizados em clínica particular que
atende, estritamente, pacientes conveniados ao sistema
privado de saúde ou particulares pagantes, que foram
encaminhados por colegas ou atendidos na própria
instituição. Essa população não representa uma avaliação
fiel da população geral. Aproximadamente 75% dos
pacientes brasileiros buscam atendimento no sistema
público de saúde16. Como nossos pacientes têm uma
condição sócio-econômica mais alta, seria esperado
um maior número de exames normais, doenças em
estágio mais inicial ou até diferenças no perfil
epidemiológico. Maior incidência de doença inflamatória intestinal
e raros casos de megacólon.
Nossos resultados mostram que ao menos 81,81% dos pacientes têm exame normal (inclui
pacientes com exame normal, hiperplasia de tecido
linfóide no íleo terminal, divertículos, colite inespecífica e
pólipo colorretal hiperplásico). Um grande contraste com
a incidência de achados anormais na população
geral6-8, 17. Uma revisão realizada por Bowles e
colaboradores, publicada em 2004, que demonstrou incidência de
42,1% de exames normais, pólipos em 22%, doença
inflamatória intestinal em 13,9% e câncer em 3,8%. O
estudo abrangeu uma população geral de 9.223 pacientes
sendo: pediátricos (<16 anos) = 1,8%; adultos =
81,5%; idosos (>75 anos) = 14,1% e de idade
desconhecida em 2,6%18.
Adolescentes situam-se numa faixa etária
desprovida de atendimento especializado. Ficam
isolados entre o atendimento do cirurgião pediátrico e o
do coloproctologista ou entre o pediatra e o gastroenterologista. A indicação adequada
da colonoscopia em jovens permanece sem definição
e conseqüentemente, algumas perguntas sem
resposta adequada: Deveríamos indicar a colonoscopia em
todos os casos de enterorragia ou somente naqueles
com sangramento sem causa orificial definida? Qual o
momento de indicar a colonoscopia nos casos de
alteração do hábito intestinal (diarréia) nos jovens?
Existe indicação no rastreamento das famílias com
doença inflamatória intestinal? São inúmeras as questões
ainda não bem esclarecidas.
Nossa expectativa é iniciar uma
discussão. Estimular futuros levantamentos sobre as indicações
e os resultados da colonoscopia em adolescentes
onde, represente um benefício mais evidente, dentro do
cenário de custos penosamente toleráveis da
medicina moderna.
CONCLUSÃO
A colonoscopia em pacientes abaixo de 20 anos de idade apresenta baixo índice de resultados
importantes e decisivos na conduta clínica. A seleção
dos pacientes é fundamental para evitar exames
desnecessários.
ABSTRACT: Introduction: The colonoscopy as a diagnostic and prevention tool has been increasingly used for the prevention and treatment of the colon and rectum diseases. This rise is also seen in non pediatric teenagers under 20 years old. Method: Between October 1998 and July 2006, 4354 patients were submitted to colonoscopy scope in one of the author's privet clinic. The files of 66 patients under 20 y/o were retrospectively analyzed. Histology was obtained for patients with abnormal exams. Results: Medium age was 17,96 y/o (range 11 to 20). Thirty nine patients were female and 27 male. The exam was normal in 40, Linfoid hiperplasic tissue was found in 10, diverticulosis in 2, unspecific colitis in 1 and hyperplasic polyps in 1 patient, totalizing 54 (81,81%) exams without any specific alteration. Colitis was observed in 10 and polyps in 5. Two patients have family history of IBD and one of colon cancer. Conclusion: Patient selection is crucial to avoiding unnecessary exams in non-pediatric patients under 20 years old.
Key words: Colonoscopy, adolescent, screening, colon, diagnosis.
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Endereço para correspondência:
Dr. Antonio Sérgio Brenner
Rua de Paz, 156
Curitiba - PR - Brasil
80060160
Tel / FAX: 55 41 32634474
E-mail: medicos@iadcuritiba.com.br
Recebido em 18/10/2007
Aceito para publicação em 13/11/2007
Trabalho realizado no Instituto do Aparelho Digestivo de Curitiba. Curitiba-PR.