ARTIGOS ORIGINAIS
ENDOMETRIOSE DO TRATO GASTRINTESTINAL - CORRELAÇÕES CLÍNICAS E LAPAROSCÓPICAS
Endometriosis of the Gastrointestinal Tract - Clinical and Laparoscopic Correlations
UNIVALDO ETSUO SAGAE1; FÁBIO LOPASSO2; MAURÍCIO SIMÕES ABRÃO3; NAMIR CAVALLI4; JOAQUIM JOSÉ GAMA RODRIGUES5
1 Mestre em Cirurgia do Aparelho Digestivo, Docente da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo da FACULDADE DE MEDICINA DO OESTE DO PARANÁ; 2 Professor Livre Docente da FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO; 3 Professor Livre Docente da FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO; 4 Docente da Disciplina de Ginecologia e Obstetrícia da FACULDADE DE MEDICINA DO OESTE DO PARANÁ; 5 Ex-Professor Titular da Disciplina de Cirurgia do Aparelho Digestivo da FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO.
Resumo: Neste estudo, quarenta pacientes selecionadas com endometriose pélvica e utilizando do método videolaparoscópico de corrida dos órgãos peritoneais na endometriose (COPE), puderam verificar se suas queixas encontram-se correlacionadas aos achados de lesões no trato gastrintestinal. O estudo avaliou 21 pacientes com e 19 pacientes sem sinais e sintomas gastrintestinais, visando estabelecer: associações e correlações entre os parâmetros clínicos que sinalizam a presença de focos endometrióticos e as localizações das lesões em cada segmento do trato gastrintestinal (TGI) e a correlação entre o estadiamento da endometriose (ASRM, 1996) e o comprometimento intestinal. A pesquisa atestou, de modo significativo, a correlação entre a presença dos sintomas gastrintestinais em conseqüência das lesões no trato gastrintestinal. Os sinais e sintomas gastrintestinais significativamente relacionados com a presença de endometriose ginecológica localizada no segmento retossigmóide e/ou íleo e com comprometimento do trato gastrintestinal foram: o puxo e o tenesmo cíclico, dor em cólica cíclica, obstipação cíclica, diarréia cíclica, dor acíclica, fezes afiladas e o sangramento intestinal cíclico. O estádio IV (ASRM) correlacionou-se com a presença de endometriose no trato gastrintestinal. O presente estudo demonstrou a correlação positiva dos sinais e sintomas gastrointestinais e ginecológicos e o estadiamento da doença ginecológica com o comprometimento gastrointestinal pela doença.
Descritores: Endometriose, Trato Gastrointestinal, Laparoscopia / métodos, Diagnóstico clínico / classificação.
INTRODUÇÃO
A endometriose é doença de controversa
instalação, evolução e repetidos fracassos no
tratamento clínico e cirúrgico. Os estudos clínicos, os
diagnósticos de imagem e os tratamentos clínicos e cirúrgicos
privilegiam os órgãos pélvicos
1, 2. O conhecimento da extensão do acometimento de órgãos extrapélvicos
pela endometriose ainda é limitado, e as conseqüências
clínicas correlatas estão insuficientemente
caracterizadas pela baixa sensibilidade dos exames
diagnósticos para esta modalidade. Ainda que o progresso no
conhecimento da morfologia 3, da fisiopatologia
4 e de exames de imagem 5 seja constante, a
detecção laparoscópica da endometriose extrapélvica
necessita definir a sua importância.
No sentido de investigar de forma
sistemática os órgãos da cavidade abdominal, a corrida aos
órgãos peritoniais na
endometriose (COPE) originou-se de modificações e adaptações da técnica
laparoscópica "Run
Bowel" descrita por Kawahara
6 (1998), para a detecção de ferimentos causados ao intestino por
armas brancas ou de fogo.
Esse procedimento permitiu avaliar a extensão da afecção, correlacionar sintomas e
sinais gastrintestinais e ginecológicos, diagnosticar lesões
no restante da cavidade abdominal previamente
insuspeitas e estabelecer correlações inéditas entre o
estádio da endometriose (ASRM) 7 e a extensão e o local
do acometimento do trato gastrintestinal (TGI)
8, 9.
OBJETIVOS
Este estudo tem como objetivo avaliar pacientes com endometriose pélvica distribuídas em dois
grupos distintos: com e sem sinais e sintomas
específicos do TGI, visando a estabelecer associações e
correlações entre os parâmetros clínicos (sinais e
sintomas gastrintestinais e/ou ginecológicos, estadiamento
da doença ginecológica) que sinalizam a presença
de endometriose e a localização das lesões em cada
segmento do trato gastrintestinal (TGI), bem como
avaliar a correlação entre o estadiamento da endometriose
7 e o comprometimento gastrintestinal causado pela
doença.
PACIENTES E MÉTODOS
Estudo prospectivo, com quarenta mulheres registradas no Hospital Universitário - Faculdade
de Medicina do Oeste do Paraná e no Serviço de
Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo - Setor
de Endometriose do Ambulatório de Ginecologia com
suspeita diagnóstica de endometriose pélvica.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética
e Pesquisa (CEP), e todas as pacientes assinaram
um Termo de Consentimento Pós-Informado (TCPI).
A caracterização dos sinais e sintomas
típicos GI do acometimento pela endometriose foi obtida
por meio de questionário padrão PEGAR,
sendo pesquisados sinais e sintomas do TGI e sinais e
sintomas ginecológicos típicos da endometriose.
O critério de inclusão foi o diagnóstico
de endometriose na laparoscopia, confirmado
subseqüentemente por biópsia. Os critérios de exclusão
foram: ausência de endometriose pélvica comprovada
por histologia, cirurgia intestinal anterior, doenças
neurológicas ou mentais que impedissem coleta de
informações confiáveis, e não ocorrência de atividade
sexual vaginal.
Os parâmetros clínicos pesquisados foram:
· Sinais e sintomas
uroginecológicos: dismenorréia, dispareunia de profundidade,
infertilidade, disúria, polaciúria e hematúria. Para melhor
avaliação, relacionaram-se os sinais e sintomas GI e
ginecológicos, separando as queixas ginecológicas:
dismenorréia de profundidade (dividida em dois grupos: de
intensidade leve ou moderada e de intensidade severa
ou incapacitante) e dispareunia (dividida em dois
grupos: de intensidade leve ou moderada e de intensidade
severa) e confrontou-se com os achados com a
realização da COPE.
· Sinais e sintomas ao exame ginecológico:
dor a mobilização uterina, aumento anexial, nódulo em
fundo de saco e/ou septo retovaginal e espessamento
ou nódulo de ligamento uterossacro.
· Sinais e sintomas digestivos prospectados
e considerados como presentes ou ausentes foram:
diarréia, constipação, alteração de hábito
intestinal, sangramento retal, puxo e tenesmo, fezes de
pequeno calibre e dor pélvica. Todas as queixas ocorridas
durante o período menstrual foram chamadas de sinais
e sintomas cíclicos ou acíclicos (se não havia relação
com o período menstrual).
As pacientes foram submetidas à videolaparoscopia para estadiamento ou exérese
das lesões endometrióticas. Foram categorizados dois
grupos: grupo I, constituído de 21 pacientes que
apresentaram sinais ou sintomas gastrintestinais (GI); grupo
II, com 19 pacientes sem sinais e sintomas GI. Na
sistematização do procedimento videolaparoscópico
aplicou-se a técnica COPE, cuja padronização
compreende detalhes imprescindíveis, como:
· Colocação do monitor na posição inferior, próximo aos pés da paciente;
· Quarta punção no hipocôndrio direito de 5 mm;
· Uso de óptica de 30 graus;
· Posição de Trendelemburg com uso de
perneiras (semi ginecológica);
· Início da investigação do intestino
delgado pelo íleo terminal em direção ao ângulo
duodeno-jejunal.
Ao se identificar lesões (típicas e/ou
atípicas), coletou-se o material de biópsia por meio de pinça
de biópsia ou se realizou ressecção com tesoura e
sutura, caso necessário, da parede seromuscular ou total
com fio de vicryl 4-0. O material coletado foi fixado
em formaldeído a 4% durante pelo menos 24 horas e,
a seguir, submetido aos procedimentos para
microscopia óptica convencional, segundo processamento
habitual para inclusão em parafina. As lâminas foram
coradas pela técnica de hematoxilina e eosina, e analisadas
em microscópio óptico de luz.
Para análise dos dados coletados foram
aplicados os testes qui-quadradro de Pearson e o
teste exato de Fisher para comparar associações entre
as variáveis. Foi utilizado o teste
t-student para comparação das médias de idade dos grupos de pacientes
com e sem sintomas no TGI. Para todos os testes foi
utilizado nível de significância de 5%. No texto
empregaram-se as notações p*, p** e p*** para sinalizar
as respectivas diferenças significantes das estatísticas
nos testes de Pearson, Fisher e t-student.
RESULTADOS
As pacientes do grupo I apresentaram
média de idade de 33,2 anos (25-46) e as do grupo II de
27,8 anos (18-41) (p<0,005). A idade foi
significativamente mais elevada em pacientes com sinais e sintomas GI.
A COPE demonstrou acometimento do TGI em 70% das pacientes. Essas lesões
distribuíram-se significativamente pelo íleo (27,5%), cólon
direito(12,5%), sigmóide (35%), retossigmóide (47,5%),
reto (27,5%) e apêndice (20%) (tabela 1).
Secundariamente, o método detectou lesões insuspeitas no
trato urológico (17,5%), no mesentério (12,5%), no
diafragma (5%) e no epíplon (2,5%) (tabela 2).
Os sinais e sintomas ginecológicos
significativamente relacionados com comprometimento do
TGI, na presença ou não de sinais e sintomas no TGI
foram: dismenorréia leve (45%), dismenorréia severa
(50%), dispareunia leve (52,5%), dispareunia em
intensidade severa ou incapacitante (27,5%) e sinais e
sintomas urinários cíclicos (10%).
Os sinais e sintomas GI significativamente relacionados com a presença de endometriose
ginecológica e com comprometimento do TGI foram:
puxo/tenesmo cíclico (40%), dor em cólica cíclica
(30%), obstipação cíclica (27,5%), diarréia cíclica (25%),
dor pélvica acíclica (22,5%), fezes afiladas (12,5%)
e sangramento intestinal cíclico (5%).
A COPE permitiu diferenciar os segmentos do TGI mais acometidos pela endometriose na
presença de sinais e sintomas do TGI. Nestas
condições, o exame laparoscópico com a técnica da COPE
mostrou que a transição retossigmóide, cólon
sigmóide, íleo terminal e reto foram, significantemente, os
locais no TGI em que a presença de sinais e
sintomas foi mais freqüente (tabela 3). Essa
técnica laparoscópica permitiu a identificação de lesões
da endometriose em territórios fora do TGI e
ginecológico. A freqüência destas observações foi indistinta
entre as pacientes com e sem sinais e sintomas do TGI
(tabela 4). Houve nítida correlação entre
dismenorréia severa ou incapacitante e dispareunia severa
com presença de sinais e sintomas GI. A infertilidade
não se correlacionou com a presença ou ausência de
sinais ou sintomas do TGI.
Houve nítida correlação entre
dismenorréia severa ou incapacitante e dispareunia severa com
presença de sinais e sintomas GI (tabela 5). A
dismenorréia se correlacionou com a presença de endometriose
no íleo terminal (tabela 6), já a dispareunia se
correlacionou com a presença de endometriose na
transição retossigmóide (tabela 7).
Houve correlação entre lesões
extraginecológicas e das GI, na COPE, com os sinais e sintomas GI, como
se pode observar nas tabelas 8 e 9.
O encontro de lesões extraginecológicas e
de lesões GI, na COPE, correlacionou-se com
o estadiamento da ASRM 1996 (tabelas 10 e 11).
Observou-se que o estadiamento IV, pelos critérios da ASRM
7, se correlacionou com a presença
de endometriose em segmentos específicos do TGI, a
saber, íleo terminal, cólon sigmóide e
transição retossigmóide (tabela 12).
DISCUSSÃO
O tratamento eficaz da endometriose intestinal depende do correto diagnóstico na cavidade
abdominal10. A laparoscopia permite coletar
informações importantes e significantes para seu estadiamento
e tratamento. A maior incidência da doença no TGI
foi referida por Williams, Pratt 11. Em 37% das 1000
pacientes avaliadas, 95% das lesões estavam
localizadas em reto e sigmóide, 5% em íleo e 9% em
apêndice cecal. Jerby 12 (1999) relatou, em experiência com
509 pacientes cuja intervenção laparoscópica foi
necessária, que 30 (5,9%) pacientes apresentaram focos
no seguimento colorretal: 2 casos (7%) no ceco, 2
(7%) no apêndice e nenhum caso no intestino delgado.
O local predominante foi o reto/fundo de saco em 28
(93%) pacientes, e sigmóide em 10 (33%) pacientes.
Dez destas pacientes apresentaram lesões múltiplas e
28 pacientes lesões no estádio IV. Chapron
et al. 13 (2003) encontraram 23 (9,9%) pacientes com
comprometimento intestinal num grupo de 241 mulheres
com endometriose de infiltração profunda, sendo que 9
das 23 pacientes (39,1%) apresentaram lesões
multifocais no intestino. As lesões distribuíram-se entre reto
(20 lesões; 58,9%), sigmóide (7 lesões; 20,6%), cólon
(3 lesões; 8,8%), segmento ileocecal (2 lesões;
5,9%), apêndice (uma lesão; 2,9%) e omento (uma
lesão; 2,9%). No presente estudo, a COPE identificou
mais lesões (70%) que a maior incidência encontrada na
literatura, de 37%. Fato este que pode ser
explicado pela incisão laparotômica utilizada nas cirurgias
descritas na literatura 11, o que não permitia avaliar todo
o peritônio com precisão. Além do acometimento do
segmento retossigmóide, a COPE observou lesões
em ambos os territórios, chamando a atenção para
a multifocalidade da doença (75%) e principalmente
para a distribuição da endometriose no território direito
do intestino. A baixa incidência na literatura, em
segmento do íleo, apêndice e cólon direito pode ser
explicada pelo fato do intestino não ser observado
corretamente e, principalmente, porque o segmento intestinal
localizado à direita, que se posiciona na cavidade
extrapélvica em posição de Trendelemburg durante a cirurgia, e
o localizado na pelve próximo à tuba direita em
posição ortostática, não serem regularmente
examinados pelo cirurgião. A observação de lesões em
órgãos como a bexiga, ureter, mesentério, diafragma e
omento demonstraram que a aplicação da COPE,
ampliou o diagnóstico da endometriose nos
órgãos extraginecológicos e extra-intestinais.
A idade foi significativamente mais elevada nas pacientes com sinais e sintomas GI, constatando-se
que a doença é progressiva e sugerindo que os sinais e
sintomas GI são posteriores aos sintomas
ginecológicos. Há nítida correlação entre dismenorréia severa
ou incapacitante com sinais e sintomas GI. Moghissi
14 (1996) observou que a dismenorréia parece ser
mais intensa quando os ligamentos uterossacros são
acometidos. A lesão do septo retovaginal foi a que
melhor explicou a parceria dos sinais e sintomas
ginecológicos com sinais e sintomas do TGI, por se tratar de
lesões que acometem os dois aparelhos. A
dispareunia correlacionou-se com sinais e sintomas GI com
lesão no fundo de saco e endometriose no
retossigmóide. A dispareunia é causada por lesões endometrióticas
localizadas, principalmente, na pelve junto à vagina,
anexos e retossigmóide. Durante o coito, o trauma no
fundo de saco vaginal e no colo uterino provoca
mobilização desses órgãos devido à distensão e tração,
ocorrendo dor quando há comprometimento pela doença. As
pacientes podem, ainda, apresentar focos de
endometriose em cólon, reto e ligamento uterossacro,
apresentando queixas de dor crônica, dismenorréia, dispareunia,
dor lombar, disquezia, constipação, diarréia e
infertilidade 15. A localização do segmento retossigmóide na
cavidade pélvica participa da sintomatologia, estando
esta correlação bem explorada. Em relação à
infertilidade, observou-se correlação entre a presença
de endometriose no apêndice e no íleo terminal.
Redwine 16 (1999) observou que as lesões
no ovário sinalizavam lesões
intestinais. Esta constatação teve relação direta com acometimento da
transição retossigmóide, cólon sigmóide, íleo e cólon
ascendente, demonstrando que as lesões são multifocais e
disseminadas na pelve e extra pelve.
Verificou-se estatisticamente que as pacientes do grupo I, com sinais e sintomas do TGI,
apresentaram maior número de lesões nos ovários,
septo retovaginal e tubas. No útero, o número de lesões
observadas não teve significância. Com esse
resultado pode-se constatar que os sintomas GI são
bons sinalizadores para a doença mais extensa também
nos órgãos ginecológicos, e mesmo com os grandes
avanços na área de diagnóstico por imagem, o desafio
da endometriose persiste tanto para o clínico como
para o imagenologista, pois muitos casos não são
detectados de modo adequado. Quanto à presença de
sinais e sintomas do TGI, a técnica da COPE
discriminou as pacientes segundo a localização das lesões
observadas durante o exame. Houve correlação dos
sinais e sintomas GI com a endometriose no íleo
terminal, cólon sigmóide, transição retossigmóide e reto,
numa freqüência de 100%, 92,9%, 84,2% e 81,8%
respectivamente. Observou-se que os sinais e sintomas
do TGI têm correlação direta com a presença de
lesões no TGI em 95,2%, colocando em dúvida o
estigma que endometriose ginecológica causa sintomas GI
sem acometê-los. Isso mostra que, a aplicação da
COPE fica obrigatória nas pacientes com
endometriose pélvica com sinais e sintomas do TGI, e que são
duvidosas as hipóteses de que os sinais e sintomas GI
são fenômenos naturais que se manifestam
na endometriose 17.
Foi demonstrada nítida relação entre sinais
e sintomas do TGI e lesões no retossigmóide e íleo.
As lesões localizadas no íleo, estavam mais presentes
nas pacientes com sinais e sintomas do TGI,
demonstrando a importância da investigação minuciosa do
quadro clínico e da inspeção da cavidade abdominal durante
o procedimento cirúrgico, mesmo que seus sintomas
se confundam com os sintomas do acometimento do
segmento retossigmóide.
Em relação ao apêndice e cólon direito, fica
a observação que nesses órgãos só são
diagnosticadas lesões se aplicado o método laparoscópico da
COPE corretamente, pois não houve diferença entre
pacientes com e sem sinais e sintomas do TGI. Tal
achado, talvez se explique pelo fato de no cólon direito as
fezes serem líquidas, os segmentos serem fixos e os
seus diâmetros serem maiores do que o do íleo e
sigmóide (7,5 cm/ 2,5 cm), tornando difícil desenvolver um
quadro de obstrução intestinal por infiltração externa
ou torção por aderências e a dor se confundir com a
da dismenorréia. No apêndice pode se manifestar
com um quadro agudo que é tratado por cirurgia em
serviço de urgência e cujo diagnóstico definitivo é
confirmado após estudo
anatomopatológico, correspondendo a cerca de 1% a 3% das
apendicites agudas. Isso ocorre provavelmente, nos
casos em que a lesão infiltra a parede do apêndice
obstruindo a sua luz. No presente estudo, as lesões no
apêndice ocorreram quando o mesmo se localizava
na posição peritoneal e na cavidade pélvica. As
lesões caracterizam-se como pequenas, superficiais e
de localização no terço distal, e às vezes, com
aderências frouxas, semelhante ao que ocorre nas
tubas comprometidas pela endometriose. Nessa
situação, não se sabe se causam sintomas e, se ocorrem,
provavelmente confunde-se com dismenorréia. O
fato é que em dor pélvica sem origem definida,
algumas pacientes são beneficiadas com a retirada do
apêndice. O apêndice e as tubas estão próximos e
são anatomicamente parecidos. Talvez a
fisiopatologia do comprometimento das trompas seja igual a
do apêndice. Saliente-se que o apêndice deve ser
bem examinado, pois as lesões são de difícil
identificação e acredita-se que a lente de aumento da
óptica laparoscópica tem contribuído muito na
ampliação diagnóstica. Assim, a característica
da multifocalidade da endometriose e o baixo grau
de suspeição do médico assistente fazem com que
haja grande discrepância estatística entre a casuística
de outros autores e deste presente estudo.
Todas as classificações têm por finalidade
a uniformização nos padrões de linguagem sobre
determinada doença. A "American Fertility
Society" (1979), renomeada em 1995 como "American
Society for Reproductive Medicine"
(ASRM)7, propôs uma classificação da endometriose em sistemas de
escore, reunidos em estádios de I a IV, o que torna
possível agrupar casos, traçar esquemas terapêuticos
e fazer prognósticos. A meta principal foi definir a
extensão da doença observada durante a
laparoscopia. Correlacionando o estadiamento da doença
7 e a presença de endometriose em segmentos do TGI
durante o procedimento da COPE, observou-se que
houve correlação mais definida nos dois extremos. Jerby
12 (1999) observou lesão colorretal em 28 das 30
pacientes que pertenciam ao estádio IV. Redwine
16 (1999) afirmou que lesões nos ovários eram
um sinalizador de lesões no TGI. Nesse estudo,
doenças avançadas com comprometimento extenso na
pelve, cujo estadiamento corresponde ao estádio
IV, correlacionaram-se com doença no
segmento retossigmóide e também no íleo terminal,
enquanto que nas pacientes classificadas como estádio I
não foram evidenciadas lesões gastrintestinais.
CONCLUSÕES
O presente estudo demonstrou a
concomitância dos sinais e sintomas gastrintestinais e
ginecológicos com o comprometimento gastrintestinal pela
doença, bem como houve correlação entre o estadiamento
da doença ginecológica (ASRM, 1996) e
comprometimento intestinal.
Abstract: The peritoneal organs of 40 patients with pelvic endometriosis were scanned for endometriosis in this study by the videolaparoscopic method to verify the relation of their complaints with lesions found in the gastrointestinal tract. Twenty one of these patients who had gastrointestinal signs and symptoms and 19 who did not, were evaluated in order to establish associations and correlations between clinical parameters pointing to endometriotic lesions and sites of these lesions in each segment of the gastrointestinal tract as well as to correlate between the staging of the endometriosis and intestinal injury. Research significantly confirmed the correlation between gastrointestinal symptoms as a consequence of lesions in the gastrointestinal tract. Gastrointestinal signs and symptoms, significantly related with gynecological endometriosis in the rectum and sigmoid segment and/or ileum and with injury of the gastrointestinal tract, were cyclic tenesmus, cyclic colic pain, cyclic obstipation, cyclic diarrhea, acyclic pain, thin stools and cyclic intestinal bleeding. The ASRM l996 Stage IV correlated with the presence of endometriosis in the gastrointestinal tract. The study demonstrates the positive correlation of gastrointestinal and gynecological signs and symptoms and the staging of the gynecological disease with gastrointestinal injury from the disease.
Key words: Endometriosis, Gastrointestinal Tract, Laparoscopy / Methods, Clinical Diagnosis / Classification.
Referências
1. Fleischer AC, Cullinan JW, Walsch JW.
Problem-oriented gynecologic imaging with emphasis on ultrasonography.
In Fleischer AC, Manning FA, Jeanty P, Romero
R.(Ed.). Sonography in Obstetrics and Gynecology. A. Lange. 1996;887.
2. Rawson J M. Prevalence of endometriosis in
asymptomatic women. J Reprod Med 1991; 36(7): p 513-5.
3. Martin J D Jr, Hauck A E. Endometriosis in the male. Am
Surg 1985; 51(7): p 426-30.
4. Nisolle M, Donnez J. Progesterone receptors (PR) in
ectopic endometrium?. Fertil Steril 1985; 68(5): p 943-4.
5. Donnez J, Smets M, Jadoul P, Pirard C, Squifflet
J. Laparoscopic management of peritoneal
endometriosis, endometriotic cysts, and rectovaginal adenomyosis. Ann N
Y Acad Sci 2003; 997: p 274-81.
6. Kawahara N. Padronização dos
procedimentos Videolaparoscópicos nos traumas abdominais penetrantes
- Estudo clínico realizado em 75 pacientes. São Paulo, USP
- Universidade de São Paulo. 1998ASRM
7. Schweppe K W, Wynn R M. Endocrine dependency
of endometriosis: an ultrastructural study. Eur J Obstet
Gynecol Reprod Biol 1984; 17(2-3): p 193-208.
8. Abrao M S, Machado M A, Campos FG, Habr-Gama A,
Pinotti HW. Rectal endometriosis. Rev Hosp Clin Fac Med São
Paulo 1994; 49(4): p 173-6.
9. Sagae U E, Oliveira F M M. Endometriose Intestinal. In
Crispi C P, editores. Tratado de Videoendoscopia Ginecológica.
1ª ed. São Paulo: Atheneu; 2003. p. 343-59.
10. Williams T J, Pratt J H. Endometriosis in 1,000
consecutive celiotomies: incidence and management. Am J Obstet
Gynecol 1977; 129(3): p 245-50.
11. Jerby B L. Laparoscopic management of
colorectal endometriosis. Surg Endosc 1999; 13(11): p 1125-8.
12. Chapron C, Fauconnier A, Vieira
M, Barakat H, Dousset B, Pansini V, et al. Anatomical distribution of deeply
infiltrating endometriosis: surgical implications and proposition for
a classification. Hum Reprod 2003; 18(1): p 157-61.
13. Moghissi K S. Add-back therapy in the treatment
of endometriosis: the North American experience. Br J
Obstet Gynaecol 1996; 103(14) : p 14.
14. Nezhat F, Nezhat C, Nezhat CH, Levy JS, Smith E, Katz
L. Use of hysteroscopy in addition to laparoscopy for
evaluating chronic pelvic pain. J Reprod Med 1995; 40(6): p 431-4.
15. Redwine D B. Ovarian endometriosis: a marker for
more extensive pelvic and intestinal disease. Fertil Steril 1999;
72(2): p 310-5.
16. Wood C, Kuhn R, Tsaltas J. Laparoscopic diagnosis
of endometriosis. Aust N Z J Obstet Gynaecol 2002;
42(3): 277-81.
Endereço para correspondência:
Univaldo Etsuo Sagae
Rua Antonio Alves Massaneiro, 414 / Centro
Cascavel - PR
85812-090
Fone: 45-21017700 / Fax: 45-21017722
E-mail: sagae@gastro.com.br
Recebido em 10/08/2007
Aceito para publicação em 23/10/2007
Trabalho realizado no Hospital Universitário / Faculdade de Medicina do Oeste do Paraná. Serviço de Ginecologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo / Setor de Endometriose do Ambulatório de Ginecologia.